Uma Constelação
O melhor da dramaturgia que adapta historias, é a capacidade de
embaralhar cenas e recolocar tudo sobre a mesa. Colocar um clássico sobre a
mesa não é tarefa fácil, afinal de contas o público já tem muitos pontos de
vista sobre o trabalho assistido. Olímpico, Gloria e Macabéa parecem ser
personagens de domínio público, todos tem algo a dizer sobre eles, todos tem um
ponto de vista e isso complica o trabalho do criador. Apertada em uma pensão
lotada de criaturas adversas, mal tratada por um patrão severo, sem vaidades e
com dificuldade de se entrosar, Macabea acaba por ser praticamente um
anti-herói. Durante quase sessenta minutos, você consegue amar e odiar Macabéa.
Cléber Lorenzoni brinca com nossas emoções. Nos faz amar Rodrigo S. M, depois
odiá-lo, nos faz amar Olimpico, depois odiá-lo, nos faz amar Macabéa e as vezes
perdermos a paciência com ela. Enfim, rimos e choramos enquanto Cléber parece
nos vigiar das coxias, do fundo do teatro e até mesmo de cena.
O visual do espetáculo
tem algo de operístico, com grandes divas. Em espetáculos do Máschara
dificilmente há coadjuvantes, todos ganham grandes cenas, grandes personagens,
grandes espaços para todos. Alguns se destacam, outros talvez não rendam o
quanto poderiam. Mas todos tem oportunidades, e sempre foi assim. Em
Esconderijos do Tempo, Ele deu lugar para quatro grandes atrizes; Em Tarufo de
Molière, Valério foi tão valorizado quanto qualquer outro personagem e O Pudim
de O Incidente teve status semelhante ao dos outros seis mortos de Antares. Os
atores do Máschara recebem oportunidade roubar a cena, de brilhar e de se
tornarem grandes, mas cabe a eles buscar o apuro, o brilhantismo.
Aristóteles dizia que o teatro deve causar a dor e a piedade da plateia.
Saí do teatro com dor na alma e tomada de piedade, nem ao menos consegui
observar o vaudeville no foyer, precisava correr para casa, vestir meu chambre
que combina com a pantufa, precisava observar meus dois netos dormindo e sentir
o quanto são lindos e dormem como anjos que apenas fecharam os olhos. Precisava
do silencio, o silencio que preenche por ser tão cheio de ruídos. O maior ruído
é o som do Tic Tac do relógio da vida, o mesmo relógio que pesa sobre a cabeça
do doutor, sobre as decisões de Raimundo, sobre o tempo de vida da Tia de
Macabéa, sobre o destino nas cartas de Dona Carlota e que Rodrigo S. M marca
qual ponteiro na segunda cena do espetáculo.
O
cenário é pobre, como apreciaria
Grotowski, mas o volume de espaço usado é grande, quente, preenchido
pela batuta afiada que desenha marcas e ações funcionais. Adereços e figurinos
muito bem escolhidos, com uma belíssima pesquisa. A paleta de cores valorizou
espaços que a luz não conseguiu. A cena final por exemplo, precisava de
penumbra, no entanto tudo estava tão claro que era difícil concentrar-se.
Os antagonistas
estiveram perfeitos, Maldaner e Guma conquistaram a assistência com cenas
divertidas e intensas. Hoover é mágica e Casagrande conduz o espetáculo com um
verdadeiro primeiro ator. Ao contrário das outras vezes, consegui sentir o
encontro entre a frágil moça do interior e o vendedor de pipocas. Havia algo de
Chaplin e a vendedora de flores em seu encontro.
Pavarotti da o tom da cena central e nos transporta para um lugar perfeito,
que nos lembra que a vida é puro drama. Um Drama, uma tragédia sem solução. O
poder absoluto, sempre presente nos espetáculos do Máschara, define o destino
das personagens e ele é implacável, como é o teatro, como é a trajetória dos
atores, implacável!
Fui ao teatro com minha sobrinha e olha que curioso, ela está lendo
Christopher Vogler, então saímos do teatro falando da jornada do herói, e consegui
localizar não só os doze passos, como o triunfo ofertado pelas ninfas, as três
que vestem Macabéa no final, a tia, Dona Carlota e a proprietária da pensão. A
Deusa do Amor é quem narra a historia ao lado de Narciso, dessa vez sem seu
fálico topete.
O Melhor: Um bom espetáculo para
divertir-se e emocionar-se na noite de domingo.
Não costumo nominar os Anciãos, mas preciso homenageá-los pelo requinte
de suas atuações.
O Pior: A falta de ritmo
do espetáculo.
A
Rainha
Espetáculo A hora da Estrela
Produção-Grupo Máschara
Direção - Cléber Lorenzoni
Elenco: Alessandra
Souza, Renato Casagrande
Douglas
Maldaner (**) Carol Guma (***) Romeu Waier(***) Dulce Jorge, Cléber Lorenzoni,
Raquel Arigony(**), Clara Devi(**), Ricardo Fenner, Nicolas Miranda(**),
Antonia Serquevitio (**), Laura Hoover (**)
Técnicos -Fabio Novello
e Ellen Faccin (**)
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