Sempre que podem, nos últimos quatrocentos anos, estudiosos, ensaístas, literatos, ou mesmo artistas, tentam reinventar Shakespeare. Encontrar nessa cascata inesgotável de vida, de pensamento, de filosofia humana, um "algo" ainda não percebido. Stendhal, Samuel Johnson e até, por que não dizer, Gordon Craig. Todos eles, e muitos outros, viram facetas, detalhes, nuances novas. Ontem, após assistir Rei Lear mais uma vez, eu tive uma epifania. O Máschara, ou o Kléber, ou o Grupo, enfim, encontraram uma nova visão bastante simples e óbvia, mas que muitos ainda não enxergaram: Shakespeare é tão humano, que é simples. Mas não é o humano de forma supérflua, ao contrário, ele é profundo, corajoso. Shakespeare está lá, onde poucos ousam penetrar. No pensar!!!
Sobre o palco, sete criaturas, sete dons, sete vidas. Um número importante e significativo, regido por um Lear pantocrator. Ao seu redor: Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno. Esses são os sete corpos celestes, vistos a olho nu pelo homem. Os sete corpos que Lear rege, enxerga de seu trono. Respectivamente esses signos celestes representam a essência de Edgar, os instintos de Cordélia, a energia objetiva de Edmundo, a comunicação do Bobo, a expansão ambiciosa de Regana, a paixão de Goneril, e a responsabilidade de Gloster. Lear tem a percepção do Bem e do Mal, mas se equivoca com a postura dos que o servem. Por isso decide sair desse mundo, decide ficar na tempestade, percebe que o mundo não é mais um bom lugar para viver.
Douglas Maldaner vem mostrando um belo crescimento e desenvolvimento em seu trabalho de ator, mas pode falar mais alto, não baixar seus volumes ao final de cenas. Qual será a postura, ou a energia de um cavalo quando se sente ecoado, como Edgar?
Dos bufos, com seus corpos deformados ou "excêntricos", expondo as deformidades da alma humana, destacam-se Carol Guma e Ana Costa. Essa ultima com uma criação sofisticada e delicada, quando perfiladas, as três filhas de Lear nos dão o colorido exato, da colcha de retalhos que a direção do espetáculo pintou.
O bobo e Tom, interagiram de forma quase poética com Lear, formando belíssimas figuras plásticas pelo palco. Uma pena o cajado do ancião ter rolado pelo precipício em frente ao palco, muito embora, cair do palco dê à cena o clima exato de finitude de poder. A iluminação de Ana Clara Kraemer coroou o palco, enquanto a maldade de Edmundo foi muito bem interpretada por Renato Casagrande.
Rei Lixo vem crescendo, e seu elenco aprece descobrir a cada nova inserção do espetáculo, novos olhares sobre o teatro do bardo. Acredito que Douglas Maldaner ainda possa descobrir novas formas de apresentar a cena de encontro entre pai e filho, lembrando sempre que se trata do protagonista do espetáculo.
A cena final do espetáculo toca pela pompa e circunstancia, tão típicas do jeito de fazer teatro do Máschara. Um obra única, que deve ser revisitada sempre, como uma aula de pronuncia de Shakespeare.
Rei Lixo- Festival Rosário em Cena
Direção e texto- Kléber Lorenzoni
Elenco:
Kléber Lorenzoni,
Renato Casagrande
Douglas Maldaner (*)
Antonia Serquevitio (**)
Junior Lemes (***)
Ana Costa (***)
Kleberson Ben (*)
Carol Guma (**)
Contra Regragem
Ana Kraemer (**)
Roberta Teixeira (**)
DidY Flores (**)
Arte é Vida
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