quarta-feira, 30 de julho de 2025

1251 - Rei Lear/Rei Lixo (tomo 01)

 O Amor é a sabedoria dos tolos e a tolice dos sábios... 
                  Quantas vezes um ator se pergunta, por que está no palco, por que estuda tanto, por que decide contar historias, vale à pena? Mas quando você vê o público extremamente concentrado, absorto, fiel à narrativa, quando você acompanha seus olhos brilhando de horror e paixão, comovidos ou excitados, você percebe que valeu à pena pisar no tablado sagrado. A cortina se descerra, o som dos paços, a luz que ilumina o ator em seu longo bife de adeus, ou em seu grito de horror. O palco é abençoado pois nos faz nos vermos, nos reflete, em nosso pior e em nosso melhor. Há medo em chegar ao lugar em que Rei Lear chega, em perder-se no vão das mágoas e dores da velhice. 
                 O palco de Itaqui revelou um Máschara digno de sua "assinatura", seu jeito de fazer teatro, o mesmo jeito que vimos quando Simone rompeu o cordão de Hêmon em Antígona, o mesmo Máschara dos espectros sem face em Macbeth, ou do vitral de onde Tartufo observava a família de Senhor Orgon. A mesma assinatura que coloca duas Glorinhas em cena em Esconderijos do Tempo, que tira Eunice e Dr. Eugênio em uma plataforma deslizante, que deixa a boneca Emília no meio da cena, escondida. O máschara que torna Dona Flica uma mulher quase vinte anos mais jovem, ou que choca com escatologias profundas em O Incidente. O máschara que coloca três atores a interpretar sete personagens em A Maldição do Vale Negro. É o Máschara da cabeça de João Batista, trazida por Salomé. São tantos os momentos surpreendentes, são tantos os olhares respeitosos para com o palco e principalmente a dignidade que reserva aos atores, dando-lhes cenas e personagens memoráveis. 
                   Quando a cortina se abre, vemos corpos ligados, tonificados e uma energia arrebatadora. Um velho, que assemelha-se a um velho druida, um ancião celta pré-cristão, lembrando que Shakespeare se inspirou em um conto escrito por volta dos séculos sete e oito. Como todo druida que tem contato com a natureza, o velho parece exercer algum poder sobre os animais que o conduzem. Cada um com sua singularidade, vai se revelando, nos mostrando suas triangulações, suas inter-relações e então vamos construindo mentalmente a moldura de uma obra que torna-se tão necessária e que eleva o patamar de possibilidades do teatro gaúcho. Rei Lear é uma tragédia longa e sua dramaturgia em cena também é um tanto longa, o que poderá ser enxugado conforme a equipe vai adquirindo mais domínio sobre o trabalho. 
                        Para uma estreia, após apenas trinta ensaios, o elenco está valorosamente afinado. Junior Lemes tem o peso perfeito de uma atuação referente a um velho oficial shakesperiano, Douglas Maldaner entra na cena com a criatividade e o coração aberto de um ator disposto. Kleberson Ben ganhou um dos maiores desafios, um personagem que perambula por uma nuvem de dúvida entre os críticos teatrais do bardo, mas consegue  marcar pelo seu trabalho corporal e a singeleza de jovem iniciante junto ao velho rei. As irmãs maldosas esparramam-se pelo palco com um trabalho que se completa, através das atrizes Carol Guma e Ana Costa, mas é preciso elogiar a potencialidade de uma carreira que desponta a cada dia, e que certamente ainda nos dará muito. A jovem que iniciou como Madalena em A Paixão de Cristo, fez grandes substituições e agora brilha como a princesa da bretanha. Há no palco ainda os atores Renato Casagrande e Antonia Serquevitio, ele interpretando Edmundo, um dos grandes papéis da dramaturgia clássica, ela interpretando a mocinha,  amor da velhice do velho rei, ambos inimigos máximos, eles nunca conversam ou interagem durante o espetáculo, o que aumenta a tenção entre as duas figuras. É ele quem trás ao final a "presa" para as irmãs. Antonia Sequevitio enfrenta a dificuldade de um papel complexo, misterioso e sem muitas opções dramáticas, mas o produto final é bastante razoável. 
                O conjunto de atores, já na estreia, parece entregar um trabalho digno de turnê, muito embora, ainda aja a possibilidade de aprofundar muito mais o auto conhecimento de cena. As vezes na quinquagésima apresentação, um ator ou uma atriz, ainda estão descobrindo coisas a serem ditas, a serem sentidas, a serem emanadas do palco. 
                   Kleber Lorenzoni deve ter praticamente a metade da idade que a personagem deveria ter, mas consegue, injetando muito de sua personalidade altiva, alcançar essa aparência de líder que mistura muito das relações humanas do dia a dia, causando um efeito catalizador sobre temas como poder e hierarquia. 
                   Há em Rei Lixo a percepção humana do instinto. Quem somos afinal, longe dos artifícios da civilização? Animais!!!!
                    Um exemplo importante do aprimoramento do trabalho, tem a ver com a preparação dos jovens. Ana Clara Kraemer e Roberta Teixeira fizeram um ótimo trabalho como iluminadoras, ainda que tenham muito a aprender, vem construindo uma ótima caminhada. 
                    Rei Lear enfim, fala sobre poder, sobre espaço de comando, sobre lugar de fala, sobre hierarquia. Quando o diretor do Máschara não estiver mais ali, os Glocester's serão respeitados? As irmãs irão se devorar pelo poder? Haverá um jovem Edmundo arquitetando planos para se adonar do poder? Quem são os Bobos? Os Tôlos... Quem se comportará como Edgar? Quem seria uma verdadeira Cordélia, dedicada e leal? 
                      Rei Lear é um grande trabalho, digno dos grandes sucessos do Máschara, que os deuses do teatro dêem aos seus profissionais maturidade para carregar tamanha sabedoria, tamanha importância para o teatro gaúcho e a elevação da régua de exigência. 


Arte é Vida



                                    A Rainha


Rei Lear/Rei Lixo
Direção e Dramaturgia Kléber Lorenzoni
Assistência e Construção Cênica - Renato Casagrande

Elenco Kléber Lorenzoni
            Douglas MAldaner (**)
            Renato Casagrande
            Antonia Serquevitio (**)
            Carol Guma (***)
            Ana Costa  (**)
            Junior Lemes (***)
            Kleberson Ben (**)

Iluminação Ana Clara Kraemer  (***)
Sonoplastia Clara Devi (**)
Contra-regragem - Roberta Teixeira (**)
                               Ana Luísa Kraemer (**)
                               Felipe Brandão (**)
                                 

Cena final de Rei Lear/Rei Lixo


 

Antonia Serquevitio entre os colegas de cena em O Rei Lear


 

Renato Casagrande recebendo seu troféu como Ator Coadjuvante


 

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Rei Lixo - Rei Lear


 

Histórico do Máschara.



 

Breve História de um Grupo Teatral

 

 

 

Gênese (1992-1999)

01

1992 -Um dia a Casa Cai- Texto de Ivo Bender –(comédia)

02

03

1993 – A bruxinha que era boa –Maria Clara Machado –(comédia infantil)
1993-Doce Quente da dor de barriga na gente-Dulce Jorge (comédia infantil)

04

1994 – O dia em que Júpiter encontrou Saturno – (esquete)

05

1995 –Cordelia Brasil – Texto Antonio Bivar –(tragicomédia)

06

1996 –Bulunga o Rei Azul- Texto Dulce Jorge –(fábula infantil)

07

1997 –Um dia a Casa cai- Remontagem (comédia)

08

1998 – Dorotéia -Texto de Nelson Rodrigues – (farsa trágica)

09

1999 -O conto da carrocinha – roteiro de Cléber Lorenzoni – (clown)

 

Fase Clássica (2000-2004)

10

2000- Antígona -Texto de Sófocles – (tragédia grega)

11

2001-Tartufo- Texto de Molière (comédia clássica)

12

2002- Macbeth-Texto de Shakespeare (tragédia-elisabetana)

13

2002-Feriadão – Texto de Hércules Grecco (educativo-infantil)

14

15

2003- Bodas de Sangue- Texto de Lorca (tragédia rural)
2005-Romeu e Julieta-Shakespeare
Teatro com dança

 

Fase Literária (2005-2008)

16

2005-O Incidente- da obra de Erico Verissimo-(Realismo Fantástico)

17

2005-O castelo Encantado – da obra de Verissimo (comédia infantil)

18

2006-Esconderijos do Tempo-da obra de Mario Quintana(Drama)

19

2006-Lili Inventa o Mundo - da obra de Quintana ( infantil)

20

2007- Um Inimigo do Povo -da obra de Ibsen (Drama)

21

2008 -Ed Mort -da obra de Luís Fernando Verissimo (comédia)

 

Construção de uma personalidade (2009-2015)

22

2009-A Maldição do Vale Negro- Caio Fernando Abreu(melodrama-besteirol)

23

2011-As Balzaquianas-Inspirado em A rainha do rádio-(tragicomédia)

24

2011-Deu a Louca no Ator-Texto de Antonio Fagundes (Comédia)

25

2012  - Os Saltimbancos -Texto de Chico Buarque (musical infantil)

26

2012- O santo e a porca -texto de Ariano Suassuna(comédia)

27

2013-A Serpente -texto Nelson Rodrigues-(Tragédia carioca)

28

29

2015-Olhai os Lírios do Campo-Erico Verissimo (melodrama)
2015-Empresa do Futuro-Texto Ricardo Fenner (esquete empresarial)

30

2015-Zah Zuuu -Roteiro de Cléber Lorenzoni (clown infantil)

 

ESMATE  (2013-atual)

01B

2016-Confusões e Trapalhadas na Villa Pantalônica

02B

2017-Bruxamentos e Encantarias -Texto Lorenzoni-(comédia infantil)

03B
04B
05B
06B
07B
08B
 2018-Lendas da Mui Leal Cidade-Texto Lorenzoni e Casagrande(Drama histórico)
2019-O Hipocondríaco -texto de Cléber Lorenzoni (comédia farsesca) 
2019-A Hora da Estrela (drama literário)
2019-A Noviça Rebelde (melodrama realista)
2023-O Cavalinho Azul (Drama Infantil)
2024- Os contos do Vovô Erico

 

Grandes Espetáculos a céu aberto (2017-atual)

31

2017-A maior História de todos os tempos -Texto de Lorenzoni (Paixão 1)

32

2017-A história da família de Nazaré-Texto de Lorenzoni e Casagrande(Auto 1)

33

2018-As Mulheres ao redor de Cristo-Texto de Lorenzoni (Paixão 2)

34

2018-Um milagre de natal (Auto 2)

35

2019-Cristo-Texto de Lorenzoni (Paixão 3)

42

2022-O Menino entre o bem e o mal (Paixão 4)

45
46
47
48
49
2022-La Sacra Alegria (auto 3)
2023-A Mãe do Redentor(Paixão 5)
2024-O Julgamento do Messias (Paixão 6)
2025-Entre eles estava Jesus (Paixão 7)
2025-A Fé se renova (Alegrete

 

Maturidade (2016-atual)

36

2016-Complexo de Elecktra-Adaptação de Ivo Bender (Tragédia)

37

2017-A roupa Nova do Rei- Da obra de Andersem (Conto Infantil)

38
39
40
2019-Tem Chorume no Quintal (Comédia educativa)
2018-Infância Roubada
2022-A boneca gente

41

2020-O Menino do Pastoreio

43
44
50
2021-O  Grande Circo Mágico
2023-Dona Flica e seus dois maridos (autoral)
2025-Rei Lixo (Shakespeare)

 

Audio-Visual (2020)

01C

2020- Contos do Vovô Erico - cinco episódios

06C

2020- Lendas da Mui Leal Cidade- (episódio 1)

 

 

Em Itálico os espetáculos fora de circulação*

 

sexta-feira, 18 de julho de 2025

1248/1249 - O Castelo Encantado (tomos 140/141)

              Quantos espetáculos alcançaram esta marca?  140 apresentações? Pouquíssimos, pelo simples fato de que espetáculos criados no interior, tem vida curta. Os motivos são muitos: atores e atrizes que passam, técnicas que vão ficando ultrapassadas, projetos que vão surgindo e engolindo outros. No entanto, o Máschara tem um jeito de manter suas narrativas, de continuar pulsando com seus trabalhos e levando-os até o público. Contar a obra infantil de Erico de uma forma lúdica, tornando o conto infantil em narrativa dramatúrgica, é por si só um grande mérito. Por outro lado, há o mérito de manter-se, de existir apesar de todos os pesares. Quando assisti lá em 2005 ao espetáculo, a atriz Lauanda Varone era a intérprete de Rosa Maria, muitas cosias mudaram, pois a arte é e deve ser viva. A cada mudança de elenco pelas qual o espetáculo passou, novas mudanças se somaram, a experiência humana mudou, a ludicidade mudou, os públicos mudaram, a sociedade como um todo mudou. Assim é o teatro, mutável, adaptável. 

                    Um dos méritos do espetáculo O Castelo Encantado, é a generosidade do elenco, que tem a frente dois bons atores, tanto Lorenzoni quanto Casagrande, entram em cena pela ação dramática, e é a ação dramática quem rege sua pulsação cênica. Hoje em dia a maioria dos atores não sabe muito bem o que é ação dramática. Vejo muitos atores que querem contar o que querem fazer em cena. Ora, o palco é o lugar de fazer, não de dizer. Quando um ator sobre o palco tenta me dizer, eu perco o interesse, eu quero ver acontecer

                      Quero ver os objetivos! O objetivos de um ator ou uma atriz, não podem ser por exemplo, fazer bem feita uma cena. Ou saber seu texto, ou se mexer com energia. O objetivo deve ser sempre: contar uma boa historia. Uma ação que se desprende do palco para a audiência. As vezes um ator, repete seu trabalho todas as noites, tentando ser bom, tentando repetir o feito da semana anterior, Ora, esse não é o objetivo. Vejo atores e atrizes que se perdem tentando mostrar habilidades que aprenderam, também não tenho interesse. E é por isso que não costumo ir ao teatro. Por que? Porque boa parte dos atores quer subir ao palco para mostrar mil coisas: Olhem onde cheguei! Vejam o que consigo fazer! Vejam como sou bom!- Isso me afasta muito do teatro. O único objetivo dos atores, deve ser interpretar bem sua personagem. Até quando o ator luta para ser ouvido do palco, ele perde de exercer sua verdadeira função. Falar alto, triangular, ter energia, são obrigações do ator, sua função verdadeira é dar vida às narrativas. 

                        Em O castelo Encantado, Lorenzoni e Casagrande conduzem a meu ver o espetáculo e têm o poder admirável, de levá-lo para onde entenderem. Sendo assim, suas improvisações podem desencadear méritos ou desastres, dependendo do quanto os outros atores estão mergulhados na obra. Antonia Serquevitio tem crescido muito em cena, talvez pela quantidade de espetáculos nos quais está envolvida, e é sem dúvida, a repetição, a prática e o hábito que vão somando ao interprete suas capacidades técnicas. Ana Clara Kraemer segurou o espetáculo, muito pelos alicerces ao seu lado. Clara Devi aprece não aparecer, e poderia se dizer que isso se dá muito, por O Castelo Encantados e rum espetáculo masculino. No entanto, a direção de Lorenzoni é muito maleável, muito disposta a agregar e dar espaço aos atores. 

                          Gabriel Ben e Clara Devi são bons de improviso, e Devi tem uma presença admirável em cena, mas precisa rever sua postura vocal. Cada ator não "pronto" se é que existe essa nomenclatura, mas enfim, cada ator não pronto, precisa estudar muito seu texto, compreender sua própria personalidade cênica. Compreender também os objetivos de cada personagem, para não promoverem ações que falem contra seus personagens. Basílio quer ser borboleta, os porquinhos querem liberdade, o ursinho quer ? não parece claro... Fernando quer ser respeitado. O Anão quer ser amado de verdade, Rafael quer aprender coisas (não fica claro). A menina Rosa Maria aprende que os livros são ótimos companheiros. Aprende? 

                            Um dos momentos altos, foi ver os atores com domínio da público. sabendo conter e ao mesmo tempo excitar. Alguns equívocos têm que ser resolvidos, algumas faltas de atenção. De qualquer forma, nada que com um pouco de estudo, dedicação e prática não se resolva.                      

                             A trilha sonora de Castelo poderia ser aprofundada, temos um ator com um instrumento em cena, mas ao mesmo tempo há silêncios e trilhas cantadas... O figurino é clean, limpo, talvez pudesse ter algo relacionado àquela cortina... sabemos que ela vem para auxiliar na troca de roupas. Rosa Maria é curiosa e corajosa, mas sinto falta que fique mais clara sua catarse. 

                            



O melhor: A energia positiva da equipe, que se esmerou para produzir um bom trabalho. 

O pior: alguns problemas na parte técnica do espetáculo que quase colocaram em risco o impecável trabalho do Máschara. 


O Castelo Encantado

Texto e Direção - Cléber Lorenzoni

Elenco:

Ana Clara Kraemer (***)(**)

Kleber Lorenzoni

Renato Casagrande 

Antonia Serquevitio (**)(***)

Clara Devi (*)(**)

Gabriel Ben (**)(**)


Carol Guma (**)(**)

Romeu Waier (*)(**)

Roberta Teixeira (***)(**)

Felipe Brandão (**)(**)

Ana Luísa Kraemer (**)(**)