terça-feira, 24 de outubro de 2023

Todos em torno do sol - quarto concorrente do Rosário em Cena

 Somos apenas terra e água... ou a alface que preparei.


Elisa Lemos trouxe uma boa supresa para a segunda noite de concorrentes do Rosário em Cena. Bom  teatro, com boas reflexões e um interessante argumento, nos levando pela mão praça à dentro. Lemos, Bigacki, Leopold e Weber nos recebem de uma forma curiosa, em uma clareira, iluminada, ora, pela luz dos "candeeiros" da praça, ora pela luminosidade da lua. As brincadeiras que sugerem vão mesclando leveza e tensão, alegria e dor, desafios e amuamentos, típicos das crianças que todos fomos, somos ou seremos. 

O texto une narrativas confusas as vezes, e ousadas em outras. A plástica que o espetáculo propõe, muito funcionam devido a ótima fotografia escolhida. Há um medo do desconhecido, do novo, do ousado, que faz com a plateia demore um pouco a adentrar de cabeça na proposta. No entanto é maravilhoso que Rosário do Sul em seu festival nos ofereça a possibilidade de outras linhas teatrais. Foi emocionanate ver pessoas que andavam pela praça, irem parando, observando, interessando-se...

Elisa Lemos e Eduarda Bigacki, ou Bogacki, nos prendem por seu olhar, sua energia e sua verdade. Falta é claro, potência vocal, um pouco de tonus , mas nada que não se alcançe com um pouco  mais de estudo e pesquisa. 

Fiquei inspirado, interessado nesse teatro, nessa proposta, nessa discução que o grupo traz. Talvez pudesse haver uma maior interação do grupo/espetáculo com o ambiente. Quando se faz um espetáculo "na rua", propõe-se mudar a paisagem e por tanto adequar o universo ao redor da atuação. Ruídos, passantes, sombras... Tudo passa a ser parte da plástica do meu trabalho e devo adequar-me ou adequá-la. De toda forma, Todos em torno do sol, nos prende, nos interessa e nos atrai. Há um All Star aqui, um sussurro alí, um corpo mole acolá, detalhes que precisam ser melhor solucionados, mas é bom ser testado, ser instigado, ser tirado de sua zona de conforto. 

Ao final senti vontade de voltar para casa e compor um trabalho na rua, no campo, no verd. Obrigado por essa sensação!

A boneca gente no "em ceninha"- Na foto, a estréia de Clara Devi como Professora Cleonice


 

Flicts - Terceiro espetáculo concorrente- Festival Rosário em Cena

 Chega de bullyng...


                                   Escrito em 1969 por Ziraldo, Flicts é um texto extremamente atual, escolhido com sucesso pela Cia. Ateliê da Rua. Todas as cores têm seu lugar ao sol, todos têm um dom e uma importância. Todos têm luz propria! Sobre essa premissa, Elisa Lemos desenvolve sua ideia como diretora e por que não dizer dramaturga, já que a ela coube a adaptação do texto,  que sim, precisa de algumas revisões. As crianças apaixonam-se pelo colorido e pelas situações propostas, palmas para William Follmamn e Douglas Leopold, que como Listrados, adentram o palco levantando a assistência. Destaque ainda à Milena Rubin interpretando com muita presença a personagem Redson e à Elisa Lemos pela exuberante "professora". 

                                     As cenas são curtas, simples, sem muitos desenhos, ou circunlóquios, talvez o mise en scene pudesse ser mais aprofundado e a voz pudesse receber um pouco mais de potência. De toda forma, é maravilhoso ver um grupo de jovens arriscando-se, esforçando-se, batalhando pelo teatro. Colocar algo sobre o palco para ouvir uma banca fazer uma analise, requer humildade e desprendimento. 

                                       Gosto de pensar que um festival de teatro seja como um museu e cada grupo pendura sua tela nas paredes desse museu. Entre os visitantes estão os curadores do museu, a banca de jurdos. A eles cabe observar cada obra, estudá-las e indicar quais irão para os salões de arte. Ora, uma tela é um quadro em branco, onde o diretor deposita seus traços, molda seus atores e ideias. Parabéns ao grupo Ateliê da Rua por nos trazer sua obra e nos darem o privilegio de analisá-la.


Cléber Lorenzoni - crítico teatral


Cama de Gato – Segundo espetáculo concorrente – Festival Rosário em Cena

 

 

Um circo romano...

                      O mundo evoluiu, dizem, mas as plateias, presenciais ou remotas, ainda se deleitam quando alguém tomba na arena e está prestes a ser devorado. Isso ficou muito claro durante a encenação de Cama de Gato, espetáculo concorrente do 22º Rosário em Cena, da cidade de Uruguaiana. João Chimendes foi muito feliz em sua escolha, apesar de esperar ansioso para reassistir Fictícia, sorvi cada detalhe de Cama de Gato e saí satisfeito com cada explosão semiótica que o Grupo propôs.

                      Já de cara, o visual Coca-Cola anos 60 sobre a areia de uma praia imaginaria nos rouba e nos envia direto para o mundo contemporâneo das redes sociais e dos reality shows. Um espetáculo interativo que vai abrindo à participação do público até percebermos em nós os instintos mais básicos do ser humano. A direção é pontual e sabe muito bem o que quer dizer, sabe onde chegar, no entanto os atores pecam pelo volume baixo de suas interpretações. Destaque para Felipe Oliveira, um ator que embora ainda esteja começando, tem um poder químico muito bonito junto à plateia.

                    Dois mil anos atrás, enquanto os romanos assistiam os cristãos morrerem no coliseu, não imaginava-se no que estes mesmos cristãos estariam pensando dentro da arena. Foi Sartre, mais de mil anos depois quem nos revelou que talvez o instinto humano seja mais feroz que a fome dos leões. Os quatro aprisionados, com destaque para Ana Beatriz Fernandes, interpretando a mimada Rita, digladiam-se em busca de poder, e poder concede liberdade, nessa narrativa assinada por João Chimendes e Felipe Oliveira.  O homem, no extremo momento que beira a morte, pensa sim em si mesmo, e aí não há julgamentos, pois é de seu instinto, sobreviver, manter-se em pé até o último segundo. A interpretação de Mayara Serra é eloquente e vivaz, no entanto peca pelo volume inaudível.

                     A iluminação assinada por Carlos Vaz Martins é funcional e a trilha de Victor Boff (não sei se é apenas executor), cumpre-se, embora, pudesse aprimorar-se no suspense. 

                     Talvez por ser uma segunda apresentação apenas, os atores ainda não tenham alcançado o que a direção espera, embora, arraste consigo a multidão de jovens afoitos por uma linguagem moderna, que está presente nas redes.

                     “O homem é o lobo do homem”, uma frase que Thomas Hobbes popularizou, mas que é de Titus Maccius Plautus (254 a.C -184 a.C), resume o que cada um de nós sentiu durante um espetáculo que provou que se ainda não estamos prontos para um beijo humano, não importa o sexo, é por que realmente algo na evolução, deu errado.

                    O espetáculo tem dois finais bem dispostos, falta a direção optar pelo mais útil ao espetáculo, embora essa escolha não interfira diretamente no sucesso dessa obra que nasce e que foi tão bem acolhida pelo Rosário em Cena, após Fictícia não poder ser apresentada.


 Cléber Lorenzoni - Crítico Teatral