1117- Dona Flica e seus dois maridos (tomo 3)

Ao pisar dignamente e com profissionalismo em cena, um ator está brindo espaço para centenas de outros que virão depois dele".



                            Essa máxima eu ouvi  do diretor Lorenzoni em uma das primeiras conversas que tivemos. Foram várias em todos esses anos que acompanho seu trabalho. E com ele aprendi muito que somando às minhas leituras e observações me credenciaram a analisar o bom teatro. Não sei atuar, como já disse em outras análises, mas admiro o ator, o graúdo e o inflado. Admiro a dúvida, a coragem e o zelo pelas coisas de teatro. Esparramado pelo palco do centro cultural de Alegrete/RS, o cenário de Dona Flica e seus dois maridos estava lindíssimo. Simples, tonalizado, coeso. Gosto de como o Máschara coloca sobre o palco apenas o necessário, o que tem significado. Sei que a trupe tende a trilhar os caminhos de Grotowski, e é muito pontual em suas escolhas. Dona Flica vive em um apartamento onde quarto, cozinha e banheiro devem ser muito pouco visitados, é na sala em frente a tv, onde muitas vezes a vida do idoso acontece. Figurinos assinados por Renato Casagrande que talvez não tenham um forte apelo estético como pediria Meinenger, mas que conversam brilhantemente com o cenário. A quarta parede é elástica, vai e volta tocando a plateia, no entanto a fé cênica de Dona Flica e do Gauchão influencer são tão profundas que Antoine certamente iria rever sua nomenclatura. 

                    O desenho e cena é funcional, embora por vezes um tanto repetitivo. A sensibilidade por outro lado, com que a trama vai se desnudando, nos convence mesmo do trabalho corporal as vezes logicamente incoerente de Dona Flica. A sensação que temos é que ela tem 80 anos no inicio doe espetáculo  que encerra com pouco mais de cinquenta anos. Decroux com certeza está ali, há conflitos, desequilíbrios de luxo que Barba aplaudiria, e para os quais talvez Meyerhold torceria o nariz. Mesmo interpretando idosos, há coluna, há planos, há tônus, há um élan poderoso. 

                          Mas um teatro não é reflexo de dois meses de ensaios apenas ou de suas teses corporativas em volta de uma mesa de ensaios. Um teatro como o do Máschara é reflexo de estrutura, de bagagem, e talvez, por isso Dona Flica têm causado a sinergia que vimos no Alegrete. Quatro atores maduros, todos em status um e dois do Máschara. O que significa muito. 

                            A assinatura dramática fica por conta de Cléber Lorenzoni com a escada perfeita Raquel Arigony, o olhar cômico é acrescido pelos altos cômicos. Cada um com seu espaço, brilhando muito. O clima vaudeville nas trocas de roupas, os espasmos, as gags, tudo funciona. A curva dramática ficou levemente esgarçada e talvez a saída de Rodrigo Fagundes pudesse ser mais rápida depois que ele tem o esquecimento. As quedas de chapéus atrapalhando o desenrolar da cena, podem e devem ser resolvidas. A trilha sonora extremamente alta, o inicio sem desenho de iluminação. Primeiro blackout, depois poltrona, depois contra. 

                              O texto final de Dona Flica não foi contundente como já o fora, deve ser revisado para o aprimoramento da ideia, há também que se cuidar o final, em algum momento pareceu que a interprete de Beatriz estava perdida, e entrava e saía, sem que compreendêssemos se era agradecimento ou não. A trilha é muito bem escolhida, se bem que durante a cena do "gauchão" não consegui ouvir parte do "quiprocó", havia algo errado na execução. Não sei se estou certa, mas ouso dizer que não havia retorno. 

                                 Fabio Novello esteve muito bem em cena, não me recordo agora o nome da personagem, mas esteve inteiro o tempo todo. 


                                O melhor: O jogo cênico de quatro ótimos atores.

                                         O pior: Talvez o volume alto da trilha.


Raquel Arigony (***)

Clara Devi (**)

Antonia Serquevitio (**)




A Rainha                                Arte é Vida

                              

                          

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