1254- O Incidente - (tomo 93)

            

               A morte caiu bem... ao 86º Cena às 7

               Quando eu voltei ao hall da Casa de Cultura, após o término do Espetáculo de domingo à noite, fiquei caminhando lentamente por trás do público, procurando analisar como aqueles artistas que eu havia acabado de ver, desfigurados sobre o palco, se portavam quando despidos das personas que habitaram há pouco. Surpreenderam-me os intérpretes de Dr.Cícero e Dona Quitéria, ao observá-los percebe-se o quanto a postura do primeiro se transforma totalmente e o quanto, sem a menor sombra de dúvida, a segunda deve fazer um esforço corporal para se conter em cena, já que é bastante extrovertida fora do palco. Claro que todos os atores e atrizes estão de parabéns e há esforços e sacrifícios que não vemos a olho nu. No entanto, aprecio atores que se transformam fisicamente, que fazem buscas para praticamente encobrir sua existência física, e dar vida àquele corpo que vemos em cena.

                 O Incidente foi um verdadeiro libelo à hipocrisia, à falsa moral, ao preconceito, a passividade e ao conformismo social, a desigualdade social e à exploração. Cinquenta e sete minutos da realidade brasileira exposta, aberta e gangrenada literalmente. Embora haja muitos risos e muitos choques, muitas surpresas e mesmo admiração pelo visual, pela escatologia ou pela forma impostada das atuações, o âmago chegou e chegou muito bem. 

              Os paradigmas implantados por Aristóteles estavam presentes: catarse, unidade de ação e princípios da tragédia. A verdade emocional dos atores proposta por Stanislavsky. Brecht pregava que espetáculos tinham que provocar reflexão e não apenas emocionar. Pois bem, havia muita reflexão no espetáculo em questão. A proposta visceral e sensorial de Artaud também se fez presente. Era pobre, a modo de Grotowski, sem cenários ou grandes figurinos, para focar no trabalho físico, emocional e vocal dos atores. E não por falta de verba, ou descuido, mas por proposta da direção. Um teatro como ferramenta política como em Boal. Usando tradição e experimentação, como propõe Peter Brook e o corpo como máquina expressiva, na proposta de Meyerhold. E ainda o artista como intérprete completo, como gostava Sarah Bernhardt. Ou seja, um espetáculo com todas essas possibilidades e buscas, só pode ser aplaudido como um exemplo de profissionalismo e respeito contemporaneamente estético. 

                        É louvável, fazer um comparativo com o Máschara de 1992. Ver três capacidades, que para mim, são premissas de um trabalho de excelência: 1º Os espetáculos do Máschara estreiam prontos, como um apuro pontual. 2º Há uma unidade de interpretação em cena, onde todos parecem ter a mesma bagagem teatral. 3º O valor estético vem crescendo a cada novo trabalho. 

                         Incidente é um dos únicos espetáculos de Lorenzoni e do Máschara, que não se curva ao formato proposto pela releitura dada pela companhia, ao método do "pai russo", não consigo eu mesma perceber uma linha técnica pré estabelecida, no formato da roteirização ou dramaturgia. Por isso mesmo, é bastante ousado, não ter praticamente nenhuma carta na manga, entregar logo na primeira cena, todo o "ouro". Ainda assim, funciona. Incrivelmente eles seguem até o final com uma curva bem acentuada, coroada pelo solilóquio de Renato Casagrande. 

                         Incidente em Antares, é um espetáculo maduro, completo, intenso, bonito. O mérito é muito dos artistas há mais tempo envolvidos, mas parabenizo muitos os jovens atores que se somaram e conseguiram equilibrar suas atuações. Clara Devi, Antônia Serquevitio, Junior Lemes e Carol Guma.

                                   Clara Devi conseguiu ser colocada a serviço, com sua cena de "filha" da matriarca Campo Largo, fez tudo direitinho e até se destacou, mas é importante pensar bem no quanto a ausência de parentes, ou amigos dos "mortos", os posiciona em um distanciamento necessário com o público. 

                                    Uma iluminação desfalcada pela falta de estrutura, mas ainda assim bem aproveitada, musicas novas, cheias de simbologia, propondo recurso aos atores...

                             Na contra-regragem, surpresas, a direção vem propondo desafios que apesar de esfalfarem os jovens iniciantes, os preparam para a vida profissional. Um trabalho que orgulha mesmo os baluartes, como Dulce Jorge, fora de cena, mas encantada enquanto assiste. 


O Melhor: Incidente, ter sido remontado e voltado para o panteão das grandes estrelas do Máschara: Esconderijos do Tempo, Rei Lear, Dona Flica e seus dois maridos e Complexo de Electra. 

O pior: Talvez a não presença dos "vivos" que acrescentariam ao palco um outro olhar. Muito embora a dicotomia público/mortos, cause muito mais a sensação: nós x eles.

                           


Texto e direção: Cléber Lorenzoni

Elenco: Cléber Lorenzoni

             Renato Casagrande

             Ricardo Fenner

             Carol Guma 

             Antonia Sequevitio

             Douglas Maldaner

             Junior Lemes

             Clara Devi


Contra-regragem: Ana Clara Kraemer

                              Kleberson Ben

                              Roberta Teixeira

                              


Apoio: Ana Costa

            Felipe Brandão

            Didy Flores

                        

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