quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Batatas ao molho sugo - uma análise

                         Todos gostamos de batatas, fritas, cozidas, no purê e principalmente na maionese de domingo. Me parece injusto que alguém nos proíba de comê-las, e caso isso acontecesse certamente nos seria difícil cumprir esse edito. Esse é exatamente o mote escolhido pelo diretor/dramaturgo da adaptação de Piquenique no Front. Embora tenha mudado razoavelmente a narrativa, mantêm-se o âmago do gênero, ou seja uma situação alógica onde as personagens agem de uma maneira irracional para tentar fazer uma crítica a vida real. 

                           Romeu Waier tem uma direção ousada, e alcança boa repercussão junto ao público, formado em sua maioria por jovens. As figuras plásticas são muito interessantes e a trilha, (não sei quem assina), é perfeita. Guilherme Goi e Nara Medeiros se destacam bastante e a sutileza dessa ultima parece ter sido coreografada, a convenção dos calçados é perfeita, talvez para não haver duvidas junto a assistência, já que há um universo de estranhamentos, os mortos poderiam ser cobertos com um lençol branco e ao saírem caminhando atrás da enfermeira, se assemelhariam a fantasmas, realçando sua condição.  Há no casal de pais, Eliani Aléssio e Romeu Waier,  um exagero, que causa um certo distanciamento, e que é característica do estilo Waier de fazer teatro, não chega a prejudicar o trabalho, mas talvez a interpretação mais realista conseguisse operar com mais afinco o estranhamento proposto pelo gênero teatral. 

                              Nicole e Yasmim estão ótimas, aliás toda a direção de Romeu Waier se cumpre muito bem, e se estende mesmo a figuração. Talvez Stefany e Julia possam dedicar um pouco mais de atenção à técnica vocal, para que os agudos não soem falsos. 

                            Matheus Freitas é uma interessante aquisição ao teatro, esperamos que queira aprender e buscar mais. No papel de Zap, o jovem acaba carregando todo o espetáculo e sua construção é bastante funcional como protagonista positivamente ingênuo.  

                             A estética é bem resolvida, e o pódio significativo. A fábula antibélica é extremamente contemporânea, já que as ações humanas já incluíram entre nossas vidas, tantas situações conflitantes que acabaram por ser banalizadas e diluídas na vida cotidiana, há no entanto a necessidade de sempre que se trabalha com o absurdo, pensar em ser muito próximo ao realismo para que a plateia compreenda que não se trata de realismo fantástico ou de teatro infantil, outra questão interessante é a capacidade de assimilação cultural de cada público. Uma plateia de teatro recebe diferentemente uma obra do que uma plateia não iniciada. Nesse sentido Waier é vanguarda para Panambi e mesmo que não seja tão compreendido agora, está fazendo um grande trabalho de contribuição à arte e aos futuros artistas. Parabéns a Sra. Tépan que carrega uma intensidade digna de uma grande atriz.

                               Para encerrar, torçamos que logo tenhamos outros trabalho tão contundentes da equipe.


                                  Cléber Lorenzoni

terça-feira, 26 de novembro de 2024

1207-Lili Inventa o Mundo - (tomo 127)

                         O trabalho do ator é algo efêmero por natureza, impalpável e rapidamente esquecível, até por isso esse crítica goste de fazer esse testemunho, que ficará para a posteridade, como único arquivo do que foi a maravilhosa dedicação dos artistas do Màschara sobre o palco. Uma arte tão rapidamente esquecível, acaba por carregar um estigma de superficialidade, como se fosse uma arte menor por assim dizer. Ora, se os próprios atores muitas vezes a tratam como algo passageiro, claro que o mundo ao seu redor também teria para com ela, um certo preconceito. Atores tem como bagagem, sua capacidade de arrastar plateias, seu élan, suas potencias físicas sobre o palco. Tudo considerado pueril. Se perguntarmos agora para uma atriz, quais suas capacidades? Quais seus conhecimentos? Certamente ela não saberia valoriza-los como deveria, como poderia, por que os próprios atores, na maioria das vezes, julgam como "pouco" aquilo que carregam.
                   E é essa sensação de que a profissão é passageira, pueril, impalpável, que faz a classe ser pouco respeitada. Veja por exemplo o caso das feiras de livros. Com a participação do SESC, as feiras de livros, vem a anos, fazendo um serviço de singular importância junto aos artistas, gerando trabalho, e fazendo a economia criativa crescer. Ao mesmo tempo, em que as cidades pequenas e prefeituras, através de suas secretarias de cultura ou educação, tentam viabilizar a arte, sabe-se muito pouco, conhece-se muito pouco da realidade das cias. do interior do RS. Suas batalhas, suas lutas por valorização. Ao mesmo tempo há o caso dos iniciantes que mal sabem pisar em um palco e já se comparam à cias. profissionais.  Claro que iniciantes devem se valorizar, mas qual é o balizador? Como saber quando um grupo de iniciantes já merece ser considerado, e remunerado? 
                     Por isso o Máschara tem um sistema, que prioriza o crescimento, o preparo dos jovens. No elenco do primeiro escalão, atores já conhecidos e de currículo invejável. Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande. Ao seu lado, atrizes que vem crescendo e se destacando, Antonia Serquevitio e Clara Devi, e no grupo das iniciantes, Carol Guma, que já possui uma trajetória interessante e a mais jovem aquisição: Roberta Teixeira. No Máschara, antes de tudo se pensa em qualidade do trabalho, em criar a possibilidade do jovem artista aprimorar seus talentos. 
                           Lili Inventa o Mundo é um espetáculo de 2006, inspirado na obra do poeta Mario Quintana e que sempre buscou ofertar ao público possibilidades de viajar na ludicidade. Do elenco inicial, mantém-se apenas Lorenzoni, que entra no palco com o peso de um poeta de anos tentando irradiar o cênico. Da segunda formação Casagrande com uma energia invejável, o Mathias do ator consegue prender a atenção de todas as crianças, grande é sua possibilidade fonética e física. Devi já pertence à quarta formação e nos dá uma Lili menos poetisa e mais atriz. O que é bom e ruim. Não é da obrigação de uma atriz transformar-se em seu projeto de palco, mas cada ator deve sorver ao máximo um universo e então se transformar. Serquevitio precisa buscar em Malaquias o ridículo, a palhaça dentro de si, já que Sr.Poeta e Malaquias são dois bufos, ou dois clowns. Guma entra bem em cena, firme, intensa, o que lhe falta talvez, seja um transcender , que virá com o tempo, com estudo. É sem duvida uma atriz dedicada e esforçada, mas é importante lembrar qual caminho busca. Teixeira está chegando, e faço votos que trilhe os caminhos lindos da arte que outros trilharam, para nunca se frustrar. 
                              Existem espetáculos que são datados, existem narrativas que cumprem momentos, falar de Quintana em feiras de livros é algo que sempre será atual. Talvez as linguagens, as possibilidades pudessem se adaptar, bonecos, linguagens, formas... Questões de direção. De todo, o espetáculo deixou as crianças com água na boca e alguns atores frustrados. A arte é assim mesmo, ela é dada em gostas, gotas que transformam, mas ainda há muito para se transformar... Foge às nossas mãos, ter domínio sobre o que vai até o público, como vai, e como será administrado.
                                     Parabéns a capacidade rápida de decisão, de tira e põe e pega ou abre mão de microfones. São climas, percepções, filigranas, que os anos de teatro conferem. 

O melhor: A energia com que a equipe adentrou o palco
O pior: A desorganização da feira que permitiu que quase toda o público levantasse deixando os atores órfãos.

Lili Inventa o Mundo (2006)
Direção e roteiro Cléber Lorenzoni
Elenco: Clara Devi
              Cléber Lorenzoni
              Renato Casagrande
              Antonia Serquevitio
              Carol Guma
              Roberta Teixeira

Contra-regragem - Kleberson Ben



A rainha

Kleberso Ben- integrante 109


 

A chegada da fada mascarada que era feia feia feia como ninguém faz ideia...


 

Elenco de Dona Flica e seus dois MAridos em Manoel Viana-


 

Elenco do Máschara em 2024


 

A nova geração do Máschara


 

O Advogado PAthelin - Um ensaio


 

Antonia Serquevitio e Cléber Lorenzoni em cena em Lili Inventa o Mundo


 

Equipe de recreação ao lado de Romeu Waier


 

Kleberson Ben, mais novo integrante do Máschara


 

Lili Inventa o Mundo - As poesias de Erico Verissimo


 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

1206 - Complexo de Electra - tomo XXII

O MOTE BALIZADOR

                                      Até onde um grupo de teatro pode ir? Até onde uma narrativa pode ousar? De quais temas pode fazer uso para tocar o público? Um jovem ambicioso e sem noção, pode dizer:- Qualquer assunto, tema, ou ousadia... -Estará errado e ainda colocará em risco sua carreira, pois poderá chocar ou subestimar seu público. O balizador de tal conexão arte x público, é exatamente sua auto percepção cultural e a compreensão do habitat cultural ao seu redor. Ou seja, é preciso perceber a capacidade de absorção do público, compreender sua própria capacidade e entender para onde se quer levar o público. Ora, se eu passar uma vida inteira dando teatro de comédia para o público, como chegarei um determinado dia e lhes obrigarei a assistirem drama?

                                              Ou, chegar a uma cidade onde nunca se viu teatro e oferecer um espetáculo como Complexo de Electra. A maioria dos artistas sempre se coloca em um lugar onde julga que sua arte é muito importante, que deve ser vista e que as plateias tem obrigação de aceitar. Não é verdade. Quando pensamos em toda a historia do teatro, suas linhas de pensamento, precisamos compreender que houve um teatro para cada época, para cada ciclo, houve uma linguagem que prevaleceu em cada época, e houve uma capacidade de compreensão diferente em cada época e em cada lugar do mundo.

                                                 O   que mais admiro no Máschara, é a curva organizada que seu diretor, ou seus diretores planejaram. Primeiramente comédias (Um dia a Casa Cai, Dor de Dente, Bruxinha e Júpiter) logo depois uma tragicomédia (Cordélia Brasil), então um grande teatrão infantil-(Bulunga), Para então ir para Nelson (Dorotéia) Aí tivemos um clown [palhaço (Conto da Carrocinha)], para só então chegarmos aos clássicos: (Antígona, Tartufo e Macbeth) - Ou seja, primeiro preparou-se o público, para o que viria a seguir. Isso quer dizer, balizar, entender, estabelecer. É preciso saber se o público terá capacidade de fazer a leitura semiótica de um tipo de teatro, e é preciso não superestimar também o público. Se nem mesmo alguéns atores conseguem compreender as linguagens empregadas por diretores, por que o público conseguiria tão facilmente tal façanha? 

                                                                       Por isso senhor artista, leia, leia muito, jovem ator, busque, pergunte, indague, sacrifique-se um pouco... A arte não é somente algo bonito, não é apenas o ato de satisfazer a ambição própria de receber aplausos, ela é um dever junto ao tecido social, e precisa ser baseada também nos princípios filosóficos de um povo. É preciso codificar as linguagens, compreender e saber, por que determinada obra será levada à assistência. "Gosto muito de Maria Stuart de Schiller"!- Problema seu, por que esse texto sobre duas mulheres, duas rainhas, que brigam pelo poder, seria importante para o público de Cruz Alta? Eu vejo vários motivos, me digam os seus!

                                         O Complexo de Electra enquanto exercício ( é isso que seu diretor sempre fala), pode encontrar virtuosismo junto aos públicos, Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande e Fábio Novello estão muito bem em cena. Muito embora o mergulho nas profundezas do ser humano ainda pode ser maior. Clara Devi parece ter iniciado uma caminhada nesse universo psicológico, Douglas Maldaner precisa por para fora um grito interior que para esse tipo de teatro é extremamente necessário. Leonardo Teixeira e Romeu Waier fazem pequenas participações funcionais, e no caso desse último plasticamente linda. 

                                        Um dos grandes méritos do trabalho, é que apesar da mudança de elenco, a construção e o braço firme da direção continuam na direção certa. Uma pena claro não ser um mergulho da Cia. inteira. Ainda há muitos atores que quando não fazem parte de um elenco pensam: -No que isso diz respeito a mim?  Palmas para a cena da curra, palmas para o embate entre mãe e filha, palmas para o bife de Úlrica e palmas para a desconstrução que Casagrande vai propondo em Henrique. O Ritmo esteve um pouco letárgico, mas obviamente a jovem protagonista tenha muitas preocupações em cena, no futuro não pode esquecer que ritmo e curva dependem muito dos protagonistas. 

                                           Um acerto a plateia em pé na segunda sala, gente bem acomodada não mergulha tanto. Quanto ao aplique nos cabelos de Clara Devi, cabe uma pergunta, por que Lorenzoni não usa peruca? Certamente por que o ator sabe a diferença entre teatro adulto e teatro infantil.  

                                           Parabéns ao esforço de cada um, e o que cada um colheu. 


Arte é Vida



                                    A Rainha


equipe de prometheus


 

Henrique e Ereda - Complexo de Elecktra


 

Grupo Máschara recebendo Grupos Toob Loook e Vemeve


 

domingo, 17 de novembro de 2024

1205- Complexo de Elecktra (tomo XXI)

                             Na década de 60, do século passado, eu ainda era adolescente, surgiram alguns pequenos grupos de teatro em Cruz Alta, motivados certamente pelas grandes Cias. teatrais que visitavam o Teatro Carlos Gomes, localizado em frente a praça General Firmino. Artistas famosos desembarcavam dos trens que chegavam à Gare, que era ponto de encontro de uma sociedade que fervilhava e que hoje infelizmente está abandonada. Bibi Ferreira, Procópio Ferreira, Cia Eva Todor, Cia. Nicete Bruno e outras tantas trupes, passavam as vezes um fim de semana, as vezes dois, com casa lotadas. Isso explicaria porque nos anos seguintes, o jornalista Paulo Pinto e o senhor Amparo Bálsamo, criaram uma Cia de artistas cruzaltense que levou ao palco dentre outros: Édipo de Sófocles. Alguns anos depois, um jovem Luíz heitor Ribas, inovava com um grupo de jovens que tentava dar vida a um teatro que banhava-se em uma linguagem e visão, muito parecidas com a do pesquisador Augusto Boal. 
                                        Foi somente em 1992 que surgiu uma turma de jovens, disposto a criar realmente um grupo, que se propusesse a pesquisar e ser bastante atuante na comunidade. Como qualquer grupo de jovens que surge, ficamos felizes, mas receosos de que fosse algo passageiro, afinal jovens tendem a mudar muito rapidamente de paixões. E de certa forma isso é comprovado visto o número de passantes que fica não mais do que um ano ou dois no Máschara e em qualquer outro grupo que conheço.
                                         Despontou logo de inicio a maravilhosa Dulce Jorge, que em papéis como Cordélia Brasil e Dorotéia, além de Antígona e Lady MAcbeth marcou a historia do teatro do interior. Outros grandes artistas surgiram, e por muitos motivos desistiram no caminho, e embora o Máschara tenha exportado grandes talentos, muito pouco fica guardado de seu trabalho para a posteridade. Em 2000 desponta o diretor Cléber Lorenzoni, com uma energia motivadora, capaz de atuar, dirigir, coreografar, impulsionar muitos que vieram com ele, e confesso que durante muito tempo me frustrei um pouco ao perceber que sempre ele era o único que ocupava esse lugar de prima dona. Quem amis perto chegou até os anos 2010, foi Angélica Ertel, também com uma atuação forte, intensa, impecável. Há sim lugar para todos, no entanto vejo que os jovens querem logo ocupar os podiums, sem se indagar se merecem realmente esses lugares. Não é sobre fazer uma cena bonita, não é sobre usar uma maquiagem inesquecível, ou decorar um longo texto... É sobre personalidade cênica, sobre querer melhorar, crescer, transformar pessoas, abrir caminhos, defender as artes...

“O ator deve trabalhar a vida inteira, 
cultivar seu espírito, treinar sistematicamente os seus dons,
 desenvolver seu caráter; jamais deverá desesperar e 
nunca renunciar a este objetivo primordial: 
amar sua arte com todas as forças e amá-la sem egoísmo.”
Constantin Stanislavski
                                     

                    

                           No entanto nos ultimos anos, começaram a se estabelecer talentos, forças que marcam por sua entrega, por sua busca intensa e quase paralela à do diretor. Há alguns anos Alessandra Souza  (que aliás estava na plateia), despontava  como  grande interprete,  e hoje no  palco do Palacinho  revi  um elenco forte, com grandes nomes do atual   teatro cruzaltense. Renato Casagrande,   Fabio Novello e  Douglas  Maldaner marcam por sua intensidade, por sua entrega. E apesar dos   problemas de cena que percebi,  é preciso mencionar a força de Casagrande, a potencialidade de Novello e a disponibilidade de MAldaner. É difícil lutar com nossos vícios, com os desafios que o teatro impõe, estar sempre, sempre, sempre disponível. Até por isso essa senhora nunca se disponibilizou a teatrar. Tomei outro caminho, embora jovem tenha por algum momento me deixado tocar pela arte, rapidamente meus pais me levaram ao altar e me tornei mãe. Hoje em dia certamente escolheria o palco.

                             A atuação de Clara Devi foi digna de uma grande atriz, da grande atriz que se tornou, e que devemos respeitar, por uma trajetória que vem sendo construída há um bom tempo. Romeu Waier esteve fascinante, com um controle cênico perfeito, a caixa fonética em perfeita ressonância, e achei incrível a menção às tantas heroínas do teatro grego. Sempre impliquei com lentes assustadoras com esse clima halloween infantil, mas a prótese de Romeu Waier foi perfeita.  Leonardo Teixeira merece aplausos pela força e energia, não parece que estamos assistindo um novato, ao contrário, parece que estamos a frente de alguém que tem muito teatro dentro de si. A equipe técnica estava tão ensaiada, preparada, que não víamos de onde vinham luzes e sons, perfeito. 

                               Ao final vemos os mais jovens, Ana Clara Kraemer, e Kleberson Ben correndo para lá e para cá, quais formiguinhas, parabéns a esse "estágio" que o Máschara oferece, dando possibilidades de aprendizagem aos jovens que chegam para teatrar.

                             Parabéns ao Máschara pela energia, pelo respeito ao teatro, por não se permitir fazer qualquer coisa de qualquer jeito, isso mostra o cuidado com o público, o respeito pelas plateias. Deveria falar sobre a mise en scène, falarei na próxima análise. 


                            O melhor: Os embates entre mãe e filha

                            O pior: os imprevistos de última hora que pegam a todos de surpresa e que podem colocar todo o trabalho em perigo.


Complexo de Electra- 

Direção e dramaturgia - Cléber Lorenzoni

Elenco- Clara Devi

             Cléber Lorenzoni

            Renato Casagrande

            Fabio Novello

            Douglas Maldaner

           Romeu Waier

           Leonardo Teixeira


Operador de Som - Ellen Faccin

 Contra-regras Kleberson Ben

                        Ana Clara Kraemer

Recepção-       Antonia Serquevitio

                       Carol Guma

Apoio-            Dulce Jorge


  Arte é Vida

                          


                               A Rainha

                                   

Elenco e público de Complexo de Elecktra reunidos após espetáculo


 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

1203/1204 Os Saltimbancos (tomo 51) O Castelo Encantado (tomo 137)

 Sempre que falo no palco e nas suas vicissitudes, reflito que o teatro acontece graças as pessoas, aos atores, aos artistas, que se doam para que o público se transforme. As vezes você percebe antes mesmo de começar, que o público possivelmente não está aberto a transformação, as vezes os atores estão tão, tão focados em atuarem bem, a fazer bem determinada "coisa" que o diretor, ou a equipe definiu, que ele sequer pensa do palco para fora. É preciso pensar do palco para fora. É isso que diferencia, atores profissionais de principiantes, ver fora da caixa, da caixa preta  no caso. As vezes o ator foca em acertar a maquiagem, e aí o espetáculo que deveria iniciar Às nove, inicia nove e quinze, porque o ator pensou que seu delineador é mais importante do que tudo, sua sombra de cor bonitinha, seu batonzinho da cor certa. Por isso quando atores mais velhos dizem: -O bom de ser velho é não precisar de maquiagem! -Não estão na  verdade  falando da maquiagem, mas que alcançaram uma maturidade na qual se dão conta que existem tantas coisas mais importantes. Eu particularmente sentada na primeira fila, adoro boas maquiagens, mas estou mais interessada em boas atuações. E isso na verdade deveria ser a preocupação de todos os atores. 

Na cena dos quatro cantores de Bremen, adaptados por Chico Buarque, se viu lindas maquiagens, e a reprodução de um  espetáculo que acaba por ser prejudicado pela formalidade que a dublagem propõe. Ou seja, o elenco não pode improvisar, interagir, pois o espetáculo é muito gessado. Ele até combina com grandes espetáculos a céu aberto, quando o público está longe, e tal, mas em uma situação em que a criança está tão próxima, seria importante a troca acontecer. Claro que me pergunto:-Será que todos os atores da cena percebem a plateia? Compreendem a importância da troca, da aproximação? Acredito que infelizmente não! Ao contrário, tenho a sensação de que se perguntar aos atores após o espetáculo: - Ei vocês viram quais profes estavam filmando, quantas crianças estavam sentadas no chão, onde estavam sentados os organizadores do evento, o que os livreiros faziam durante o espetáculo, etc...? -Não saberiam me dizer, e isso responde muito sobre o tipo de atores que estavam em cena. 

Durante o primeiro espetáculo, ouvimos tudo, e preciso aplaudir a cena do dó, ré, mi, sem duvida a cena mais bonita. Os saltimbancos do Máschara tem um problema de roteirização, do nada, simplesmente, de repente, acaba. Talvez a dicção de alguns atores pudesse se melhor trabalhada. Uma dica para os coadjuvantes, canalizem melhor o trabalho. 

Há sem duvida três tipos de atores, de integrantes da cia máschara. Os que querem ser bons, melhores, magníficos. Os que querem fazer bem sua parte e os que querem apenas ganhar um troco e talvez alguns aplausos. Ainda assim cada um deve executar bem sua parte. Parabéns a jovem Ana Clara Kraemer. 

No espetáculo O Castelo Encantado, o que se viu foi uma bela tentativa do Grupo em ofertar ao público a possibilidade de participar, de ouvir a cena. Lorenzoni e Casagrande com um belíssimo trabalho vocal, que é reflexo de trabalho, de ousadia, de esforço. Na contrapartida, Kleberson  e  Ana Clara precisam  de muito mais trabalho vocal. As cenas bem desenhadas espalharam-se por dois palcos. Tive a sensação de que o público formado em sua maioria por alunos, não está muito acostumado ao teatro. Conversas paralelas, desinteresse e ruídos mil. Fabio Novello pode se apropriar mais da sonoplastia e mesa de som quando isso lhe cabe. Há detalhes que não compreendi, como o anão sem tambor, o avental e o pau de macarrão que estavam na cena de Clara Devi e que pois não estavam no cenário, a tentativa de Antonia Serquevitio de abrir a cortina quando os contadores de historia surgem no final...

Possivelmente falta de ensaios. Falta de dedicação.

O melhor: A dedicação dos jovens Kleberson Ben e Ana Clara Kraemer.

O pior: O volume baixo em contraste ao microfone usado na apresentação.




O diretor Kléber Lorenzoni ao lado do público em Giruá

 


domingo, 3 de novembro de 2024

1202 -Espetáculo convidado- Complexo de Electra - Grupo Teatral Grupo Máschara (tomo 20)

 Espetáculo convidado- Complexo de Electra - Grupo Teatral Grupo Máschara

Quando as portas do teatro João Pessoa se abrem, não apenas um lado, as duas folhas, você sente um arrepio, você olha para cima, para o teto pintado, para as galerias, para as cores... Impossível não sentir a energia, das milhares de pessoas, das centenas de espetáculos, da vida que há ali. Durante a semana toda na qual estive em Rosário, fiquei pensando como seria colocar ali nosso espetáculo uma única vez apresentado em palco italiano. Palco alto, distante do público, profundidade grande, e ao mesmo tempo espaço estreito. Como dar ao público exatamente as sensações que buscamos nos anos de pesquisa e construção de cada detalhe desse nosso bebê? Mas o teatro é esse salto mortal sem rede, esse saber que nos consome, esse arriscar que nos desafia. Você caminha para o patíbulo mesmo sabendo que ali pode se dar o seu fim.
As portas se abrirem com alguns minutos de atraso pois nossa equipe de iluminação tinha muitos detalhes para decidir, fazer conceções, aprender códigos e sobretudo, adaptar dentro das opções que tínhamos. Gratidão à Fabio Novello, Junior Lemes e Kleberson Ben, vocês fizeram o possível. Renato Casagrande/Henrique deu o tom do espetáculo no prólogo em que Orestes lê a carta enviada pela irmã que busca vingança. Acredito que Ivo Bender tentou retratar Pílades, que ergueu a faca ao lado de Orestes e que depois casou-se com Electra, através do seminarista interpretado aqui por Leonardo Teixeira. Nossa, seu Bender era muito inteligente. São muitas camadas, em um texto escrito há mais de dois mil anos. Quisemos levar apenas o mito, mas parece impossível não carregar uma bagagem de signos conosco. Ulrica, mãe dolorosa, esposa infiel, assassina impenitente, é junto a Medeia, Fedra e Electra, um dos mais complexos personagens femininos da tradição trágica ocidental, irmã de Helena, sim aquela belíssima que fez cair Tróia. Clitemnestra foi dada por seus pais Tíndaro e Leda, em casamento à Agamenon, que quando entra na banheira para morrer traz nos ombros a morte da filha Ifigênia. Inúmeros detalhes que tornam tudo mais apimentado e saboroso, melodramático, eterno... Como se não bastassem todas essas camadas, ainda havia nesse dia a estreia de Clara Devi, um importante membro de nossa Cia. teatral, Clara caminhava nos rastros de outra grande atriz Alessandra Souza, criadora do papel da heroína, e não deixou a desejar, na verdade encontrou seu tom trágico, e me deu uma Elektra de palco italiano, enquanto a outra me dera uma elektra de gabinete. Como diretor preciso agradecer a coragem, o desafio, o sacrifício. Foi como se Devi sacrificasse uma parte de si para chegar a sua Electra, talvez tenha sacrificado a Ifigenia (seu lado doce, meigo) que sempre vimos em Clara, para dar lugar a uma outra parte de si mesmo. A princesa sempre presa no sótão, quieta, que anda pelos corredores do palácio do Máschara, sem falar o que pensa ou sente, já que as vezes se sente explorada pela mãe, a poderosa Rainha de todo sempre. Mas Sua vingança, ou seu justiça foi feita quando ambas no proscênio são aplaudidas igualmente, provando que são realmente iguais, Clara e Cléber. Ufa!
Como tio Bertold, um Fabio Novello mais preparado, mais maduro, na ousada contravenção da direção que desrespeita as regras de Aristóteles e traz a morte para a cena. Ainda na principal circunstancia dada, ao modo do mestre Stanislavski.
Douglas Maldaner também amadureceu muito, na verdade ele é o micênico camponês casado com a princesa Electra e que na versão original narra os fatos conturbados da vida da mesma. Maldaner fica nu em cena, e enquanto colega de cena ousaria perguntar a ele, por que aceita ficar nu? A resposta, clara em sua mente, deve ser o fio que conduz sua trajetória no teatro.
Atrás das rotinas do palco, de suas fabulosas coxias e rotundas, pesadas, de veludo, que parecem descer dos céus e varrer as tábuas sagradas, correram muito Ana Clara, Roberta, Karina, Antonia Serquevitio, Carol Guma, correram de um lado para o outro, para levantar um sonho, trabalha-se tanto por algo que dura cinquenta minutos ou pouco mais, e parece que todos sofrem juntos, amadurecem juntos, espero que aprendam juntos. Poderosas partituras, físicas e vocais, Romeu Waier em uma participação muito especial que pontua sua carreira e desafios. Um brilhante colega de cena que em dois ensaios compôs a representação dos deuses sobre o palco, trazendo com ele toda a maldição das Erínias: Tisínea, Megera e Alecto, em uma cena que tem seu mote no trabalho visceral e na pesquisa antropológica, ainda que instintiva. Ulrica morre nos braços dos filhos e é devolvida ao esposo, mas as fúrias jamais perdoarão os netos de Tíndaro: -O olhar de nossa mãe me prosseguirá para sempre Ereda! Pronunciei meu texto com toda a força de meus pulmões, foi para isso que fui treinado, olhei com profundidade para cada colega e tentei fitar profundamente cada pessoa na plateia, foi isso que aprendi com o mestre Helquer Paez, improvisei quando o fogo invadiu o altar dos Deuses de Ulrica e tentei fazer parecer que era proposital ainda que minha mão esteja ardendo até hoje em mais uma das cicatrizes que o teatro vai nos dando. A curva se estabeleceu, o final teve sua apoteose e fiquei muito orgulhoso de minha prole, apesar de todos os sacrifícios. Sou muito grato a minha operadora de som Ellen Faccin, parece que a arte nela compreende muito bem minha arte em cena. É importante saber que na arte um depende sempre do outro, em uma linha muito tênue...
No Máschara há uma cartilha, preparada durante muito tempo, para manter algumas regras de convívio e produção. Não podemos viver lutando por uma economia criativa e nos comportando como um grupo de adolescentes que vai atrás de uma "tia" imaginaria fazer seu teatro, precisamos buscar o profissionalismo, lutar por um plano de carreira. Ao contrário do que se diga, aqui não é o lugar do tudo pode. Não é o espaço da libertinagem ou da brotheragem. Quero por tanto parabenizar Renato Casagrande e Fabio Novello por serem peças chaves e torcer que Clara Devi e os que vem chegando, Klebersona Ben que agora passa a ser parte da família, compreendem sempre que são das regras que nascemos e nelas nos fortalecemos, ou seriamos apenas um grupo de amigos tento um hobby. Teatro pode ser um hobby, mas essa palavra pode passar uma ideia de que tudo bem ser feito de qualquer jeito, e não, não, não, trata-se da nossa profissão. Fazer parte de um grupo de teatro, ou participar de uma peça é muito fácil, mas lutar por um sonho, por uma pesquisa, por uma transformação, isso não é muito fácil, e exige dedicação.
Obrigado ao festival por me homenagear em vida, obrigado pelo carinho dos grupos de teatro, de quem sou eterno fã, tentei imaginar que tudo aquilo era para minha querida Ulrica e as dores que sofri para pari-la, para lhe permitir ocupar minha mente. Obrigado ao meu grupo por cada tapa, cada esfolar de joelhos, cada empurrão, por tudo ser verdadeiro e matar minha fome, minha sede, minha ânsia. Aos nossos pés estava minha querida DUlce Jorge, nossa Gaia, observando cada gesto, cada sonoridade, cada gota de suor, dali partiu tudo, por isso a amo e odeio, é preciso ter força contrária para sermos dignos do palco. Evoé!