sexta-feira, 30 de maio de 2025

1240/1241- O Incidente (tomos 90/91)

                     

A aposta em uma narrativa que deu certo

                      Se você entrar em um cemitério, imagine as criaturas que vivem ali, levantando de suas covas, não seus entes queridos, outrora vivos, mas aquilo no qual eles se transformaram. Pútridos, arrastando-se, decompostos... Certamente suas carnes estariam murchas, e já haveriam começado a desprender-se dos ossos. Haveria possivelmente larvas caminhando entre suas roupas, e portanto algumas gosmas ou fluídos escorrendo. Esse, supostamente é o visual que Erico Verissimo pensou ao narrar as peripécias dos sete desterrados de O Incidente. Veja bem, desterrados são aqueles que estão sem uma terra, uma cidade; os sete mortos de Antares foram desterrados de seu necrópole.

                 Incidente em Antares choca, seja pela interpretação calcada na pesquisa antropológica, seja pelo texto, pronunciado com uma excelência de vocábulos e uma batida rítmica magistral. Acontecem é claro alguns escorregões, perde-se a compreensão devido a momentos de pronuncia embolada. Com direção pontual que valoriza todos os artistas de modo igual, valorizando mesmo os atores em principio de carreira,  o espetáculo imprime uma corporeidade que prende o expectador do inicio ao fim. Na primeira intervenção da manhã, não houve grandes destaques, todos pareciam muito equivalentes, bons, na segunda intervenção por outro lado, Renato Casagrande e Junior Lemes cresceram muito. A frase tenebrosa sobre a morte, ditada pelo interprete de João Paz, foi arrepiante e muito bem carregada de emoção. 

                        Dona Quitéria e Erotildes comovem, embora possam ir mais fundo na intensidade das coisas, é importante lembrar que contar sua vida é sempre algo doloroso, muito doloroso.  As maquiagens e a iluminação são muito funcionais, se bem que o vermelho do olho escoriado de João Paz, era vivo demais, destoando dos tons das feridas e inchaços do restante do elenco. Em um palco tão grande, os nichos iluminados conseguiram ambientar climas e sensações, ainda que as trocas pudessem ser melhor operadas. É preciso laurear o trabalho em equipe de Junior Lemes, Roberta Teixeira, Ana Kraemer, e Gabriel Ben. É muito importante valorizar equipes técnicas, são e coluna que mantém um espetáculo na vertical, vertical, uma palavra simples que o interprete de Doutor Cícero trocou por Horizontal, mudando o sentido de um texto que não poderia ser mudado. É preciso tomar cuidado! 

                       Clara Devi, é sem dúvidas uma grande atriz, há porém uma certa ansiedade em concluir coisas que devem ter seu próprio tempo. É preciso ter mais auto confiança para merecer pisar nas sagradas tábuas,  é preciso lembrar que no palco não somos nós, estamos encobertos por uma "máschara" que nos liberta de quem somos... 

               O que mais marcou a plateia da cidade anfitriã, foi justamente a capacidade de preencher um palco inteiro apenas com interpretação, e rica em ações que assemelhavam os atores à marionetes, até por isso sempre me pergunto por que os responsáveis pela trilha não optaram por  Marche funèbre d'une marionnette de Gounod, muito a calhar. 

                        A obra de Erico é catalogada como Realismo Fantástico, gênero que surgiu no século XX, especialmente na América Latina, como uma forma de expressar a realidade social e politica de forma mais abrangente e crítica, utilizando a fantasia como um meio de contornar a censura e denunciar a violência e a opressão, até por isso, talvez, seja tão salutar, levar esse tema, através do espetáculo, até o público adolescente. 

                              Em meio ao espetáculo, quedas de ritmo, apontadas por sinais que o próprio diretor da em cena; alguns comentários da plateia e principalmente, ao final o aplauso de um público muito disposto. Como diz o próprio diretor: são dois espetáculos acontecendo, um do elenco em cena, outro do público, ambos atuaram bem... 

                                Não costumo endossar espetáculos que ao final contam com uma explanação que nos reconta tudo o que acabamos de ver e que nos parece limitar a um grupo de idiotas medíocres, no entanto por se tratar de uma feira de livros e de não se tratar apenas de um espetáculo teatral, acho extremamente pertinente debater, falar de Erico e principalmente motivar os alunos a algo mais.


O Melhor: Sem dúvida a disponibilidade de Junior Lemes, artista que se destaca. 

O pior: A falta de energia na primeira apresentação.


O Incidente - Tapera/RS


Cléber Lorenzoni

Carol Guma (**)(**)

Renato Casagrande 

Ricardo Fenner

Junior Lemes (***)(**)

Antonia Serquevitio (**)(**)

Douglas Maldaner (**)(**)

Clara Devi (**)(**)


Roberta Teixeira (**)(**)

Ana Clara Kraemer (***)(**)

Gabriel Ben (**)(*)

                         

                         

                        

                             

                                          

                            


Figurinos e elenco Infância Roubada.


Por Gabriel Ben

 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

O Castelo Encantado


 

Elenco e equipe técnica ao lado da organização da 34ª Feira do Livro de Tapera


 

Conversando com a plateia- O Incidente


 

Com o público de Tapera


 Antonia Serquevitio, Kleber Lorenzoni, Ana Kraemer, Clara Devi, Gabriel Ben e Renato Casagrande em O Castelo Encantado

1238/1239 - Infância Roubada (tomo 9/10).

                Quando olho para o palco, antes mesmo da cortina abrir, fico tentando imaginar o que surgirá por detrás das coxias, quais pontos de luz se acenderão, quais personagens aparecerão. É isso que me faz assistir sempre novamente, uma montagem de Romeu e Julieta, por exemplo, ou ver  uma atriz interpretar algum personagem que já me é conhecido. O que me importa na verdade é conhecer as estratégias que determinado diretor escolheu para me contar aquela historia. Pois bem, o espetáculo começa, e é preciso lembrar que teatro é sempre instrumento de transformação política e não apenas entretenimento. Ora, os temas debatidos durante os cinquenta e poucos minutos de peça, são exatamente o que precisamos debater na esfera das políticas públicas. A criança que é exposta à todo o tipo de violência, pelos próprios pais, muitas vezes; o menino que se prostitui por que vivemos em um país que permite que pessoas de determinadas "seitas", ditem regras sobre como a sociedade deve se comportar, disseminando aí o preconceito, a homofobia e etc... A diferença de classes, imposta por uma cultura unicamente do "ter", que dita as regras do "jogo", oferecendo sempre as piores oportunidades à população mais exposta a pobreza; a falta de debates sobre a saúde mental das pessoas; enfim, uma gama de assuntos, que tão bem foram agrupados em um só roteiro. Em um primeiro momento até podemos pensar: nossa, quantas tragédias se cruzando, em um único espetáculo! - O fato é que o dramaturgo aqui, me parece, quis tornar tudo matéria única, "abuso", para chocar, perturbar, conscientizar, levantar discussão. 
                   Quem dá vida a personagem central, Nice, é a atriz Raquel Arigony, que consegue bons resultados, principalmente na segunda inserção do espetáculo. Arigony tem um tempo de atuação muito pessoal, muito de acordo com sua verdade profissional, talvez no palco possa injetar mais vigor. Principalmente em personagens que têm fruição mais intensa. Nice recebe, digamos, tratamento de choque. Todos ao seu redor parecem lhe exigir demais, muito embora, talvez seja a historia de vida da travesti Tânia que lhe convença a realmente tomar coragem para agir. Kléber Lorenzoni vem à cena como uma cabeleireira que é submetida a uma breve cena de homofobia explicita, que poderia ser mais longa e talvez mais chocante. Tânia agrega ao espetáculo uma leveza, uma possibilidade humorística gostosa, e nos faz nos catarsearmos dentro do riso, o que é perfeito. A gag: "estou raciocinando", ou a frase antológica: "estamos no mesmo lugar, só que meu salto é maior!" arrancaram pegaram a plateia de jeito.  Interessante ver um homossexual (Kléber Lorenzoni) interpretando alguém cujo drama seja a plenitude de sua homossexualidade, como se por exemplo Raquel Arigony interpretasse uma mulher que é espancada e que tivesse filhas abusadas sexualmente. É algo que parece muito simples, mas na verdade carrega um dos grandes paradoxos do teatro. Determinado ator se sai razoavelmente bem, interpretando as mais variadas situações, mas quando tem que interpretar sua própria realidade, depara-se com um complexo desafio: como dar vida a sua própria realidade sem incutir aí suas verdades que poderão colocar em risco os objetivos do espetáculo? E foi isso que vi em Lorenzoni na primeira inserção do espetáculo. Um certo constrangimento, uma certa dúvida até onde ir... Isso gerou uma empatia muito interessante, por que quando acontece com um ator experiente, nos faz termos a certeza de que não existem fórmulas, nem gráficos prontos, ao contrário,  o teatro é e sempre será, busca, descoberta, e muita pesquisa.
                            A narrativa do espetáculo é continua, ou seja, uma cena deságua na próxima, então é fácil concluir a curva. Renato Casagrande aparece no prólogo e no epílogo, responsável pelas duas cenas mais agressivas, NECESSÁRIAS em um espetáculo educativo como esse. Se fosse um espetáculo de cunho artístico apenas (nunca é só arte), diria que talvez a primeira cena pudesse ser menos explicita, já que temos em cena uma menor. Valentina Chiesa é bastante jovem, mas bastante instintiva em cena, o que agrega possibilidades à sua caminhada de jovem atriz. Ao seu lado ainda Felipe Brandão e Luisa Ourique formam o grupo de irmãos. Ele precisa de mais profundidade nas cenas, e Luisa mais intensidade. Indico mais exercícios, mais coragem, mais élan! Ana Clara tem força, mas parece um pouco desmotivada, demasiadamente lânguida nas cenas. Talvez deva discutir mais com a direção, isso é muito importante. As vezes uma nuvem, uma cortina de fumaça, se coloca entre nós e a personagem, nos impossibilitando de vermos como as coisas devem ser, como a direção do espetáculo precisa que nos coloquemos, ou para onde conduzir a tortuosas linhas da vida daquele ser que estamos tentando interpretar. Clara Devi esteve muito completa, muito redonda, mas também pode carregar na verdade, na integralidade das ações. Personagens principais, são grandes presentes, pois eles constituirão a historia dos espetáculos por anos e por conseguinte a historia do teatro de um grupo.  A dobradinha entre Devi e Lorenzoni funcionou, já que a atriz soube ser escada. Importante qualidade para bons atores. 
                                Junior Lemes, começou há pouco tempo, mas já vem se destacando, interessante perceber um ator que chega com disponibilidade para auxiliar e aprender. Que esse frescor continue sempre presente. Necessário estudo para ir formando uma funcional bagagem para os mais diferenciados personagens que surgirem. Esperamos que Junior venha logo para as cadeiras do máschara, pela postura e interesse. Antonia Serquevitio funciona muito bem quando tem uma direção funcional ao seu lado, o que é ótimo, a função do ator não é dirigir-se, a função do ator é esforçar-se por uma pièce bien faite. O espectro da candidez cresceu muito desde a ultima vez que apreciei o espetáculo, mas ainda há para onde subir, o que desenvolver. O ator precisa descobrir, sempre o novo, sempre as novas opções e honrar assim seu pai "stanislavski". 
                                     Foi sem duvida um dia de conquistas, de rever artistas, de aplaudir atores em cena aberta. Ao que parece foram pouquíssimos ensaios. Com isso relevamos alguns grandes erros, no entanto é preciso jamais acomodar-se, jamais quedar-se, é preciso buscar, crescer, aprender. Essa capacidade e interesse é a liga que vai fazer o ator aprimorar sua arte e poder ser chamar de ator verdadeiramente. 
                                      A parte técnica foi bem operada, tanto na contrarregragem quanto nas mesas técnicas, levando em conta as aparelhagens e situações, entendo que faz-se o que se consegue fazer.



O melhor - A capacidade de improviso de atores como Lorenzoni que ditam o ritmo e o rumo durante a cena e a presença da atriz Raquel Arigony.
O pior - A falta de ensaios que coloca em risco as possibilidades criativas de alguns interpretes. 



Infância Roubada - Nova Candelária



Elenco : Raquel Arigony (**)(***)
              Valentina Chiesa (***)(**)
              Clara Devi (**)(***)
              Antonia Serquevitio (**)(**)
              Renato Casagrande 
              Luísa Ourique (*)(**)
              Ana Clara Kraemer (*)(**)
              Junior Lemes (**)(**)
              Felipe Brandão (*)(**)
              Kléber Lorenzoni 
              Kleberson Ben (*)(**)


Arte é Vida

                     A Rainha
              
        

                     

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Os Mortos de Antares no momento de enfrentar os poderosos


 

Rider Auto de Natal


 

Carol Guma como Maria Valéria em O Tempo e Vento


 

Elenco de atores da performance O Tempo e o Vento ao lado de Fernanda Verissimo


 

Clara Devi e Antonia Serquevitio - Infância Roubada


 

Público das escolas de Nova Candelária após apresentação do espetáculo Infância Roubada


 

Alunos da escola Venâncio Aires em visita ao Palacinho do Máschara


 

Turminha do NUMAC - professor Renato Casagrande e Antonia Serquevitio


 

Junior Lemes, Valentina Chiesa e Felipe Brandão


 

O diretor Kleber Lorenzoni em debate sobre Erico Verissimo na cidade de Mario Quintana


 

Artistas do Máschara dando vida aos personagens da Turminha do Menino Erico


 

Elenco do Grupo Máschara em performance O Tempo e o Vento


 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

1235 - O Incidente (tomo 89) Análise Crítica

Alegrete, 15 de maio de 2025
Instituto Osvaldo Aranha
 Quando a porta do teatro se abre e ouvimos o ruído dos sete mortos de Antares, nos pegamos pensando: Será que vamos presenciar algum tipo de comédia de horrores? Alguma divertida sátira? - Logo porém que se estabelece a primeira cena do espetáculo, as convenções nos ditam os caminhos a seguirmos. Se renomearmos os indivíduos e as estruturas de poder da obra, conseguimos entender a alegoria exposta que mescla comédia, violência e tragédias sociais ou políticas. O estranhamento que você sente ao observar a tensão corporal, a aparência macabra, o desenho físico, vai te conduzindo para um lugar único, que embora seja intitulado como realismo fantástico, enquanto obra literária, não deixa dúvidas de uma impressão impressionista. Para os ávidos por técnicas teatrais, é preciso lembrar que existem várias linhas dentro do expressionismo, ainda que todas se encontrem na percepção de cores intensas, sombras, realidades deformadas e interpretações densas. 
                                                     A direção do espetáculo reuniu celebres atores como Cléber Lorenzoni, Ricardo Fenner e Renato Casagrande, ao lado de iniciantes como Junior Lemes e Carol Guma. Não iniciantes nos palcos, mas artistas que ainda não haviam mergulhado por esses universos complexos que a arte oferece. Ricardo Fenner e Renato Casagrande brilharam com capacidades que já conhecemos. Pausas boas, curva acentuada no caso do segundo. Os dois fizeram uso do "sats" que Eugênio Barba tanto elogia. Talvez os momentos escatológicos de Menandro (gula) tenham passado um pouco exagerados, mas por outro lado, se o espetáculo se propõe a ser um espetáculo expressionista, ele se cumpre em sua verdade. O mergulho da pré-expressividade de Carol Guma e Junior Lemes, em tão pouco tempo de trabalho, é visível, pois ambos super atuam enquanto as cenas dos colegas se movimentam. Guma pode ficar mais pesada, mais "terrena", Dona Quitéria (soberba) habita o universo das grandes damas do teatro: Mãe Coragem, Frau Carrar, ou Bernarda Alba. Mulheres que carregam o peso de suas proles, como a Bibiana  do próprio Verissimo ou Úrsula Iguaran de García Márquez. Essas mulheres são o âmago, elas dominam o universo e o obscuro. São a coluna que sustenta... Quando Quitéria fala por exemplo do céu, é realmente com a veemência de quem crê que irá para junto de seu Deus. A dobradinha com Barcelona (inveja) pode estar mais afiada, sem esquecer que é MARX - filósofo, economista, historiador, sociólogo, teórico político, jornalista e revolucionário.
                                               Dr. Cícero (avareza) é Cléber e Cléber é Dr. Cícero, não sei se estava em um dia mais sensível, mais repleta de devaneios, mas o fato é que me dei conta de que é Cléber, de alguma forma, com fome e com raiva. Nos dizendo: Estamos aqui, nos escutem, nos respeitem. Soube de fonte segura que o próprio interprete não preferia fazer outro personagem. Uma pena, o espetáculo tem um segundo nome e ele se chama Dr. Cícero. Cansada que estou assistindo teatro há várias décadas, procuro sempre o novo, o frescor, então situações como a dança entre Cícero e Erotildes, ou quando Cícero carregou João PAz nas costas, não tinham como passar desapercebidas, e nos lembram que sempre podemos transformar uma forma de contar uma historia... Essa vontade de ver o novo e ainda de mostrar o novo, deve ter a ver com a inextinguível rebelião individual que atores e público de teatro devem sempre carregar dentro de si. 
                                               Douglas Maldaner traz para o palco, como João Paz (ira)  uma construção calcada no equilíbrio extra cotidiano que gera uma serie de tensões no corpo e vai exigir um esforço físico maior. A capacidade de pronunciar um texto também tem se aprofundado, seja em Maldaner, seja em Serquevitio, que aliás faz muito bom uso da força contraria. 
                                              O espetáculo durou pouco mais de cinquenta minutos, se não me perdi, mas detectei no público, a surpresa, a caótica confusão de quem quer compreender algo e de quem vai se acomodando para "curtir" como dizem os jovens. Fui adentrando na narrativa e me encontrando em conceitos muito interessantes. Ora, a morte em Antares está muito disposta a discutir princípios teológicos. Os sete mortos sobre o palco são em verdade sete pecados da humanidade, que nessa sátira menipeia, já que aqui não se agride posturas ou jeitos, como em comédias apelativas, mas normas e valores que permeiam a sociedade. Os valores aliás de criação, repetição, sacrifícios em Serquevitio, nos relembram que o teatro precisa ser feito, como pudermos, como conseguirmos.  Talvez uma das qualidades mais interessantes em Serquevitio nessa sua versão, seja a capacidade estética, ainda que conduzida, Antonia consegue traduzir em Erotildes (luxuria) os propósitos estéticos da direção. Ricardo Fenner retorna como Pudim (preguiça) que já havia interpretado e arranca risos, devido claro, a sua forte veia cômica. Junior Lemes surgiu de onde? Eu não o conheço e olhem que nesses muitos anos de Máschara eu acompanho o nascimento e a morte de cada estrela que surge na abóboda celeste chamada teatro cruzaltense. Claro que é o interprete de Labão e mais tarde kaifaz, mas fiquei muito surpresa de vê-lo mudar o estilo de interpretação e adequar-se a outras formas. Forte, verdadeiro, grande como um ator de palco precisa ser! Admiro também a forma delicada, sutil e pontual com que Guma vem se estabelecendo, é preciso ir com calma, para construir bons lastros, firmes e duradouros.  O anjo da morte, aquele que anuncia o fim, que abre o sétimo selo, é na verdade: Shirley Terezinha, uma radialista, tão típica narradora em cidades pequenas, dos principais fatos. Cabe a ela, anunciar o fim, ou o propositado fim de uma sociedade equivocada, mas que nunca muda. Em Antares estabeleceu-se a greve, uma grave que vai durar por muitas décadas em nosso Brasil. Dessa greve, levantam-se principalmente artistas, tentando despertar o mundo, embora como diz aquele pai no fim do livro: "Cala a boca, bobalhão!" - Pois por interesses unicamente politicos, o mundo precisa permanecer adormecido.   Há sim problemas de ritmo, calçados em pés que não deveriam, falta de compreensão em alguns textos. No entanto Incidente se cumpre como uma das obras mais importantes criadas pela força que é o Máschara, se vê isso na construção cênica, na pesquisa por trás e nas decisões artísticas. Na contrarregragem, os três jovens aprendizes se esmeraram para colocar de pé um espetáculo em suas bases visuais: figurinos e espaço cenotécnico. Interessante e poderoso dar esse espaço aos meninos, mas será que esse lugar não deveria ser exercido pelos mais seguros e maduros?   O Máschara continua sendo uma força, uma potência, quebrabével, não esqueçamos. Forjada por gente ama teatro, admirada por seu brilho, talento e grandiosidade no palco. Há no entanto uma nuvem perigosa, de confusas relações que acompanham essa força. Uma nuvem que ao tornar tão informal as relações, confundem o que são regras hierárquicas com relações pífias. É preciso sempre lembrar como as coisas nos chegam, e de onde elas vem. Também é preciso valorizar quem cria, quem constrói, quem batalha e lembrar que para o público, como eu sentada em um auditório qualquer, que paguei ou não meu ingresso, carreiras não significam nada, e que todos somos passageiros e esquecidos e substituídos muito rapidamente. Cabe então a quem ganha espaços, saber lutar por eles, valorizá-los e ser gratos. Um dia certamente estaremos como em O Incidente, em nossos esquifes e não haverá coretos, ou realismos fantásticos. Não haverá chance para pedir desculpas, para se desdizer, ou para voltar atrás. Não dará para se explicar, nem para um último abraço. Será apenas o silêncio, pois o resto é silêncio!!!

O Melhor: A intensidade energética e cúmplice que se colocou em cena.
O pior: A luz repleta de pontos cegos onde atores ficavam na sombra.

O Incidente
Montagem de 2025

Direção e roteiro Cléber Lorenzoni

Elenco: Cléber Lorenzoni  
              Carol Guma (***)
              Renato Casagrande
              Clara Devi (**)
              Junior Lemes (**)
              Douglas Maldaner (**)
              Ricardo Fenner 
              Antonia Serquevitio (**)

Contrarregragem : Gabriel Ben (**)
                               Ana Clara Kraemer (***)
                               Roberta Teixeira(**)


  Arte é Vida


               A Rainha


O Incidente


 

Clara Devi, como Shirley Terezinha - O Incidente 2025


 

Os novos mortos de Antares- 2025