Resenha crítica do texto: O olho do Ator de Roberto Mallet, transcrito por Fernando Weffort. Por Raquel Arigony Prates
O Mergulho da atriz
“A arte, por estar tão próxima da subjetividade, dos sentimentos, das
sensações, do imaginário... por atingir os recônditos mais secretos do ser
humano, pode facilmente distanciar-se da objetividade, perde-se nas entrelinhas”.
Enquanto plateia, tudo bem, se nos “distraímos”, se
passeamos em devaneios pelos caminhos da subjetividade. Mas enquanto artista -
opa! - há que se preocupar em fazer bem feito, não perder-se do objetivo de seu
trabalho e ter ferramentas concretas e diversas para executá-lo.
Confesso que tenho uma grande queda pelo abstrato e, às
vezes, ouvir ou ler algo que objetiva aquilo que, para mim, é poético - como o
teatro - me incomoda um pouco. No entanto, quando esse texto não perde a
sensibilidade e ainda vem recheado de argumentos e conteúdos tão válidos, aí
esse texto me ganha.
Assim foi com o “O olho do ator”. Saboreei cada palavra,
questionei-me, dialoguei... Em alguns momentos foi como olhar-me no espelho e
sorrir, por exemplo, logo no inicio quando o autor fala do teatro como
contemplação e da construção de um olhar na formação do artista. Construir dá a
possibilidade de nunca acabar, estar em constante processo de crescimento.
Por outros momentos, foi impossível não fazer analogia com
meus estudos da dança. A primeira alusão ao olhar já me remeteu aos filtros com
que vemos o movimento e logo em seguida o autor, de fato, fala em filtro. No
método Laban/Bartenieff de análise do movimento e conexões corporais podemos
observar o movimento humano sob vários filtros e desenvolver habilidades para
observá-lo das formas que não nos são os mais usuais. Observar o gesto inclui o
pré movimento (intencionalidade) e o objetivo (finalidade), além do gesto em si.
É disso que nos fala Mallet quando cita a teoria das quatro causas de
Aristóteles e Stanislavski e sua fala sobre as ações.
Ao ler sobre “colocar-se no lugar do outro” e sobre um
“espetáculo generoso”, instantaneamente veio-me à mente Carl Rogers, que fala
de empatia, emprestar o ego ao outro. O que me assusta no teatro, muitas vezes,
é o ego e a relação entre egos. Ler essas palavras e, também, a palavra amor,
trouxe-me um grande conforto. É possível, e faz parte de ser boa atriz,
alimentar essa busca em mim.
Durante a leitura também houveram momentos de inquietação,
estranheza. Um deles foi quando o autor se referiu ao fato de que o ator não
deve se preocupar em sentir, mas em agir. Ah, logo eu, que amo tanto sentir!
Essa estranheza durou até seu argumento sobre Otelo, “imagina se o ator
sentisse o que Otelo sente”. Compreendi o ponto de vista e concordei em grau,
gênero e numero!
Os questionamentos propostos no texto e outros que foram
surgindo também acompanharam-me durante toda a leitura: “como atriz, preciso
desenvolver que tipo de olhar?” “ qual é nossa matéria de trabalho?”... Qual é
meu objetivo como atriz? Quais os objetivos de meus trabalhos?... E por aí vai.
O que ficou mais forte? Objetivamente falando: um grande
alerta para não divagar, não generalizar e não ficar cego.
Como artista compreendo a importância de ter “duas
sensibilidades”, uma que é mais efêmera, intuitiva, que lê as entrelinhas,
percebe o outro (seja ele publico ou colega). Outra mais “matemática”, que
utiliza literalmente os cinco sentidos para perceber, analisar e tecer o
trabalho da ação teatral/dramática.
Falando em ação dramática, para que essa aconteça, é preciso
olhar além dela, é preciso ver o antes, desde a concepção inicial do trabalho,
passando pelos processos de construção e criação, pelos detalhes práticos e
técnicos para que tudo aconteça (varrer, costurar, som, luz...), pelos colegas
à sua volta (quem são, como estão, como “funcionam”), pelo espaço onde vai
atuar, pelo publico que ali está... e, aí sim, com toda essa “visão
panorâmica”, subir ao palco e fazer seu espetáculo acontecer (momento este que
é apenas a ponta do iceberg). É preciso, também, olhar o depois. O que fica
quando a luz se apaga, as cortinas se fecham e cessam os aplausos?
Não falo aqui de misturar tudo, embaralhar as funções e as
relações. Falo de estar consciente, de estar preenchida de tudo o que envolve
aquele momento de estar em cena, de saber o que nos sustenta, como artistas,
para estar ali, naquele momento.
Para exercitar esse “olhar panorâmico”, que se vê com os
cinco sentidos e mais a intuição, é preciso aproximar-se e distanciar-se, mudar
os pontos de vista, estar aberto, munir-se de ferramentas, sejam elas teóricas
ou práticas. E nesse processo de afinar o olhar, conhecer fora implica conhecer
dentro! É, também, um mergulho de autoconhecimento, de despertar de
consciência.
Como atriz posso escolher a profundidade do meu mergulho.
É um ir e vir constante. Vamos ao fundo e voltamos à
superfície. E cada vez voltamos transformados.
Refletindo um pouco mais, ouso dizer que o ego fica na
superfície e a essência fica nas profundezas. Ficar na superfície pode
tornar-nos cEgos. Ir ao fundo pode aproximar-nos do que existe de mais
verdadeiro em nós e em nosso trabalho.
“El arte no es para “hacer artistas es para sacudir conciencias”
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