Ereda


EREDA, A JUSTICEIRA: 1941


Personagens


HENRIQUE
UM AMIGO
ULRICA, mãe de HENRIQUE e EREDA
WERNER, namorado de EREDA


EREDA
BERTOLD, tio de HENRIQUE e EREDA e amante de ULRICA
UM PASTOR LUTERANO
O  PAI

A ação se passa num quarto de internato protestante; na cozinha da casa de Ulrica, numa região de colonização alemã; no jardim fronteiro à sua casa; no sótão; num  pequeno cemitério, frente à tumba do Pai e, ainda, numa sala da casa paroquial. Esses espaços devem estar indentificados por um mínimo de objetos, que sejam absolutamente imprescindíveis.
Chove durante a maioria das cenas. A chuva só amaina na Cena 2. Não chove nas cenas de memória e na Última.


                                                         Cena Primeira

O quarto de Henrique no seminário luterano, em uma cidade de colonização alemã, no Rio Grande do Sul. Um cabide onde estão penduradas algumas roupas. Sobre uma cadeira, a mala de viagem de Henrique. Há, também, um saco de lona, já fechado. Henrique está terminando de ler uma carta.

HENRIQUE (lendo)
- “... e, por isso, irmão, queria que as tuas férias fossem agora. Que já estivéssemos em dezembro e te visse chegar em casa. O tio está doente e nossa mãe é que comanda o plantio da terra. O tio passa os dias em casa, sentado na varanda. Qualquer esforço lhe faz mal. Há tempos que ele está assim. Leite é a única coisa que.”

AMIGO (à entrada, interrompe a leitura)
- Tinha certeza que estavas acordado.

HENRIQUE
- Entra. É cedo ainda.

AMIGO
- Fazendo as malas?

HENRIQUE
- É, dando um jeito em minhas coisas.

AMIGO
- Posso te ajudar, HENRIQUE?

HENRIQUE
- Estou quase terminando.

AMIGO (percebendo que Henrique guarda a carta)
- Notícia de casa?

HENRIQUE
- São notícias velhas. Estava só relendo. (Passa a ajeitar as roupas do cabide na mala)

AMIGO
- Vais mesmo, então?

HENRIQUE
- Amanhã cedo, pego o trem.

AMIGO
- Tua família já sabe?

HENRIQUE
- Escrevi dizendo que voltava para casa.

AMIGO
- E eles?

HENRIQUE
- Não sei. Ninguém respondeu.
           
AMIGO
- Não te preocupa: eles vão te receber com festa.

HENRIQUE
- Meu tio, não. E nem a minha mãe. Ela queria muito que eu me tomasse pastor.
Desde que meu pai morreu, estou aqui.

AMIGO
- Mas a tua irmã vai ficar feliz.

HENRIQUE
- Disso tenho certeza. (Pausa) – Agora só quero chegar uma vez, rever meu quarto
no sótão, trabalhar a terra.

AMIGO
- Deve ter sido difícil tomar a decisão.

HENRIQUE (silêncio)

AMIGO
- Deixar a escola de teologia, assim, depois de todo esse tempo.

HENRIQUE
- Fico imaginando como estão as coisas em casa: nesta época o trigo já vem brotando.

AMIGO
- E toda esta chuva.

HENRIQUE
- Isso é mau.

AMIGO (depois um tempo)
- Olha, isto é para ti. Uma lembrança minha. (Entrega um estojo longo
para Henrique)

HENRIQUE (toma o estojo  e o olha em silêncio)

AMIGO
- Abre.

HENRIQUE (abre o estojo e retira uma faca de prata)

AMIGO

- Examina a lâmina. Mandei gravar uma dedicatória.

HENRIQUE (lê silenciosamente e sorri)
- Obrigado. (Vai até a mala, procura e retira um crucifixo prata) - Deixo isto para
você.

AMIGO (recebendo o presente)
- Mas não foi teu pai quem te deu? Você mesmo disse.

HENRIQUE
- Meu pai está morto.

AMIGO
- Por isso mesmo. Você não devia se desfazer.

HENRIQUE
- Tenho outras coisas que pertenceram a meu pai.

AMIGO
- Vou usar o crucifixo pendurado ao peito. (Um silêncio) Me acorda
amanhã de manhã. Quero te levar à estação.

HENRIQUE
- Não precisa.

AMIGO
- Vou contigo e ajudo a carregar a bagagem.

HENRIQUE
- Melhor aproveitar o Domingo e dormir um pouco mais.

AMIGO (depois de um tempo)
- Vou sentir a tua falta. Vou ter saudade de nossas caminhadas, os passeios
a beira do no.

HENRIQUE (silêncio)

AMIGO
- Não esquece de me escrever.

HENRIQUE
- Tu também.

AMIGO
- Um dia, quem sabe, voltamos a nos ver. Seria bom.

HENRIQUE
- Sim, seria bom.

AMIGO
- Não queres mesmo que eu vá contigo até a estação?

HENRIQUE
- O trem passa tão cedo. Eu vou sozinho.

AMIGO
- Adeus, HENRIQUE. Boa viagem.

HENRIQUE
- Adeus, até um dia. (Dão-se um aperto de mão. Um silêncio. O
amigo sai. Henrique termina de colocar na mala algumas peças de
roupa. Retoma o estojo e olha a faca. Deixa-a sobre a cadeira. Reinicia
a leitura da carta) - “... O tio passa os dias em casa, sentado na varanda.
Qualquer esforço lhe faz mal. Há tempos que ele está assim. Leite
é a única coisa que o tio suporta. Acho que o tio não vai viver muito
mais tempo. Escreve-me logo que puderes. Da tua irmã, Ereda.”


                                                           Luz apaga



                                                        Cena 2

A cozinha da casa de Ulrica, na mesma noite. Uma longa e tosca mesa, um banco e algumas cadeiras. Uliica de pé, junto à mesa, passa, com um ferro a brasa, um vestido preto. Cães latem, fora. Ela deixa o ferro sobre um descanso e vai até uma janela imaginária. Olha para fora. Um tempo em que procura reconhecer quem está chegando. Vai para a entrada.

ULRICA
- Por aqui, a essas horas? Entra.

WERNER
- Vinha passando, vi luz e resolvi chegar.

ULRICA
- Fizeste bem. Senta.

WERNER
- Eu só queria saber se está tudo em ordem por aqui. Se não precisam de nada.

ULRICA
- Vive-se. Mas, senta.

WERNER
- Tenho pouco tempo. Quero chegar em casa, antes que a chuva
recomece.

ULRICA
- Como tem chovido!

WERNER
- Se não fizer bom tempo agora, pode se perder o trigo.

ULRICA

- Com a plantação perdida, as dívidas.

WERNER (silêncio)

ULRICA
- E agora que estamos sozinhas, Ereda e eu, não sei como daremos conta de tudo.

WERNER

- Tenho pensado nisso.

ULRICA
- Sabe: um homem em casa é feito luz dentro da noite.

WERNER (silêncio)

ULRICA
- Tudo aconteceu tão depressa! Primeiro, aquelas dores. E logo a morte.

WERNER
- Quem podia prever?

ULRICA
- Um homem tão sadio. Se tivéssemos procurado recurso.

WERNER
- Da última vez que falei com ele, eu disse que fosse à cidade. Um bom médico,
quem sabe?

ULRICA (amarga)
- Mas convencer Bertold!


WERNER (depois de um tempo)
- Ereda já está dormindo?

ULRICA
- Ela está no quarto. Vou avisar que chegaste.

WERNER
- Não se incomode. Amanhã falo com ela.

ULRICA (silêncio)

WERNER
- HENRIQUE? Alguma notícia dele?

ULRICA
-  Nada.

WERNER
- Numa hora como esta, seria bom que Henrique estivesse aqui.

ULRICA
- A gente se acostuma a tudo.

WERNER
- Quando ele souber que o tio morreu, vai ficar sentido.

ULRICA (silêncio)

WERNER
- Eu tenho que ir.

ULRICA
- Fica um pouco mais.

WERNER
- Já está ficando tarde.

ULRICA
- Vou chamar Ereda.

WERNER
- Não precisa. Deixa Ereda descansar.

ULRICA
- Eu digo que você esteve aqui. (Leva Werner até a saída. Volta a mesa e retoma
sua tarefa. Um tempo. Ereda vem do interior da casa)

EREDA
- Escutei vozes.

ULRICA
- Wemer veio saber como estamos.

EREDA
- Eu percebi que era ele.

ULRICA
- E ficaste trancada no quarto. Ereda (silêncio)

ULRICA (encarando a filha)
- Eu não te entendo. Vocês dois se conhecem desde criança. Wemer gosta de ti. E eu queria tanto ver vocês casados. Bertold também queria.

EREDA (silêncio)

ULRICA
- Que queres da vida? Mulher não nasce para ficar sozinha.

EREDA (silêncio)

ULRICA (vai para a janela e olha para fora. Volta-se abruptamente)
— O que é que está havendo contigo? A cada dia que passa, mais certeza eu tenho: escondes alguma coisa. Que há? Fala.

EREDA (silêncio)

ULRICA
- Podes ser franca. Se antes tinhas receio do teu tio, agora podes falar.

EREDA
- Por que teria receio de Bertold?

ULRICA (silêncio)

EREDA
- E agora que ele morreu, me diz: que faremos com as coisas que lhe pertenceram?

ULRICA
- Não quero pensar nisso. (Recolhe o vestido recém passado e sai para o interior da casa)

EREDA (só)
- Uma fogueira no meio do campo. Um grande fogo que reduza
a cinza tudo que pertenceu ao tio. Para que nada lembre sua passagem
por aqui.


                                                           Luz apaga



                                                            Cena 3

A cozinha da casa de Ulrica. É cedo, pela manhã, no dia seguinte. Ulrica, de pé,
à mesa, amassa pão numa funda gamela de madeira. Ereda, sentada, escolhe
arroz. Sobre a mesa, os restos do café da manhã.

ULRICA (cobrindo a gamela com um alvo pano)
- Assim. Na volta, aquecemos o forno e assamos o pão.

EREDA
- Se é que ainda resta alguma lenha que não esteja úmida.

ULRICA
- No celeiro, a lenha está seca. (Toma a gamela e sai. Ereda continua absorta na sua tarefa. Ulrica volta secando as mãos no avental) - Começou a chover de novo. Mais forte ainda.

EREDA (ergue o olhar em direção da janela imaginária)

ULRICA
- Temos que comprar alguma coisa no povoado?

EREDA
- Acho que nao.

ULRICA
- Com toda essa chuva, parece até o fim do mundo. O trigo está apodrecendo
e as parreiras tão cedo não podem ser podadas.

EREDA
- Terras baixas não servem para o tngo.

ULRICA
- São as terras que temos.

EREDA
- Mas nem sempre foi assim.

ULRICA (olha pela janela. Com uma certa ansiedade)
-  Não se vê uma risca de céu limpo. Se a chuva continua, não sei
se a ponte do riacho agüenta. Saímos de casa sem saber se podemos voltar.

EREDA (silêncio)

ULRICA
- Se chover o dia inteiro, a água arrasta a ponte.

EREDA (silêncio)

ULRICA
-  Ficaremos ilhadas deste lado.

EREDA
- Sem acesso à estrada.

ULRICA.
- Isoladas.

EREDA
- Tens medo?

ULRICA (silêncio)

EREDA
- Queria que meu irmão estivesse em casa.

ULRICA
- Ouviste o trem passar?

EREDA
- Não ouvi nada.

ULRICA
- Pensei ter escutado, antes de clarear o dia. Mas chovia tanto. E os trovões.

EREDA
- Eu também ouvi.

ULRICA
- E então?

EREDA
- Impressão, apenas.

ULRICA
- Mas, a esta hora, o trem já devia ter passado. Se é que ele está no horário.

EREDA
- Ora, mãe. Com toda essa chuva. Talvez um acidente.

ULRICA
- Que Deus não te ouça!

EREDA (má)
- Quem te ouve falar assim.

ULRICA
- Por favor.

EREDA
- Desculpa.

ULRICA
- Vai te vestir. Está na hora.

EREDA
- Não tenho roupa adequada. Meu vestido preto desbotou.

ULRICA
- E só agora te dás conta disso? Devias ter feito outro vestido.

EREDA (levanta e sai levando a tigela de arroz consigo. Um tempo. Ela volta)
- De qualquer maneira, eu não pretendia sair. Vou ficar esperando o meu irmão. Alguém tem que lhe oferecer um prato de sopa quente quando chegar.

ULRICA
- Tens tanta certeza assim que Henrique volta hoje? Ele te escreveu, não escreveu?

EREDA (como se não tivesse escutado)
- Imagina, voltar agora para casa e não encontrar ninguém. Nem a mãe nem a irmã. Que triste recepção.

ULRICA
- Se a casa estiver fechada, ele vai entender. Saberá que alguma coisa grave
aconteceu.

EREDA
- Não quero alarmar Henrique.

ULRICA
- Teu Irmão não é mais o menino de quem você cuidava.

EREDA
- Mas também não é o pastor que pretendias que ele fosse.

ULRICA
- É isso o que mais me dói.

EREDA
- Falhaste nos teus planos. Em vez de um pastor encarapitado no púlpito, terás teu filho de volta. Arando a terra e comandando o plantio. Teus planos não deram certo.

ULRICA
- Isso te alegra, eu sei. Mas os planos não foram só meus. Foram de teu pai, também.

EREDA
- Queres dividir o teu fracasso com quem já morreu há tanto tempo.
Melhor aceitar o fato: Henrique vem voltando para casa.

ULRICA
- É muito bom que teu Irmão volte para junto de nós. Isso me conforta.

EREDA
- Então concordas comigo: não é justo encontrar fechada a casa paterna quando
se retorna.

ULRICA
- Falas como se Henrique voltasse hoje.

EREDA
- Quem me dera que assim fosse.

ULRICA
- Tudo isso são desculpas. Na verdade, não queres ir ao culto comigo.

EREDA
- Tens razão. Eu não quero ir.

ULRICA (sai para o interior da casa)


                                                           Luz apaga


                                                              Cena 4

Memória de Ereda: o jardim fronteiro à casa de Ulrica. Um banco, Ereda e Werner
estão sentados.

WERNER
- Meu pai perguntou se já tenho noiva.

EREDA
- E tu?

WERNER
- Respondi que não. Mas que estou pensando em casar.

EREDA
- Ainda é muito cedo, Werner.

WERNER
- Já é mais do que tempo.


EREDA
- Era bom esperar um pouco mais.

WERNER
- Meu pai está velho. Não quer morrer sem me ver casado.

EREDA
- Teu pai é um homem forte. Vai viver muito ainda.

WERNER
- A partilha já foi feita. A mim  me coube a melhor terra.

EREDA
- Sempre foste o filho mais amado.

WERNER (retira um pequeno embrulho do bolso. Um tempo)
- Queria tanto te encontrar no baile, ontem.

EREDA
- Não gosto de bailes.

WERNER
- Mas houve um tempo em que gostavas. Dançávamos juntos, os dois. Era bom.

EREDA
- Não tenho por que ir.

WERNER
- Depois que teu pai morreu, não te vejo em festas. Nem te vejo na igreja.

EREDA
- Isso faz alguma diferença?

WERNER
- Faz. Para mim, faz diferença. Fui ontem ao baile pensando em dançar contigo.

EREDA
- Nem sei mais dançar.

WERNER (leve)
- Você volta a aprender. Eu te ensino.

EREDA (silêncio)

WERNER
- Trouxe um presente para ti. (Entrega-lhe o embrulho)

EREDA (desfaz o embrulho: é um leque de cores vivas. Abre-o e o fecha várias vezes, como que o experimentando)
- Obrigada. É muito bonito. Mas tão colorido.

WERNER
- Escolhi o mais alegre para quebrar o teu luto.

EREDA (fecha o leque)

WERNER (levanta, caminha, olha para o céu)
- Que dia tão claro! Não há uma nuvem! Há tempos que não fazia um sol tão bom.

EREDA
- Depois desse inverno gelado, um dia como este é uma bênção.

WERNER
- O frio que fez foi bom para o trigo. Viste como o trigal cresceu bonito, parelho?
Vamos ter uma colheita farta. Como há muito não se tinha.

EREDA
- O frio foi bom para o trigo e ruim para o gado. A geada queimou todo o pasto.

WERNER
- Isto não são terras para silêncio criação. Só para o trigo e o milho. (Um silêncio) - Que devo dizer a meu pai?

EREDA
- De que estás falando?

WERNER
- Falo de nós dois. De nosso casamento.

EREDA (silêncio)

WERNER (vem para junto dela) 
- Falei a meu pai que vinha te ver. Que combinaria o noivado. Porque te amo. Gosto de ti.

EREDA (levanta e se afasta)

WERNER (segue-a)
- Quero que sejas a mãe de meus filhos. (Abraça-a)

EREDA (sem oferecer resistência mas sem retribuir o abraço)
- Fica do meu lado.

WERNER (beija os lábios de Ereda)

EREDA (afastando-se suavemente)
- Me deixa.

WERNER
- Você me disse, certa vez, que gostava de mim.

EREDA
- Era verdade.

WERNER
- E agora?

EREDA
- Não me pergunta.

WERNER
- Eu tenho que saber. Quero ainda hoje falar com teu tio, com a tua mae.

EREDA (depois de um silêncio curto)
- Não te amo. Não amo ninguém. Um dia, quem sabe? Talvez volte a te amar
novamente. Se ainda me quiseres. Mas hoje, não. (Pausa) - Só queria que meu pai fosse vivo. E que o meu irmão voltasse para casa.

WERNER
- Teu pai morreu e Henrique está longe daqui.

EREDA
- Escuto sempre a voz de meu pai murmurando, exigindo de mim o que sozinha não posso fazer.

WERNER
- E por isso me pediste para ficar do teu lado. Pensei que me amavas.

EREDA
- Sim, por isso te pedi ajuda. (Pausa) - Werner, vai embora, me deixa. Esquece quem eu sou. E me desculpa por não poder te amar. Perdoa meu pai se a voz dele ainda ressoa tão alto que me deixa surda para tua voz.


                                                           Luz apaga


                                                            Cena 5

A cozinha. Ulrica vem do interior da casa, trajando outra roupa escura. Traz um xale negro sobre os ombros.

ULRICA
- Não encontro o meu hinário.

EREDA
- Por que não levas o meu? (Sai para o interior da casa. Ulrica vai para a janela e olha para longe. Ereda retorna e deixa o hinário sobre a mesa)

ULRICA (vai para a mesa e apanha o livro. Um tempo)
- Estás resolvida, então? Não vens comigo ao culto?

EREDA
- Não posso, mãe.

ULRICA
- Numa hora dessas, tinhas que estar do meu lado.

EREDA
- Não queres que eu encontre meu irmão na tua ausência.

ULRICA (folheia o hinário como que procurando um determinado hino)
- Esqueci o número daquele hino que diz “Castelo forte é nosso Deus”.

EREDA (silêncio)

ULRICA (insegura)
- Há certos hinos que gostamos mais.

EREDA
- Queres tudo sob teu controle.

ULRICA (fechando o hinário)
- Me diz: recebeste alguma notícia de Henrique?

EREDA
- Sim, recebi.

ULRICA
- E não me falaste nada.

EREDA
- A carta é apenas um bilhete. Diz que deixou o seminário e vem voltando.

ULRICA
- É hoje que ele chega?

EREDA
- Não tem dia certo.

ULRICA (silêncio)

EREDA
- Preparo a charrete?

ULRICA
- Não. Já que vou sozinha, ensilha meu cavalo. (Ereda apanha um guarda-chuva e sai para o pátio. Ulrica volta para a janela)


                                                           Luz apaga



                                                            Cena 6

Memória de Ulrica.
Bertold entra do pátio. Ulrica vai para ele. Abraçam-se. Um tempo.

BERTOLD
- Onde está a tua filha?

ULRICA
- Ereda saiu cedo. Foi até a estação. Despachar umas roupas para Henrique.

BERTOLD
- Então podemos conversar.

ULRICA
- Podemos conversar sempre. A qualquer hora.

BERTOLD
- Com ela por perto, fica mais difícil.

ULRICA
- Na minha casa, sou livre. E você, também.

BERTOLD
- A cada dia que passa, menos ela fala comigo. Ereda mal me olha.

ULRICA
- Te preocupas demais com Ereda.

BERTOLD
- Ela está sempre pelos cantos. À escuta.

ULRICA
- Estás imaginando coisas.

BERTOLD
- Ereda surge da obscuridade e nela desaparece.

ULRICA
- Você enxerga fantasmas onde só existe sombra.

BERTOLD
- Ereda desconfia de nós. Ela sabe.

ULRICA
- Isso pouco importa.

BERTOLD
- Ereda tem certeza de tudo.

ULRICA
- Que a minha filha descubra a verdade, mais cedo ou mais tarde, é inevitável.

BERTOLD
- Seria mais seguro que Ereda nunca soubesse. (Pausa) - Que as melho­res terras não são mais nossas, ela já sabe.

ULRICA (impaciente)
- Mas se eu mesma lhe contei! Para que não soubesse por outros.

BERTOLD (depois de um tempo, abruptamente)
- Temos que afastar tua filha daqui.

ULRICA (silêncio)

BERTOLD
- Aqui não há mais lugar para ela.

ULRICA
- Queres me obrigar a uma decisão difícil. Me dá tempo, Bertold.

BERTOLD (silêncio)

ULRICA
- Te deixas levar pelo medo, perdes a cabeça por nada.

BERTOLD
- Mais dia, menos dia, ele bate à nossa porta.

ULRICA
- Você fareja ameaças por todo lado. Do seminário, Henrique será mandado a uma paróquia distante, sabe-se lá onde.

BERTOLD (silêncio)

ULRICA (dura)
- Não são os meus filhos que te incomodam. É o remorso.

BERTOLD
- Remorso, eu?

ULRICA
- O sangue fugiu de teus lábios e tua voz revela medo.

BERTOLD
- Não tenho medo de coisa alguma.

ULRICA
- Quem te ouve falar, sabe: é remorso.

BERTOLD (silêncio)

ULRICA
- Remorso. Culpa. Quando meu marido morreu, também foi assim. De noite, você escutava seus passos rondando a casa. Em tempo de colheita, você via a mão dele empunhando a foice. Hoje é Ereda. É Henrique. Ouve: meus filhos são meus filhos. Nada podem contra ti. Nem podem me acusar de nada.

BERTOLD (como se não a tivesse escutado)
- Me sinto feito um ladrão. Um ladrão que alta noite invade a casa, mata o chefe e rouba o que ele tem de melhor.

ULRICA (suave)
- E, por acaso, não és um ladrão?

BERTOLD
- Perdemos as melhores terras. Não tinha como evitar.

ULRICA
- Portanto, esquece a culpa.

BERTOLD
- A terra que nos ficou é ruim.

ULRICA
- Com culpa ou sem culpa, continuas um ladrão.

BERTOLD
- Para um ladrão, só resta fugir eu vou-me embora daqui.

ULRICA
- Levas contigo o remorso?

BERTOLD
- Cada silêncio de tua filha, cada palavra, é uma navalha que me corta.

ULRICA
- Bertold, eu estou do teu lado. O ladrão que és, não está sozinho. Tens uma ladra junto de ti, pronta para te acudir. Uma ladra que te ama, que não recua ante nada e que se perde por ti. Uma ladra, uma cadela faminta que comeria os filhotes para te salvar. Confia nesta cadela.

BERTOLD (abraça Ulrica)
- Como pude pensar em te deixar sozinha?

ULRICA
- Agora te reconheço de novo. Juntos, nós dois, já fomos longe.
Pensavas que agora eu te deixaria fugir? (Beijam-se)


                                                           Luz apaga


                                                             Cena 7

Ulrica ainda está frente à janela e tem o hinárío nas mãos.

EREDA (entra do pátio)
- Teu cavalo já está ensilhado.

ULRICA
- Que digo ao pastor’?

EREDA
- Pensa numa desculpa.

ULRICA
- Ele vai perguntar por ti.

EREDA
Eu sei.

ULRICA
- O pastor vai perguntar por que minha filha não veio ao culto.

EREDA
- Tenho ido tão pouco à igreja ultimamente.

ULRICA
- Sim, mas que digo a ele?

EREDA
- Nada.

ULRICA
- O pastor vai achar muito estranho.

EREDA
- Não vejo por que ir.

ULRICA
- Ereda,  houve uma morte em nossa casa, faz apenas sete dias. Foi o teu tio que
morreu. O culto é em sua memória.

EREDA
- Bertold não era meu tio.

ULRICA (depois de um tempo)
- E as pessoas, os vizinhos. Eles vão perguntar por ti.

EREDA
- Deixa que perguntem.

ULRICA
- Que digo a Werner? Ele está te esperando, quer te ver, falar contigo. Ele também vai estranhar tua ausência.


EREDA (passa a recolher as xícaras e a cafeteira. Coloca tudo sobre a tábua do pão e sai. Volta e recolhe o restante dos utensílios. Sua ação é­ rápida, como que para não ouvir a mãe)

ULRICA
- Todos vão comentar. À saída do culto, vão ficar pelos cantos cochi­chando. Serás o assunto na boca de toda esta colônia.

EREDA
- Isso não me assusta. Aliás, nem a ti certas coisas não assustam. Por que devo ir ao culto? Nem casada com Bertold você era.

ULRICA
- Bertold foi teu segundo pai.

EREDA
- Ele era teu amante.

ULRICA (silêncio)

EREDA
Para companheiro, escolheste o pior dos homens.

ULRICA (como se não tivesse ouvido a filha)
- Querias que eu ficasse de luto pelo resto de meus dias?

EREDA
- Queria. Queria, sim. E queria muito mais: que te sepultasses com meu pai. Mas, não. Mal a terra tinha se ajeitado sobre seu corpo, trouxeste o primo dele. Não tiveste tempo, sequer, de trocar os lençóis.

ULRICA
- Ereda, és como eu. Somos iguais. Um dia, vais me entender. (Apanha um guarda-chuva e sai para o pátio. Um tempo em que Ereda vai para a janela e olha. Depois, pega seu guarda-chuva e sai na direção oposta. Um tempo, a cena vazia)


                                                           Luz apaga

                                  
                                                            Cena 8

No campo sob a chuva. Trovões rolam ao longe. Ereda entra com um ramo nas mãos. Chega devagar ao túmulo do pai. Em silencio, deposita o ramo sobre a terra.



EREDA
- Pai, tu que morreste atraiçoado e agora aí estás, sob essa coberta de terra; tu que, na tua simplicidade, acreditaste no amor da esposa e não duvidaste da lealdade dos laços de sangue; tu que, por seres bom e justo, pagaste um duro preço e, ainda assim, tens a memória ultrajada, pai, me escuta. Tenho carregado, em silêncio, este ódio, ódio que me tira o sono de noite e torna meus dias em pesadelo, ódio que irrompe para fora do meu peito e impregna a terra, o ar e as águas à minha volta. Pai, eu me envergonho de não poder suportar sozinha o peso do ato que restaura a pureza destes campos. Pai, dá-me a tua compreensão. Perdoa minha fraqueza e, se os mortos estão em algum lugar de onde podem atender às súplicas, faz deste meu ódio, força. E fecha meus olhos, para que, cega, eu possa armar a minha mão num ato de justiça. Pai, ouve, acorda do teu sono e dá-me um sinal, dá-me a certeza de que. (Interrompe a oração com a chegada de Werner)

WERNER
- Ereda.

EREDA (olha duramente para Werner como que reprovando sua intromissão)
- Que queres?

WERNER
- Vem, vamos para casa. Eu te levo.

EREDA
- Como sabias que eu estava aqui?

WERNER
- Não te encontrei na igreja.

EREDA
- Ainda não disseste por que estás aqui.

WERNER
- Já sabes: quero falar contigo. Te fazer mudar de idéia. Tenho meus planos.

EREDA
- Teus planos não são os meus. Nem poderiam ser: eu não te amo.

WERNER
- Isso não é verdade.

EREDA (silêncio)

WERNER
- Vem comigo. No caminho, conversamos.

EREDA
- Eu vim sozinha. Sozinha, posso voltar. (Vai para ele) - Se ainda me amas, deixa-me. Não sou mais aquela que um dia quiseste, nem sou mais a mulher que te amou certa vez. Quem agora está aqui, na tua frente, é outra. Uma estranha que espera a volta do irmão. Para só então ser feliz. (Ouve-se um trem passar ao longe. Um longo apito. Ereda deixa Werner, segue com o olhar a passagem do trem e sorri)


                                                           Luz apaga



                                                              Cena 9


A cozinha da casa. A cena está vazia. Amainou o ruído da chuva. Ereda entra da direita com uma tábua sobre a qual repousam três pães. Deixa-os sobre a mesa para esfriarem. Ela vai até a janela e olha. Volta para a mesa e mantém-se ocupada. Henrique entra. Traz o saco de viagem sobre o ombro e a mala. Os dois irmãos olham-se mas não sorriem e não têm nenhum gesto de afeto. O silêncio só é rompido por Henrique ao depositar o saco de viagem no chão.

EREDA
- O pão ficou pronto agora mesmo.

HENRIQUE (vai para a mesa e senta, deixando a mala sobre uma cadeira)

EREDA
- Te esperava mais cedo.

HENRIQUE
- O trem atrasou.

EREDA
- Acordei de madrugada e perdi o sono. Queria que esta manhã nasces­se logo.

HENRIQUE
- Também passei a noite em claro. A perspectiva da volta me tirou o sono.

EREDA
- Fizeste boa viagem?

HENRIQUE
- Chove tanto. Houve um deslizamento de terra sobre os trilhos. Eu ansiava por chegar em casa.

EREDA (referindo-se ao pão)
- Come.

HENRIQUE (retira da cintura a faca presenteada pelo amigo e corta uma fatia de pão. Come devagar)

EREDA (sai)


                                                           Luz apaga.


                       
                                                           Cena 10

Memória de Henrique. Na cozinha, mãe e filho.

ULRICA
- Estás pronto para a viagem?

HENRIQUE
- Eu não quero ir. Jamais quis. E o pai sabia disso.

ULRICA
- Mas era teu pai que sempre insistia que fosses para o seminário.

HENRIQUE
- Agora que ele não está mais entre nós, tenho que ficar. Quero ajudar no cultivo da terra.

ULRICA
- Temos que cumprir a vontade de teu pai.

HENRIQUE
- O pai se matou.

ULRICA
 - Nem por isso sua vontade tem menos força.

HENRIQUE
- Vou ter que ficar muito tempo fora. Longe de ti, longe de minha irmã. (Sai)

Ulríca
- Virás para casa durante as férias. Terás o verão inteiro para ficar conosco.

HENRIQUE
- O meu lugar é aqui: não quero deixar estes campos. É aqui que eu sou feliz.

ULRICA
- Já disseste adeus à tua irmã?

HENRIQUE
- Ela se trancou no quarto. Não quer abrir. (Pausa) - Estou decidido, não viajo mais.

ULRICA
- Tua decisão é inútil. Já está tudo pronto. Vai te vestir.

HENRIQUE
- No seminário, vou estar sozinho. Entre gente que não conheço.

ULRICA
- Logo farás amigos.

HENRIQUE
- Mas o tio não vai dar conta do trabalho. Ele precisa de mim.

ULRICA
- Nós vamos contratar um peão.

HENRIQUE (depois de um tempo, com esforço)
- Quero ficar. Vou sentir a tua falta.

ULRICA
- Nós também sentiremos.

HENRIQUE
- Mãe, o meu chão é feito destas serras e vales. Sei todos os atalhos do mato, qualquer árvore me é conhecida. O riacho que corta nossas terras é onde me banho e é nas pedras de sua margem que me deito para secar o corpo. Não quero me separar do que é meu. Aqui vou viver todas as horas de minha vida, aqui quero trabalhar, plantar e colher.

ULRICA
- Serás pastor. E a vontade de teu pai estará feita.

HENRIQUE (amargo)
- Estou sendo expulso. Nem tu, nem o tio me querem aqui.

ULRICA (forte)
- Henrique!

HENRIQUE (precipita-se para o interior da casa)


                                                           Luz apaga


                                                           Cena 11

Ereda retorna. Traz um jarro de leite e uma caneca. Serve.

EREDA
- Cuidado, está quente. (Um tempo em que observa o irmão) - Tanto tempo! De noite, quando os cachorros latiam, eu pensava: é ele. Mas não chegavas nunca.

HENRIQUE
- Receberam minhas cartas?

EREDA
- Algumas.

HENRIQUE
- Escrevi muitas. Mas acabei mandando poucas. De que adiantava me queixar? O tio nunca permitiria que eu deixasse o seminário. Nem a mãe.

EREDA (olha amorosamente o irmão)
- Agora estás livre.

HENRIQUE
- Parecia que o tempo tinha parado.

EREDA
- Tudo ficou parado enquanto estiveste fora.

HENRIQUE
- Já estás noiva de Werner?

EREDA
- Não. Como te trataram na escola?

 HENRIQUE
- A disciplina é dura. Sentia tanta falta da casa e dos campos. O mato, a plantação, os meus cães. Sonhava com a minha cama no sótão. Queria estar aqui, perto de ti e da mãe.

EREDA
- Se a minha opinião tivesse algum valor nesta casa, nunca terias partido. (Mudando de tom) - Que bonita a tua faca. É prata?

HENRIQUE
- Ganhei do único amigo que tive no seminário.

EREDA (toma a faca e a examina)

HENRIQUE
- Ele mandou gravar uma dedicatória na lâmina.

EREDA (lê em silêncio o texto gravado, sorri, e deixa a faca sobre a mesa)

HENRIQUE (estende a caneca. Ereda serve mais leite)
- Onde está a mãe?

EREDA
- Ela foi ao culto.

HENRIQUE
- Com todo este tempo?

EREDA
- Ela tinha que ir. É um culto de sétimo dia.

HENRIQUE?
- Quem morreu?

EREDA
- Nosso tio.

HENRIQUE
- Bertold? Como foi?

EREDA
- Te contei na última carta: nosso tio andava doente. nem traba­lhava mais. Certa noite, acordei com a mãe chamando. Quando cheguei, o tio agonizava.

HENRIQUE (depois de um silêncio)
-Como está a nossa mãe?

EREDA
- Triste.

HENRIQUE
- Ela sofre muito?

EREDA
- Não sei. Se sofre, não demonstra. Ela quase não fala sobre a morte do nosso tio.

HENRIQUE (depois de um silêncio)
- Quando vinha para casa, passei pelo campo de centeio. Uma des­graça.

EREDA
-Tem chovido demais.

HENRIQUE
- Até a noite, o riacho transborda.

EREDA
- A água já invadiu as terras mais baixas. A natureza está raivosa. Parece que tem ódio.

HENRIQUE
- Depois das primeiras geadas, voltamos a plantar. Em terras mais altas. Para os lados de cima do riacho.

EREDA
- Não há mais terras altas. O nosso tio esbanjou o que podia. Ficamos com muito pouco. Quase nada.


                                                           Luz apaga


                                                           Cena 12

Sala na casa paroquial. Duas cadeiras. Na parede do fundo, uma cruz de madeira. Ulrica e o Pastor estão sentados, frente a frente.

ULRICA
- Obrigada, Pastor, pela consolação de suas palavras.

PASTOR
- Não agradeça, Ulrica.

ULRICA
- Quero pedir, também, que desculpe meus filhos.

PASTOR
- Por não terem vindo ao culto?

ULRICA
- Sim.

PASTOR.
- Esqueça. Não se atormente.

ULRICA (como se não o tivesse escutado)
- Nem Ereda, nem Henrique. Ele afinal, está longe. Mas ela.

PASTOR
- Como está Henrique?

ULRICA
- Parece que está querendo deixar a escola de teologia.

PASTOR (silêncio. Passa a limpar seu cachimbo)

ULRICA (levanta)
- Tinha a esperança de ver meu filho no púlpito, um dia. Mas, agora.

PASTOR
- Quando estamos no seminário, mais de uma vez a dúvida nos assalta. Nem ao nosso orientador confessamos a verdade. Nem a nós mesmos. Escamoteamos o fato. Comigo, também, foi assim. E, de repente, faz-se a luz. A dúvida cede lugar à certeza de que escolhemos o melhor caminho.

ULRICA
- Alguma coisa dentro de mim me avisa: ele vem voltando.

PASTOR
- Talvez seja melhor assim.

ULRICA (levanta e se afasta)

PASTOR
- Com Henrique em casa, você vai estar menos só. É bom para você e para Ereda.

ULRICA (forte e abruptamente)
- Não quero que meu filho volte.

PASTOR
- Por que diz isso, Ulrica?

ULRICA
- Henrique não deve voltar.

PASTOR
- Mas se ele está deixando a escola.

ULRICA
- O senhor não entende. Nem o senhor, nem ninguém. O senhor deve estar se perguntando que mãe é esta que quer o filho longe da casa paterna, que não suporta a idéia de ter os filhos reunidos à sua volta e que, mesmo assim, não pode continuar sozinha.

PASTOR (silêncio)

ULRICA
- Se Henrique voltar, eu tenho que sumir.


PASTOR (com leve censura)
- Ele é teu filho, Ulrica!

ULRICA (para si)
- É inútil, não consigo me fazer entender.

PASTOR
- Uma casa precisa de um chefe. Henrique será o chefe.

ULRICA
- Henrique e Ereda vão tomar conta do que ainda nos resta.

PASTOR
- Será melhor assim. Você já fez muito. Deixe agora para os filhos a tarefa de fazer render a terra. Alegre-se, chegou o tempo de você descansar.


                                                           Luz apaga


                                                           Cena 13

A cozinha da casa de Ulrica. Há uma tina de banho, num segundo plano.

EREDA
- Fomos duplamente traídos, Henrique. O pai foi arrancado de nossas vidas e as melhores terras passaram para outras mãos.

HENRIQUE
- Falas tanto, dizes tanta coisa. Misturas tudo. Não te entendo.

EREDA
- Passaste longe de nós esse tempo todo. Foi muito tempo. E as tuas férias eram sempre tão curtas.

HENRIQUE
- Quando a mãe chegar, vou pedir que me explique.

EREDA
- Ela vai negar tudo.

HENRIQUE
- Que posso fazer, então?

EREDA
- Acredita em mim e me ajuda.

HENRIQUE
- Me explica melhor os fatos.

EREDA
- Na noite em que morreu nosso pai, estávamos no sótão, tu e eu. Você tinha febre, dormia um sono agitado. Alta noite, acordei. Percebi que era nosso pai que chegava dos campos. Ele pediu que a mãe providenciasse água quente. No sótão, deitei de bruços sobre o chão. Por uma fresta entre as tábuas, vi o pai tirando as botas e a camisa. Depois, a roupa toda. Ah, o corpo de nosso pai: as fortes pernas, o desenho das virilhas, o peito. (A luz diminui sobre Ereda. Ela deita sobre o chão e espia por uma fresta. Num outro plano, Ulrica envolta num grande xale. Ao seu lado, Bertold. Henrique, agora, é pai. Ele tira a roupa devagar e entra na tina para banhar-se)

BERTOLD
- O teu marido. Receio que ele já saiba sobre nós.

ULRICA
- Ele suspeita mas não tem provas.

BERTOLD
- Temos que agir, antes que ele descubra.

ULRICA
- Há dias que não durmo, não fecho os olhos querendo encontrar uma solução.

BERTOLD (depois de um silêncio)
- Você teria coragem?

ULRICA
- Me perguntas porque estás indeciso.

BERTOLD
-Terias coragem?

ULRICA
- Tenho tudo planejado.

BERTOLD
- Chegarias a tanto?

ULRICA
- Este é o momento.

BERTOLD
- E as crianças?

ULRICA
- Estão no sótão.

BERTOLD
- Dormem?

ULRICA
- Sim. A esta hora devem estar em sono profundo.

BERTOLD
- E se acordarem?

ULRICA
- Se agirmos em silêncio, não acordam.

BERTOLD
- E se ele reage, se grita?

ULRICA
- Esse é o risco que corremos. Temos que evitar qualquer barulho.

BERTOLD
- Mas e se as crianças descerem?

ULRICA
- Não me amas.

BERTOLD (silêncio)

ULRICA
- Que amor é esse teu que silencia ante a primeira prova?

BERTOLD (silêncio)

ULRICA
- Está bem, não fala. Sei que tens medo.

BERTOLD
- Me provocas por ninharias.

ULRICA
- Pensa: depois ninguém mais se levantará entre nós dois. Serei livre.

BERTOLD
- Mas os teus filhos estão lá em cima.

ULRICA
- Estão trancados. E se isso não é o bastante para te convencer sobe. Experimenta a porta do sótão.

O PAI (chama)
- Ulrica!

ULRICA (olha na direção de onde o marido chamou)

O PAI (chama)
- Ulrica!

ULRICA (para Bertold)
- Tenho que ir.

BERTOLD (vago)
- Como eu queria estar longe daqui.

ULRICA
- Vens comigo?

BERTOLD
- Que tudo aconteça depressa, que o dia amanheça mais cedo. (Ulrica lhe entrega uma corda e entra no plano onde o pai se banha. Bertold a segue. Param às costas do pai. Ulrica retira o xale dos ombros e joga-o, feito uma rede, sobre o marido, envolvendo-lhe a cabeça. Bertold avança e o estrangula com a corda. No sótão, Ereda põe-se de joelhos. Vai gritar mas abafa o grito com as mãos. Um tempo. O corpo do pai aderna para fora do banheira)

.

                                                  Luz apaga



                                                   Cena 14

A sala na casa paroquial.

ULRICA
- Sinto medo.

PASTOR
- Os mortos não voltam. Dormem para sempre no seio do tempo.

ULRICA
- Primeiro, foi meu marido. Agora, Bertold. A morte mora comigo.

PASTOR
- Você fala como quem tem medo. Por quê?

ULRICA
- A morte entrou na minha casa, agarrou-se nas tábuas do chão só vai partir quando me arrastar consigo.

PASTOR
- A morte não habita em lugar nenhum. Ela chega sorrateiramente se adona de alguém e parte em seguida.

ULRICA
- Como uma ladra.

PASTOR
- Sim, igual a uma ladra. Uma ladra que a todos desafia. E nos rouba o que temos de mais precioso.

ULRICA (alheando-se)
- Procuro, tento rezar. Mas as palavras me fogem, as idéias se embaralham.

PASTOR
- A oração brota na quietude. Mas você está inquieta.

ULRICA
- São essas mortes que me tiram o sossego. Pastor preciso acostumar-se com elas.

ULRICA
- Mas a minha filha. A presença dela é uma sombra.

PASTOR
- Você fala de Ereda como quem se refere a um inimigo.

ULRICA
- A morte deixou uma herdeira em minha casa. (Com dificuldade) - Tenho medo de minha filha.

PASTOR (silêncio)

ULRICA
- A força de Ereda e o retorno de Henrique. Não sei como resistir.

PASTOR
- É preciso dar tempo ao tempo. Também Deus precisa de tempo. É assim que se curam as mazelas do homem.

ULRICA
- Mas até quando terei de esperar?

PASTOR
- No caminho para casa, visita a tumba de teu marido.

ULRICA
- Eu estava pensando nisso. Levarei flores para Bertold.

PASTOR
- Não estou falando de Bertold. Me refiro a teu marido, ao pai de teus filhos. Passa no campo onde ele está de sua tumba. Essa tua inquietude vai ceder. Vai dar luz à paz.

ULRICA (um tempo)
- Se eu tivesse coragem, saía a caminhar, a caminhar, a me perder num banhado. E que aquela água parada me tragasse, me engolisse inteira. Que sobrasse nada de mim, que o esquecimento me cobrisse para sempre.

PASTOR (silêncio)

ULRICA
- Está ficando tarde. Eu tenho que ir, adeus.
                                              

                                                           Luz apaga



                                                           Cena 15

A cozinha da casa de Ulrica. Henrique banha-se na tina. Ereda está de pé, frente à janela, de costas para o irmão.

EREDA
- Eu fui a única testemunha do crime.

HENRIQUE (silêncio)

EREDA
- Agora já sabes todo o horror daquela noite.

HENRIQUE
- Se continuas com mentiras, vais provocar o meu ódio.

EREDA
- Em quem podes acreditar se não for em mim?

HENRIQUE
- Se tudo isso fosse verdade, terias me falado antes.

EREDA
Faltou-me coragem.

HENRIQUE
- Mas hoje tiveste.

EREDA
- Por isto me sinto aliviada: dividi contigo este peso. (Um tempo. Henrique olha a irmã em silêncio) - Os dois tramaram a morte de nosso pai. E como caça de pouco valor, os dois o trucidaram. Acabou-se a sua bela carne, caíram sem força suas boas mãos, fechou-se para sempre aquela boca de onde nunca ouvimos, nem tu, nem eu, nenhuma palavra de reprovação.

HENRIQUE
- O pai enforcou-se no celeiro, é isso o que me contaram. Não posso acreditar no que me revelas.

EREDA
- Estou sozinha, então. Como na noite da execução, estou só.

HENRIQUE
- Não suportas a nossa mãe. Queres que ela parta, que fique longe daqui.

EREDA
- Quero mais do que isso. Quero que se faça justiça.

HENRIQUE
- Nossa mãe nunca chegaria ao crime.

EREDA
- Homem nenhum sobre a terra conhece as mulheres.

HENRIQUE
- Então me diz: por que guardaste segredo por tanto tempo?

EREDA
- Eras um menino ainda. Como confiar tanto horror a uma criança?

HENRIQUE
- E nosso tio?

EREDA (vai para a tina e passa a lavar-lhe as costas)
- Com o amante de nossa mãe, eu pude sozinha. Catando as ervas mais perigosas, fervendo bolotas e espinhos venenosos no leite que ele bebia, fui acabando com Bertold. (Pausa) - Mas com ela, não posso.

HENRIQUE (silêncio)

EREDA
- Preciso de ti.

HENRIQUE
- Nada vai nos devolver a terra perdida.

EREDA
- Palmo a palmo, ao correr dos anos, teremos nossa terra de volta. Mas mais do que a terra, importa é o pai roubado de nosso convívio.

HENRIQUE
- Quanto a isso, nada podemos fazer.

EREDA (suspende a lavagem e passa a acariciar os cabelos de Henrique)

HENRIQUE (depois de um tempo)
- Temos que deixar este lugar. Nós dois, juntos. Deixamos a mãe aqui com seus dois mortos.

EREDA
- Um dos mortos é nosso pai. Impossível abandoná-lo para sempre.

HENRIQUE
- Ficaremos e entregamos a mãe à justiça.

EREDA
- A justiça não existe.

HENRIQUE (silêncio)

EREDA (voltando a lavar-lhe as costas)
- Só nós podemos cobrar-lhe o ato traiçoeiro.

HENRIQUE
- Me diz: de onde tirar a coragem necessária?

EREDA
- Me perguntas o que não sei te responder.

HENRIQUE
- Melhor abandonar os teus planos.

EREDA
- Morrerei com eles.

HENRIQUE
- Ainda há pouco, disseste que a justiça não existe.

EREDA
- Por isso, cabe a nós, e a ninguém mais, punir a nossa mãe.

HENRIQUE (depois de um tempo)
- Mataste o amante dela. Isso não te basta?

EREDA
- Bertold já pagou. Um preço barato pelo crime praticado. Mas ela está livre. Para nos humilhar com a sua presença. Para rir de nossa impotência. E, pior do que tudo, amanhã ou depois temos um estranho por aqui dando ordens novamente, te obrigando a deixar a casa paterna e me fazendo casar com quem não amo. Assim, se livrarão de nós.

HENRIQUE (silêncio)

EREDA
- Quem mata o marido com tanta fúria, não recua ante mais nada. Nem ante os próprios filhos.

HENRIQUE (ergue-se da tina)
- Temos que afastar nossa mãe de perto de nós.

EREDA (apanha uma toalha que está sobre uma cadeira)

HENRIQUE
- Afastá-la para longe e para sempre.

EREDA (envolve o irmão com a toalha)
- Não existe outro caminho. E depois, trabalhar, trabalhar, tentar reaver o que já foi nosso e ficar em paz com a memória de nosso pai.


                                                           Luz apaga



                                                           Cena 16

No campo, sob a chuva. Ulrica de pé, frente ao sepulcro do marido.


ULRICA
- Desde a noite em que a morte te levou, esta é a segunda vez que aqui venho. Da primeira, para mostrar uma dor inexistente, mentira necessária pois os costumes assim o pedem. Hoje estou de novo à tua frente. Não te trago flores nem lágrimas. Se te trouxesse meu pranto, logo saberias que ele não te pertence. Como também sempre soubeste que meu amor era de outro. Não venho para pedir-te nada. Venho para falar, como se fala quando se está sozinha. Tens a desvan­tagem dos mortos: se escutas aqueles que te amaram, não tens como negar teu ouvido àqueles que te viram com indiferença. Aproveito o silêncio de teus ossos para falar de meus filhos, daqueles que nasceram de nós dois. Henrique me ameaça com sua volta e Ereda solta a sua língua contra mim. Ela me acusa de tua morte. Injustamente me lança em rosto a responsabilidade por tua destruição. Ah, que crime pode haver no ato de uma mulher livrar-se de um fardo odioso, porque é carga de peso insuportável o casamento sem amor. Eu nunca te amei. Jamais soube o que era prazer enquanto estiveste a meu lado. Amei outro. E, ao amar esse outro, deixaste de existir para mim. Ainda vivias e já estavas morto. Se o meu ato não teve a decência da justiça dos homens, foi através dele que conheci a plenitude da paixão. Hoje eu não hesitaria em repetir o gesto. Te entregando à morte, escolhi a vida. (Sai)


                                                           Luz apaga


                                                             Cena 17

A cozinha da casa de Ulríca. A tina, o saco de viagem e a mala foram retirados. Sobre a mesa, a faca de Henrique e os pães. As cores do crepúsculo invadem a cena. Ereda serze meias de lã. Ulrica entra do pátio, tira o xale e deixa-o sobre uma cadeira.

ULRICA (para Ereda)
- Faz mais frio agora e a chuva é apenas uma neblina gelada.

EREDA
- O tempo melhorou, eu sei. Ouvi o canto dos pássaros.

ULRICA
- Me alcança um par de meias. Estou com os pés frios, os sapatos encharcados. (Senta, tira os sapatos e calça as meias que Ereda lhe oferece) Estas meias são de Henrique.

EREDA
- Estavam puídas no calcanhar.

ULRICA
- Temos café quente?

EREDA
- Tem um bule cheio no fogão.

ULRICA
- Me dá um pouco.

EREDA (levanta e sai. Retorna com um bule de café e uma xícara que deixa sobre a mesa. Ela retoma a sua tarefa. Ulrica serve-se de café e toma uns goles)

ULRICA
- Nunca senti tanto frio. A chuva me apanhou o tempo todo, desde que saí de casa até chegar ao povoado. A estrada está um lodo só e agora, ao voltar, mal eu havia cruzado a ponte sobre o riacho, ela desabou. Ficaram apenas os caibros. As tábuas rolaram água abaixo.

EREDA
- Então ficamos sem acesso à estrada.

ULRICA
- Se Henrique voltar amanhã, não sei se consegue chegar até aqui.

EREDA
- Temos que refazer a ponte o quanto antes.

ULRICA
- Assim que a água baixar. (Levanta, pega a xícara e o bule) - Pergun­taram por ti, na igreja. (Sai)

EREDA (silêncio)

ULRICA (de fora)
- O pastor ficou surpreso com tua ausência. Inventei uma desculpa. Werner também perguntou. Ele quer muito falar contigo. (Ela volta)

EREDA (silêncio)

ULRICA
- Me prometeu que vem te ver.

EREDA
- Já nos encontramos hoje.

ULRICA
- Por isso não o vi à saída do culto.

EREDA
- Não vamos mais nos encontrar.

ULRICA
- Conseguiste afastar de vez o rapaz.

EREDA
- Sim. Ele não mais cruzará o limite de nosso campo.

ULRICA
- Tiveste essa coragem! Uma pena. Acho que está em tempo de te casares.

EREDA
- Isso eu decido com meu irmão.

ULRICA
- Esperas demais de Henrique. Se teu pai fosse vivo, nem a ele poderias entregar o teu futuro. Já tens idade para decidir a tua vida.

EREDA
- Desde a morte do meu pai, tenho estado sozinha. Sozinha tomei as decisões mais difíceis. Agora não posso mais.

ULRICA
- Pois que teu irmão volte o quanto antes. Hoje ainda. Que ele consiga cruzar o riacho e chegue em casa de uma vez.

EREDA
- Fica tranqüila. Não estamos mais sozinhas.

ULRICA (surpresa e aturdida, senta)
-  Ele já chegou? (Apóia a mão sobre a mesa e toca a faca. Apanha-a e a examina)

EREDA
- Henrique voltou enquanto estavas no culto.

ULRICA (levanta ainda segurando a faca)

EREDA
- Está agora no teu quarto. Deitou-se um pouco para descansar.

ULRICA
- O lugar dele é lá em cima.

EREDA
- Faz muito frio no sótão. E que mal existe em teu filho descansar na tua cama?

ULRICA (deixa cair a faca e vai em direção do interior da casa, mas pára quando Ereda fala)

EREDA
- A cama é larga. Teu amante coube nela.

ULRICA (volta)
- Não consigo falar contigo. Mal posso te escutar. Qualquer palavra tua tem o corte de uma faca. Estás possessa. Alguma coisa ruim se adonou de tua alma.

EREDA
- Se a justiça é um demônio, então estou possessa.

ULRICA
- Agora vejo tudo claro: Bertold morreu por tuas mãos.

EREDA
- Ele foi teu braço direito no assassinato de meu pai.

ULRICA (com voz rouca, chama)
- Henrique!

EREDA
- Pára, não assusta meu irmão!

ULRICA (precipita-se para o interior da casa)
- Henrique! Henrique!


                                                           Luz apaga



                                                         Última Cena

É noite. Ereda, ao centro da cozinha, como que à espera. Do interior da casa, chega Henrique ainda envolto na toalha de banho. Ele traz consigo um travesseiro.

EREDA (ao pressentir a entrada do irmão, vai para a janela)
- A chuva parou. O céu está claro.

HENRIQUE (deixa cair o travesseiro e deita-se sobre a mesa, as pernas apoiadas no assoalho)

EREDA
- O tempo melhorando, voltamos a plantar.

HENRIQUE
- A nossa mãe está no quarto. Caída junto da cama.

EREDA
- Esta noite vai gear. Amanhã, os campos vão estar brancos.

HENRIQUE
- Eu sufoquei a mãe. (Volta o rosto para a platéia e olha fixamente um ponto vago)

EREDA
- Na primeira lua nova, podaremos a videira.

HENRIQUE (silêncio)

EREDA (indo para o irmão)
- O sol se mostrou um pouco no fim da tarde. Uma luz branca e limpa.

HENRIQUE
- De onde tirei a força?

EREDA (vai para ele)
- Somos mais fortes agora.

HENRIQUE (examinando as próprias mãos)
- Que mãos são estas?

EREDA.
- Mãos simples e justiceiras.

HENRIQUE
- Quem me dera ter nascido sem elas.

EREDA
- Esquece tuas mãos.

HENRIQUE
- Me deixa morrer.

EREDA.
- Não posso. Já te perdi antes. O tempo que ficaste fora, não tenho como recuperar.

HENRIQUE (soergue-se e a olha no rosto)
- Ela não gritou. Olhou-me, apenas. Foi como se eu me visse a mim mesmo num espelho, matando a mim próprio.

EREDA (toma-lhe as mãos entre as suas e leva-as à face)

HENRIQUE
- Eu queria estar morto.

EREDA
- Mas vives. (Deixa as mãos de Henrique) - Quem arranca a nódoa da memória do pai tem que permanecer vivo. Esse é o prêmio.

HENRIQUE
- O olhar de nossa mãe vai me assombrar vida a fora.

EREDA (afasta-se da mesa)
- Continuas a criança que sempre foste. Então não vês que, assim pensando, mesmo não querendo, me abandonas?

HENRIQUE
- Eu não posso mais viver.

EREDA
- O homem que faz justiça não pode morrer nem precisa de absolvição.

HENRIQUE
- Ereda, para onde posso fugir? Em que lugar me esconder?

EREDA (vem para ele, coloca-se entre as pernas de Henrique)
- Para que fugir se estás livre? Agora nem ela nem ninguém podem se levantar entre nós e o que nos restou destas terras. Estamos liberados e juntos. Amarrados um ao outro, enquanto a vida durar. (Ele agora está sentado. Ela encosta a cabeça no peito do irmão e ele passa a acariciar-lhe o cabelo)
e
                                                           Luz apaga

                                                                      

FIM



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