sábado, 29 de maio de 2021

Arte é Vida V

 

                 Constantemente ouço pessoas de várias faixas etárias comentando que tiveram que em outrora abrir mão de seus sonhos e embarcar em vidas que, na maioria das vezes, elas mesmas consideram frustrantes ou medíocres.  Essas pessoas estão se referindo à carreiras artísticas que abandonaram. São ex-bailarinas,  ex-atores ou ex-músicos, se é que podemos chamar os artistas de “ex” já que talento, creio eu, jamais se extingue por inteiro, o fato é que talvez,  por morarmos em um país de terceiro mundo ou ainda distantes de uma capital, o olhar que damos para a arte enquanto profissão é sempre crítico ou por demais exigente. Nos parece difícil aceitar, que alguém possa supor ter uma vida confortavelmente rica, baseada apenas na arte como centro de lucro, ou ainda na  manutenção de uma família.

              Alguém me disse: ”o mundo capitalista nos exige pés no chão”. Mas abriríamos mão de Beethoven, de Shakespeare, de Carlos Drummond de Andrade, ou de Carlos Gomes? Trocaríamos o teto da capela Cistina, o Davi de Michelangelo ou o prazer em assistir Norma, Copélia, ou Turandot, com seus grandes corpos de baile?

              Olhai para vossos pais, tios, vizinhos da terceira idade, e perguntai, quantos deles recusaram sonhos, talentos, dons... Por que tristemente deviam por os tais pés no chão. Qual chão seguro é esse de que falam? Pois mesmo  aqueles, ditos sensatos, me parecem preocupados, e cheios de contas inalcançáveis de quitar. 

              A arte, oásis de prazer, respiro em meio as atribulações da vida, formadora de opinião ou enquanto base filosófica na evolução dos tempos, deveria ser incentivada a todos e exercida com louvor e orgulho. Pois é através dela, que temos maior contato com o “mistério”, com o impalpável, com o lugar comum onde todas as línguas se encontram. Certa vez li que se fossemos nos encontrar pela primeira vez com extraterrestres, não devíamos tentar falar nada, apenas deixar tocar a nona sinfonia, e ali, naquele momento os visitantes do outro planeta compreenderiam a pequena e grandiosa existência humana. Então para concluir, preciso fazer uma pergunta, que talvez machuque nossos egos, mas: até quando vamos  frustrar nossos filhos e destruir sonhos?

 

domingo, 23 de maio de 2021

Quarta Coluna do diretor Cléber Lorenzoni sobre Arte e Cultura

 

A Saga do Herói Tropeiro

 

                            Na última semana passei envolvido até os crespos com o tema tropeirismo. Confesso que o mesmo sempre me atraiu, sempre apreciei história. Nos livros da sexta serie, o que ficou para mim foi uma imagem que mais tarde descobri no livro de Rossano Cavalari, tratar-se de uma pintura de Charles Landseer.  Pois bem dia 8 de maio é o dia municipal do tropeirismo e durante todo o mês, vários lugares do país celebram esses desbravadores. Para mim heróis, já que a definição: “personagem modelo, que reúne, em si, os atributos necessários para superar, de forma excepcional, um determinado problema”, parece caber perfeitamente.

                         Homens que durante dois séculos mais ou menos enfrentaram todo o tipo de intempéries e perigos, para fazer algo crucial: Cruzar culturas. Estes homens que carregavam mais do que canastras amarradas às mulas, carregavam historias, cantigas, tradições e as cambiavam com povos, vilas, e cidades, mudando e evoluindo ideologias, pensares e fazeres.

                      Se a globalização teve grandes marcos, um deles certamente foi o tropeirismo. E estes homens que passavam semanas longe de suas casas, de sua prole, foram abrindo caminhos, criando estradas, desenhando nas patas de suas mulas os contornos que formaram o nosso mapa.

                      Depois desse primeiro raciocínio, passei a me questionar quanto a típica cultura do cruzaltense, em mudar-se, em migrar para outros pagos e comumente retornar, não estaria aí uma herança ancestralizada em nosso organismo? A necessidade de ir de um lugar a outro? Eu enquanto ator, sempre senti essa necessidade mambembe de cruzar culturas, de viajar levando minha arte, cambiando também conhecimentos e vivências de lugares. Não andamos sobre mulas, mas meu sonho seria viajar em carroças como nossos primos da Commedia Dell Art.

                  Em Cruz Alta inúmeras são as famílias descendentes desses intrépidos pioneiros, que muitas vezes desconhecem o valor histórico/cultural que carregam em suas raízes. Olhemos para nossas casas com sensibilidade, para os tesouros que estão guardados nas histórias dos anciãos, e mantenhamos viva a chama das nossas tradições, nossas próximas gerações merecem, merecem que o passado não seja deslumbrado apenas em uma pintura de Jean-Baptiste Debret.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Coluna III- Arte é Vida

 

 Iconoclastia?

 

                Quem anda pelas ruas de Cruz Alta, depara-se com dezenas e dezenas de monumentos,  estátuas e obeliscos. Todos eles representando momentos e legados importantes de nossos antepassados. Do estadista Getulio Vargas, à mestra inesquecível Margarida Pardelhas ou ainda ao compositor Carlos Gomes. Tais estátuas e monumentos nos lembram nossas raízes, nosso heroísmo ou mesmo patriotismo. Algumas, tão antigas, talvez por falta de revitalização ou ressignificação, parecem perder seu status, e até por isso, sejam constantemente desrespeitadas, descuidadas e pior, vandalizadas.

                Mas quanto tempo de existência tem uma estátua? Uma homenagem póstuma, ou um obelisco? Por quantas gerações perdurará a eternização de um legado, por quanto tempo elas deverão ser mantidas entre nós? Nosso “patrimônio público”, deve nos representar, mas nunca podemos esquecer que é a comunidade que decide quem sãos seus ícones.

                Nos últimos meses ocorreram pelo mundo todo, movimentos que derrubaram estátuas e  incendiaram monumentos, pois eles estariam em desacordo com os ideais de um novo mundo que vem sendo construído, onde racismo, opressão, sistemas ditatoriais truculentos, não tem mais espaço. Alguns desses ídolos estão inclusive sendo retirados das vias públicas e  alocados em museus  espalhados pelo mundo. Museu da escravidão, museu do holocausto, etc..., lugares onde o passeio muitas vezes é chocante e reservado à visitantes dispostos a emoções intensas.

              A iconoclastia, aliás, mostrou sua pesada mão sobre a imagem do Gaúcho na entrada da cidade de Cruz Alta, na década de 70, arrancado que foi a laço, outrossim, nova estátua tem sido julgada e debates lançados sobre sua eficaz presença em  nosso dia a dia. Ora, precisamos nos questionar nesse momento, quanto a contribuição dessa estátua em relação à nossa cultura, ao olhar dos nossos turistas e a credibilidade que ela passa junto à nossa história. O que não podemos é nos ressentir pelo fato de que tais estátuas ficarão e nós...  Passaremos.

             Nós reconhecemos os nomes das estátuas e ruas de nossa cidade? Nós reconhecemos quem são os supostos ídolos de nossas cidades. Quais os projetos civilizatórios que nossas  estátuas representam? Devemos nos perguntar, devemos nos apropriar e principalmente devemos não esquecer o valor de homens e mulheres que dedicaram suas vidas, em batalhas por liberdade, em ações filantrópicas ou em ideias que melhoraram a vida de tantos. Olhemos para nossos monumentos e por um instante que seja,  reverenciemos seus legados.

O Ator Nicolas Miranda, aluno da ESMATE, encabeçando a campanha NÃO CONSTRANJA, INCLUA


 

Os atores Fábio Novello e Clara Devi em ação cultural de inauguração do Supermercado Super Útil


 

sábado, 8 de maio de 2021

Coluna II- Tradição

 

Tradição

 

                 Tradição, que significa ‘‘entregar’’ ou “passar adiante”, é a transmissão de costumes, comportamento, memórias, crenças, enfim elementos passados de uma geração para outra. Nesse ano em que Cruz Alta comemora seus 200 anos, a palavra de lei para mim é “tradição”, é celebrar nossas lendas, nossas histórias, nossos costumes. O orgulho em ser cruz-altense advém exatamente do legado que nossos antepassados nos deixaram.

                    Um dos legados culturais de grande expressão, estabeleceu-se há quarenta anos atrás. Recordo-me de muito pequeno acompanhar a tia que deu meus primeiros passos na senda cultural, Ana Maria Lorenzoni Nicolodi às noites frias do maior festival de música nativista do estado, único ininterrupto. A mateada ao lado de fora do ginásio municipal, Seu Adauto Mastela Basso pilchado, a comissão social de lenço encarnado recepcionando os convidados, ou ainda o “nêgo Benedito” brilhando com dignidade entre os artistas visitantes. Ali, sobre o palco, um pedaço ostentoso de nossa cultura, sendo honrado em prosa e verso.

                  No entanto, algo que desde muito cedo não me parecia fazer sentido, era a tal “fase local”, que tinha um significado confuso. Os participantes se classificariam para uma outra fase? E outra, por que haviam cruzaltenses na fase geral? O que os distinguia da outra fase? Lembro-me de questionar muitos artistas nativistas e organizadores do certame, que simplesmente desconversavam ou me diziam que seria difícil me explicar.

                 Para mim, a fase local parecia diminuir e não, valorizar os artistas locais, e fico muito feliz em saber que não haverá mais fase local. Um acerto dos agentes da cultura.

                É necessário manter as tradições e em alguns casos melhorá-las. O que não se pode é tratar a arte e a cultura com o simples gosto ou não gosto. Para meus alunos sempre digo, não se trata de se fazer gostar, mas de inspirar, de propagar... Torçamos que nossas tradições continuem firmes, respeitadas e cultuadas, que não sejam banalizadas por interesses políticos ou por interesses de uns em detrimento ao todo.

MONTAGEM DE PALCO PARA OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - 2015


 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Coluna do Diretor Cléber Lorenzoni sobre Arte e Cultura no jornal Diário Serrano- toda sexta feira

 

Arte é Vida  n° I

 

            Nunca se falou tanto em arte e cultura como nesse momento pandêmico, em que fechado em casa, o cidadão recorre ao lazer e o entretenimento para suportar o estado de sítio a que está exposto.   Series, novelas, shows, livros, exposições remotas, são o prato principal na mesa de todos. Do rico ao pobre, a arte nesse momento é a maior aliada.  Mas por que então continuamos colocando arte e cultura no fim da fila? Em detrimento a todo resto, o artista só é lembrado no momento do show, o ultimo aplauso decreta seu esquecimento, pois logo depois parece estar sozinho e por conta própria.

           As pessoas no entanto sempre buscaram dialogar com o mundo ao seu redor através da arte, tendo ali um espaço profícuo para produzir e disseminar novas ideias. Assim sendo, nós vemos com facilidade a arte por todos os lados, em grafites, arquiteturas de monumentos públicos, músicos nos bares, artistas de rua, entre outros tantos meios. Porém não basta olhar, é preciso ver, apreciar a arte, se permitir compreender as intenções do artista e ainda produzir leituras e interpretações significativas da obra.

            A cultura enquanto somatória de valores e costumes, é um jeito próprio de ser, estar e sentir o mundo, ‘jeito’ este que leva o indivíduo a fazer, ou a expressar-se, de forma característica.  Mas ser é também pertencer a algum lugar, a alguma fé ou a um grupo, seja amigos, família ou povo. Eis aí a força poderosa que dita comportamentos, desperta potencialidades internas do indivíduo e fomenta sua interação com a tribo e interfere mesmo na saúde, na medida em que o indivíduo se realiza como pessoa e expande suas potencialidades.

            Na contramão de tudo isso, temos a indústria cultural, que seduz milhares de pessoas e investe em apenas alguns segmentos, norteada na maioria das vezes por estatais, governos ou lideranças que dada sua ignorância, decretam o que é ou não considerado cultural, baseado muitas vezes em seus pontos de vistas retrógrados ou estreitos. A cultura de um povo reflete sua maneira de pensar e produzir e está em constante mutação. A exemplo da arte a cultura vai se metamorfoseando, novas formas de cultura vão surgindo conforme a busca pelo conhecimento, e renovação das gerações vai se dando. ARTE E CULTURA não são a mesma coisa, mas em nossas conversas frívolas sempre nos surpreendemos colocando as duas juntas em uma mesma gaveta. Ora quando acoplamos arte ao que é dito cultura, podamos da primeira, sua característica de ousadia e inovação. Quando fizemos o contrário somando cultura ao que vemos como arte, resumimos cultura a eventos, shows ou feiras. É preciso alargar nosso olhar, historia, religião, gastronomia e um sem número de outros setores se estende pelas veredas do que compreende a dita cultura.

             E importante também não esquecer que os povos evoluem através de mudanças significativas em sua cultura e as mudanças acontecem rapidamente quando o clima político é de liberdade; caso contrário isso se dá de forma mais demorada, mas essa demora dura apenas mais uma pouquinho, afinal o artista tem seu pensamento livre, e graças aos deuses, capaz de romper os grilhões da intolerância.