1102-Paixão de Cristo (tomo IV) A mãe do Redentor

                  Das mais de duzentas e cinquenta linhas do texto entre réplicas e tréplicas, escritas por Cléber Lorenzoni, destacam-se passagens como: "Não  apontais teu dedo Tomé!" "Não cobrais tanto do teu próximo". "Cada um tem a medida exata do que pode dar". As vezes pensamos que sabemos o que é melhor para o outro...". Essas e muitas outras parecem se enquadrar perfeitamente à filosofia do Máschara. Uma filosofia que vem sendo desenvolvida já há alguns anos. Poderia dizer a filosofia Cléber Lorenzoni? Onde em primeiro lugar vem sim o público, as plateias; E não são os atores, públicos de si mesmos? 

                     A filosofia de Lorenzoni começou a ser criada em 1998, ainda durante os ensaios de Dorotéia de Nelson Rodrigues. Ela se resume em doação e arte em primeiro lugar. Talvez por isso, hoje pela manhã enquanto fazia compras, surpreendi-me com os coelhos do Máschara, mesmo após aquele exaustivo trabalho na noite da sexta feira santa. Comandando a festa, o próprio diretor, explosivo, intenso, senhor de seu palco. Cercado de outros grandes talentos: Fabio  Novello, Renato Casagrande e Ellen Faccin em seu melhor momento. O teatro é assim, uma atriz vem, outra vai; um ator surge, encanta e então é a vez de outro. Poucos mantém-se sempre no podium. 

                      Mas voltando a noite anterior, vemos uma multidão, a maior da turnê. Talvez isso reforce a percepção de que o teatro é em si o reflexo de uma comunidade, seus talentos, sua cultura, suas revoltas... E o Máschara é muito a voz de Cruz Alta. Três palcos! Atores e atrizes que subiam e desciam, portas que se abriam e fechavam. Um longo manto azul, roupas negras, desbotadas ou enlameadas, uma escuridão que só era quebrada por Jesus, ou por Salomé, que aliás foi a figura mais atraente do espetáculo. Quem estava perto do palco jura tê-la ouvido gritar por João enquanto torturava Jesus. Seria ela a criatura que mais precisava de amor em todo o espetáculo? O amor inalcançável de Yocanaã? 

                         Algo que me atrai muito no texto perspicaz de Lorenzoni, é sua delicada opção de a cada ano nos contar novos detalhes, conhecimentos gerais sobre o contexto bíblico, e já que falamos demitologia cristã, é importante nos atermos a alguns acontecimentos. O espetáculo fala muito de amizade. Jesus chama os discípulos de amigos, Pedro, o amigo mais querido, ergue o braço de Judas como outra amizade importante, ainda encontra o primo João Batista e nos contextualiza a importância do mesmo, que o batizou e é filho de Zacarias, João cresceu no Nazireu, não bebia vinho, nem tocava em mortos, o que dizem o fez sofrer muito quando seu pai morreu e não pode ajudar nos serviços fúnebres.  O joão Batista de Renato Casagrande seu segundo aliás, abre o espetáculo falando daquele que virá, e com muita alegria derrama a água do Jordão em Cristo. Este, está cercado por Lazaro e por um de seus apóstolos. Eis aí o grande poder da convenção, que nos convence de que estamos em Jerusalém, de que aquele pequeno caminhão é nada menos que a corte de Herodes. A passagem de tempo também, embora siga a ordem cronológica dos eventos, segue aos saltos, para que compreendamos o âmago da trama. 

                                 As mulheres estavam um tanto exageradas em suas maquiagens, como se todas estivessem indo a alguma festa na noite de Jerusalém, o que aliás enfeiava seus rostos quando o delineador escorria. Rostos melecados de delineador nada tem a ver com grandes atuações. No palco do sinédrio boas atuações, no palco da crucificação a pesar de um diretor que vê as cruzes não sendo elevadas, também boas intepretações. 

                                     O Kaifaz de Romeu Waier foi construído com uma sutileza que abriu bastante espaço para o Anaz de Casagrande. Talvez pudéssemos ter visto mais da personagem. Os sacerdotes do templo todos se esforçam e conseguem mostrar a corrupção religiosa da época. É importante também pensar que religião é um conjunto de práticas e conceitos, baseados em escrituras sagradas. A religião Judaica nos vem de Moisés, e da Torá. jesus não é rei dos Judeus, mas de uma doutrina que se estabelece e que se tornará o cristianismo. Obrigado Grupo Máschara por nos salpicar conhecimento para que busquemos aprender ou abramos nossa cabeça para tantas coisas e conceitos. 

                                        O teatro tem um poder tão grande, o palco, o microfone, a câmera. A plateia vai se envolvendo, o ator vai se entregando e isso fica visível principalmente em Anderson e Gabriel, também em Ana Clara, Rafelo e Clebersom que após quatro apresentações seguem com expressões muito mais valentes, com personalidades cênicas em desenvolvimento acelerado. Espero que continuem trabalhando e buscando o conhecimento cênico. 

                                        Devo parabenizar aqueles que interpretaram mais de um personagem. Ricardo Fenner, Renato Casagrande, Nicolas Miranda, Gabriel Teixeira, Anderson Botega, Jesmar Peixoto, Henrique Arigony, Douglas Maldaner, que aliás interpretou quatro papéis, assim como Renato Casagrande. Talvez as maquiagens pudessem ajudar um pouco mais nessas transformações, afinal na rua, o que mais pesa é o visual, grandes figuras são dificilmente confundidas, mas quando e interpreta na rua, com um figurino um tanto semelhante, a dificuldade do público diferenciar um e outro  personagens é alta. 

                                    Chegamos ao final do espetáculo com uma surpresa, a mim, apoteótica, Jesus surgiu por detrás da multidão e nos emocionou de forma ímpar. Foi sem dúvidas um curso intensivo de teatro, cansativo possivelmente se levarmos em conta os ensaios. Com grandes somas de conhecimento e ensinamento.  Nos vemos em 2024, com um desafio muito grande para esses artistas, surpreender novamente e nos contar outras peripécias e outros personagens. 

                                       


                                         O Melhor: A corte de Herodes e a ressureição de Lázaro além da capacidade de tanto atores em interpretar mais de um personagem.

                                      A Capacidade de Cléber Lorenzoni em ser dramaturgo, diretor, ator, produtor e professor de teatro, tudo ao mesmo tempo.

                                   

                                           O Pior: As cruzes que não foram elevadas, a escada que revelava o tempo todo a insegurança do elenco. 

                                             

Arte é Vida


A Rainha



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