sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Petra - Décimo primeiro concorrente - Rosário em Cena

 Durante muitos anos, Stanislavski reinou praticamente solitário no trono mais alto do panteão dos grandes deuses humanos do teatro. Seu teatro naturalista se expandiu e nos "decretou" o que seria o caminho mais correto, durante décadas. Mas o mundo se renova rapidamente e mesmo o teatro, que de certa forma anda devagar já que possui o peso de sua ancestralidade para carregar consigo, viu um homem novo, embasado nas preocupações do século vinte, ir abrindo espaço para novas linguagens, propostas e diálogos. 

O curioso é que o teatro no interior das comarcas e províncias, ainda está em estágio de construção de suas bases. Ainda andamos muito devagar, nossas crianças ainda consomem palhacinhos e animaizinhos falantes e por isso ao crescer, querem ver vilões, mocinhas e casais apaixonados. Algo que a tv e o cinema tentam nos vender a qualquer custo. Há é claro aqueles que nem sabem se e o que querem ver. Porém, o teatro, esse senhor de mais de três mil anos, quer se renovar e quer refletir as turbulências de uma época que deseja consumir com textos e transcender em ações. Estudos, pesquisas, buscas, laboratórios, trazem ao palco uma linguagem que as vezes choca e as vezes toca. Soberana então, quando une ambas as coisas. 

O espetáculo Petra levantou na manhã de sexta-feira, um alto debate que para mim provou que ainda perambula entre nós o tema proposto por Eugênio Barba que se refere às diferenças entre teatro comercial, teatro universitário e teatro de grupo. Ora, o trabalho de Luana Oliveira de Lima, é maravilhoso, e nos chega de uma conclusão experimental universitária, com orientação de Adriana Dal Forno. Durante os trinta minutos de um trabalho forte, físico, passei pelo universo de Dalcroze,  Butô, Artaud... e outros tantos das galáxias que nos cercam. Queria eu entender de onde vinha a linguagem sobre o palco. Talvez por que não conseguisse compreender a dramaturgia proposta. 

Petra, parece uma jovem cheia de pesos, de instintos, de força interna e de desafios a serem percorridos. Impostos esses desafios por quem? Com quais objetivos? Vi sobre o palco, a mulher palestina, a fugitiva israelita, a noviça dentro do convento, a jovem que atravessa o deserto mexicano para entrar nos estados unidos, vi a samaritana junto ao poço, vi inúmeras mulheres. E então percebi que eu apenas poderia ver Luana, viva, intensa, preenchida, submersa. 

Talvez, esse mesmo espetáculo, apresentado na terra, na rua, em arena completa, em uma sala emparedada, nos produzisse mil e uma sensações. Talvez não. Talvez apenas precise ser feito, pois gerará debate, debate necessário que desaguará no teatro de dez ou quinze anos à frente. Pois é o debate, a duvida, o inquietamento e a incerteza, que constroem à próxima arte. 

Saí do teatro com várias sensações, mas a principal, gratidão a atriz sobre o palco que lindamente ao final foi muito gentil em conversar com a plateia. Espero em futuro não tão distante voltar a vê-la atuando.



Cléber Lorenzoni - Crítico teatral

Equipe Grupo Máschara em Rosário do Sul no Em ceninha


 

Um Causo com 100 anos- Décimo Concorrente - Rosário em Cena

 Décimo espetáculo concorrente do Festival Rosário em cena Um causo com 100 anos de sombra,  de autoria de Vicente Fantin e direção de Alberto Chagas,  subiu ao palco do Rosário em cena na quinta-feira, dia 26 e nos propôs uma construção de tipos familiares do autor, nos quais ele se transfigura com sutileza e densidade. A temática é simples, trata  da vida no interior de alguma cidade fictícia ou não de São Paulo, onde um professor resolve fazer uma aula diferente. Sobre o palco uma mesa e sobre a mesa uma sacola que em um primeiro momento não se sabe porque está ali, de onde vão saindo alguns adereços funcionais que ajudam na contação, como o próprio autor disse, dessa história que é muito mais baseada no texto do que na ação propriamente. Vicente é um ator maduro com domínio de palco que poderia ser mais aprofundado através de marcações de maior complexidade.

A iluminação pontua, muito embora seja simples e o texto nos parece monocórdio, não por sua pronúncia,  mas pela repetitividade dos verbos e muitas vezes de repetições desnecessárias para descrever situações que não precisavam talvez ser tão descritas. São 40 minutos, talvez um pouco mais, de um espetáculo formal fechado em si próprio e atrincheirado pela quarta parede que Antoine muito bem edificou no século retrasado. Ainda assim a atuação é voltada para a quarta parede e por vezes nos trata como se fossemos os alunos desse professor cheio de histórias, mas parece que somos invisíveis, afinal não há um convite para que embarquemos na trama.  Paleta de cores coerente, iluminação básica e curva pouco acentuada são características de um trabalho que vem ao Rio grande do Sul trazendo em sua bagagem o modo de se fazer arte de uma região distante e encontra aqui outras formas e olhares o que é a principal característica do Rosário em Cena: Diversidade de ideias. Palmas a Cia. Vifan, que se disponibiliza a vir ao sul e conhecer, aprender e ensinar, nas tantas possibilidades que um teatro oferece.



Cléber Lorenzoni - Crítico Teatral

O Macaco Malandro - nono concorrente - Festival Rosário em Cena

 Sabe o que eu menos gosto no circo? Essa mania  que as pessoas têm de vestirem os animais que nem gente...

                                                                              Mario Quintana

No entanto, vestir as pessoas de animais, pode dar um bom caldo, ou ainda dar a elas, modos e trejeitos animalescos. Esse foi o objetivo da Cia. Vir a ser teatro, no texto de Tatiana Belinky. Vale a pena guardar na agenda o nome desse espetáculo para daqui há alguns meses, quando o espetáculo estiver mais afinado, levarmos nossos filhos e sobrinhos.

Pâmela Wierbitzki está lindissima como dona Raposa, aliás ela e GUstavo Engelmann repetem a dobradinha e preenchem muito bem o palco, lembrando com seus figurinos e trejeitos partiturados para esse espetáculo, um casal novo rico, sulista norte-americano. A roupa me recordou um catálogo da hermes dos anos 1970 que minha mãe me dava para brincar. 

Há um apuro no visual, um acerto, que também leva a assinatura de Engelmann. Se há algum problema no espetáculo, se encontra na quantidade de texto que acaba por deixar monocórdios alguns momentos do espetáculo. A direção no entanto foi muito feliz ao elencar Alexander Ramos para o papel tema do espetáculo. Alexander esteve impagável. Sua entrada em cena simplesmente roubava nossa atenção. Os trejeitos, as formas, o ritmo, a maquiagem e o figurino, tudo colaboraram para que o "Sr. Juiz"da floresta brilhasse. 

Talvez o queijo, pudesse ser mais cênico, talvez os textos todos pudessem fluir melhor, talvez as musicas pudessem ser melhor coreografadas. Talvezx o final devesse ser melhor orquestrado e se o diretor me permite uma dica, acredito que seria ótimo uma oficina de acabamento em roteiro. Gustavo tem ideias ótimas, mas precisa de um terceiro e quato olhos para pontuar coisas que lhe escapam, o que é totalmente natural quando se soma tantas funções como diretor. 

Parabéns a escolha de colocar dois músicos (Débora Borba e Marcos Freire) em cena, acredito que eles pudessem ser nômades pelo teatro, saindo e surgindo em lugares diferentes, mas aí já são palpites... Torçamos pelo sucesso desse belo espetáculo que está nascendo.



Cléber Lorenzoni - crítico teatral