1209- Dona Flica e seus dois maridos (tomo 7)

                         Como sei quando um ator virou um ator? Como chamar um ator de interprete sem incorrer no risco de ser leviana? Um médico só é médico depois que se forma, um advogado só o é após estar com seu canudo... Então quando um ator tivesse seu canudo poderia ser chamado de ator, ou sua DRT. Mas nas questões da arte, essa coisa de faculdades, canudos e formaturas é um pouco diferente. Você não espera um músico se formar para chamá-lo de músico, é seu currículo de "notório saber" que o credencia. Assim também é com bailarinos e atores, artesãos, etc... Vencida essa primeira dúvida, temos outra, o que é um ator profissional? Aquele que vive, paga suas contas com sua arte? Ou aquele que é eficiente em sua função? Eu diria que reconheço um ator através de suas capacidades técnicas e sensoriais, suas possibilidades perceptivas entre dramaturgia e direção, seu processo de criação e seu material cênico final, a apropriação correta de suas ações físicas e vocais. Ainda sua compreensão e diferenciação entre movimento e ação, sua energia no espaço e no tempo, com mobilidade estática e dinâmica. Além é claro de suas percepções junto aos expectadores. 
                         Tudo isso provindo de estudo, prática e tempo. Um ator de verdade, seja ele intuitivo ou técnico, destaca-se sempre. Sua presença, sua energia, seu domínio de si mesmo. O controle de sua ansiedade ou nervosismo. O silêncio observador. O conselho exato aos mais jovens, e o respeito extremo ao trabalho. Tudo isso eu procuro em um intérprete e quando ele me apresenta tudo isso, eu vejo ali um ser que se destaca e deve ser aplaudido. 
                            Dona Flica e seus dois maridos é um espetáculo de atores, cada um com seu estilo claro, com suas energias próprias. Lorenzoni por exemplo é um ator do público, ele sente a plateia, tira dali a temperatura do que fazer e as vezes eu diria que se vende um pouco demais aos objetivos do público. Casagrande é um ator de espetáculo, mais showman. Ele trouxe e disponibiliza o que tem, o público deve aceitar. Essa forma é bastante técnica. Novello é mais sutil, tanto nas escolhas, quanto na performance. E por isso toca, com uma escolha pontual do que fará, as vezes um pouco econômico demais. Já a interprete de Beatriz, as vezes parece insegura, ainda que mergulhe com uma força vital, quase colocando em risco alguns momentos em prol das gags. 
                           Portanto quatro forças, que se assemelham cada uma ao estilo Meyerhold, Barba, Boal e Artaud. Cada um deles com suas técnicas embutidas. Interessante pensar que essa variedade de estilos e maneiras de trabalhar a arte dentro de si, é o que da a liga perfeita a um espetáculo. 
                                  É emocionante pensar no quanto a arte tem um efeito transformador nas pessoas. O espetáculo do Máschara não teve iluminação de teatro, não teve um preparo técnico de palco, ao contrário, foi uma apresentação simples, de gabinete, e ainda assim tocou profundamente a plateia. Méritos da direção e dos atores. Mérito também do roteiro e do timing. Um espetáculo é uma expressão semiótica, termo criado por Michel Foucault, ou seja, um conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem distinguir onde estão os signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus vínculos e as leis de seu encadeamento. A união das ações dos atores, de seu visual, das músicas, cenários, ambientação e das figuras criadas em cena, através da dita marcação. Por isso é tão importante que esse tipo de espetáculo seja apresentado em caixa preta. 
                                 Parabéns a equipe do Máshcara que tenta de todas as formas dar sentido as ideias da direção e tenta ao máximo contar as historias como eles são boladas, respeito com dignidade cada trabalho. Preciso dar parabéns a trilha sonora muito bem escolhida e as costuras feitas no texto. Talvez Casagrande e Jorge, pudessem tomar mais cuidado na hora da injeção. Talvez Jorge pudesse ficar mais cuidadosa com o texto final. De qualquer forma, é um grande espetáculo, que merece um palco de teatro.

Arte é Vida

Dona Flica e seus dois maridos
texto e direção - Kléber Lorenzoni
Elenco
Kléber Lorenzoni
Dulce Jorge
Renato Casagrande
Fabio Novello


Contrarregragem - Clara Devi, Ana Clara Kraemer, Kleberson Ben, Antonia Serquevitio




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