" ...E entre eles estava Jesus".
E que bom que era assim, pois ao estar dentre eles, provocou-os a mudar. Estando entre eles com suas ideias poéticas, filosóficas e humanas, ele os fez criar um novo olhar para a humanidade.
Entre eles estava o "mestre", e eles assim o chamavam por que sabiam que ele tinha noção do todo, da existência, da morte e da vida. Era por ele que teriam vida eterna...
O projeto Paixão de Cristo do Grupo Teatral Máschara, chegou à sétima edição, e a cada ano eles conseguem nos surpreender dados os objetivos e os desafios que se propõe. Essa Paixão propôs a união de estilos e linguagens, já que reuniu artistas de vários lugares, com múltiplos olhares. Foi sem dúvida um marco na historia do projeto. Ainda que um espetáculo de cunho religioso a ser apresentado na "ágora" das comunidades, dá para ver a tentativa de construir um teatro de comunicação com o universal, que teria um sentido físico de atingir os nervos e a sensibilidade, como numa nova tragédia, mas agora sobre as vestes metafísicas do humor e da poesia, em seus significados essencialmente teatrais. Até por isso o texto se permite liberdades expressivas em determinados novos contextos. A defesa das mulheres, os animais e a valorização da figura de José, são alguns exemplos do poder de um texto nas mãos de um grupo que sabe o que está fazendo. A tragédia mostrada no palco, não é uma surpresa, mas é preciso percebê-la como forma de arte, que continua a ser um meio eficaz de explorar a violência e o sofrimento humano. O teatro contemporâneo utiliza a tragédia para abordar questões sociais, políticas e existenciais, oferecendo diferentes perspectivas sobre a condição humana. O anacronismo do espetáculo permitiu que se falasse do atual sem precisar mencionar o atual.
Quando assisti o espetáculo na noite/tarde de sexta-feira, me propus um retorno aos anos anteriores. Era visível uma entrega diferente, havia uma áurea muito significativa, uma conexão, um jogo de cena fantástico. A entrada do interprete de Jesus pela rua com a pequena Aurora Serquevitio nos braços, deu o tom do espetáculo, pois reflete a capacidade de sempre inovar que a direção propõe, e embora o prólogo um pouco longo tenha nos dado as bases do texto, algumas dúvidas demoraram um pouco para ser sanadas. Ousado em um espetáculo de rua, onde parece difícil atrair a atenção das pessoas, propor um salto temporal. Para o público alguns personagens mais confundiram do que ajudaram, na colcha de retalhos de nomes e parentescos com o personagem principal.
Algumas ideias da dramaturgia são salpicadas, para que a plateia crie a interação entre elas: Um Lázaro que vem visitar Jesus com sua família, um Zebedeu que era pai de dois apóstolos que eram primos de Jesus, Um Anaz que traz talvez a própria esposa para ser apedrejada; Pedro, Judas e Jesus foram amigos na infância? Lorenzoni nos induz a nos perguntarmos coisas o tempo todo, questionarmos aquilo que pensamos saber, e encontrarmos camadas e mais camadas. Realmente são as perguntas que devem mover a existência.
A poética, a linguagem, o corpo, o ritmo, e as figuras, fluíram, embora seja necessário tomar mais cuidado com os extremos dos palcos, para que quem está sentado nos dois cantos da rua, não perca cenas importantes.
O elenco tão diverso, formado por atores, artistas e voluntários iniciantes, captou uma essência muito intensa, formas femininas como Carol Guma, Antonia Serquevitio, MArgarteh Medeiros, Julia das Almas, Ana Clara Kraemer marcaram presença e se destacaram em cenas repletas de intensidade e emoção. Dulce Jorge e Clara Devi interpretaram Maria em momentos distintos na trama. A primeira fecha um ciclo de cinco versões, apelando muito mais para os instintos nessa última. Clara Devi foi altiva, plena, grande em cena... Senti falta porém, da força contrária, o medo da mãe que conhece os mistérios futuros que envolverão a trajetória do menino. Para criar as alegorias, a direção colocou sete pranteadoras: Luisa Ourique, Luisa Kremer, Giovana, Melina Bitencourt, Roberta Teixeira, Ana Costa e Raquel Arigony. Que também junto à outras tiveram a função de coro de Verônica, que surgiu em meio a uma trilha sertaneja junto a um visual que buscou a meu ver, inspiração no cangaço. Parabéns a equipe de figurinos que a cada ano, nos surpreende que um novo olhar sobre os costumes. Ainda no elenco feminino uma interessante promessa, Ana Costa brilhando como a rainha Herodiades, com presença significativa, embora acredito que sua participação pudesse ser maior.
No elenco masculino, grandes revelações somaram-se a velhos conhecidos. Kléber Lorenzoni volta a interpretar Jesus Cristo, com uma maturidade de personagem construído no decorrer de tantos anos. Talvez a cena da ressureição tenha sido prejudicada, e prejudicado o ator, em um momento que precisava de mais força naquele momento. Renato Casagrande, nos dá grandes coadjuvantes e embora seu Herodes conte uma nova nuance dessa existência louca de teatrarca da Judéia, é sem dúvidas, como Zebedeu que nos seduz. Romeu Waier, Pedro Loso, Jesmar Peixoto e Ricardo Fenner estão bem em cena. Talvez pudesse haver mais densidade, pausa e detalhe em algumas construções, mas o conjunto é funcional e trabalha em equilíbrio com novas aquisições. Douglas Maldaner tem força, mas a triangulação com Virgílio Lemes deixou os dois muito equiparados. Talvez se pudesse realçar mais a hierarquia das duas figuras. Aliás, um equivoco o visual de Maldaner com mitra preta, quando me aprece que a linguagem do ano, seria todos as representantes do poder trajarem branco.
Virgílio Lemes é uma grande aquisição, com força e vontade de trabalhar, tem presença e triangula muito bem com os colegas. O interprete de Judas, Anderson Bottega, foi sutil em sua criação, o que trouxe força a personagem. Renan ganhou da direção o desafio de arrematar o epílogo do espetáculo. Ou seja, no prólogo, um José triste e desmotivado diz-nos que não enxerga o menino Jesus como sendo seu, nós então o vemos receber conselhos do profeta Zacarias, para depois de uma hora e meia de peça, encerrar essa historia, nos dizendo que ainda em tempo, Jesus era sim seu filho amado. Rafael Muller, Gustavo dos Santos, Rosber Brandão, Gustavo Ferreira e Didy Flores, se esforçaram muito e deram bons resultados.
No núcleo das crianças, Aurora, Isabela, Valentina, Felipe, Kevin e Ravi, cenas delicadas e um grande crescimento no menino que interpretava o pequeno Jesus.
Nos últimos minutos a atriz Raquel Arigony chegou trazendo suas familiares artistas/voluntários, Henrique Arigony, um querido ex membro do Máschara e Marcel Prates. Ambos agregaram força e energia às cenas.
O espetáculo de mais de noventa minutos de duração, emocionou, cumpriu, tocou. A trilha sonora embora bonita, teve momentos de trocas ríspidas, o que afasta um pouco nosso ouvido. Havia um desenho de luz, funcional. E de onde eu estava, conseguia perceber na plateia, um carinho que era emanado em direção aos artistas, possivelmente por gratidão a um trabalho que é reflexo de uma relação muito bonita entre o Máschara em os cruz-altenses.
Poderia falar muito mais, mas nossas mentes têm um máximo de informações que devem receber, para uma aprofundada e providencial reflexão. Não era apenas teatro, eram várias propostas e emoções, desejos e objetivos misturados. Espero que no que tange ao teatro, cumpra sua função entre os atores.
Arte é Vida
Paixão de Cristo - Entre eles estava Jesus
Direção e Roteiro - Kléber Lorenzoni
Assistência - Renato Casagrande
Figurinos - Renato Casagrande e equipe
Iluminação - Fabio Novello
Sonoplastia - Kleber Lorenzoni, Antonia Serquevito e Estudio B
Produção- kléber Lorenzoni, Carol GUma, Renato Casagrande e Antonia Serquevitio
Elenco:
Anciãos
Kleber Lorenzoni, Dulce Jorge, Renato Casagrande, Ricardo Fenner
Grupo Máschara
Carol Guma (***)
Clara Devi (**)
Antonia Serquevitio (***)
Douglas Maldaner (**)
Romeu Waier (**)
Kleberson Ben (***)
Ana Clara Kraemer (***)
Raquel Arigony (**)
Convidados
Ana Carolina da Rocha Costa
Ana Luísa Kraemer Figueiredo
Anderson Luís Ferraz Bottega
Alessandro Padilha
Aurora Serquevitio Maldaner
Felipe Chaves Brandão
Giovana
Gustavo Ferreira
Gustavo dos Santos Ferreira
Henrique Arigony
Isabela Lemes
Jesmar Pedro Peixoto
Júlia das Almas Moraes
Kevyn Padilha
Luiza Ourique Salgado
Marcel Prates
Marli Christ Guma
Margareth de Fátima Medeiros Araújo
Melina Bittencourt
Pedro Henrique Moraes
Priscila Lemes
Rafael Soares Muller
Raví Dantas Quaresma
Renan Queiros de Oliveira
Roberta da Silva Teixeira
Rosber Culau Brandão
Valdir Tolfo Flores
Valentina Chiesa Lemes
Vergílio Lemes Júnior
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