1097-A Paixão de Cristo - (tomo 1)

 1097- A Mãe do Redentor

Esteio/RS

Estreia


Um mundo totalmente novo...


            Todas as vezes que me surpreendi com o Máschara, eu pensei: -"Pronto, chegamos ao máximo que se pode esperar de tal montagem." Hoje, na apresentação de Esteio/RS, estreia de um dos maiores projetos do Grupo, eu tive certeza de que ainda vou me surpreender muitas vezes. Quando eu assisti a primeira versão em 2017 eu me senti em frente a um colosso, um milagre, um estrondo dos Deuses, algo que imaginei que jamais alcançaria novamente o frescor. 

                   À frente um único palco, uma praça pequena, às minhas costas uma chama acessa por todo o tempo em que o espetáculo aconteceu. Uma hora e quarenta e sete minutos de emoção, de desafios e de uma plateia concentradíssima. Ávida pelo desenrolar de uma historia que embora muitos conheçamos, nos renovam esperanças e mechem com grandes estruturas ancestralizadas em nosso íntimo.

                   A mãe do redentor, certamente não é a mulher sobre o altar da igreja, vestida de azul e cercada de flores, mas a mãe, que mesmo em uma sociedade patriarcal, preparou aquele menino para ouvir, suportar, amar... Custe o que custar.  Eliani Aléssio abre o espetáculo ao lado de Jesmar Peixoto, Bibi Prates e Henrique Arigony. Uma cena encantadora, que fala em hierarquia, em fé, em família, em humildade e é claro na devoção.  Eliani substitui Dulce Jorge, que pela primeira vez não conseguiu participar da turnê. E está brilhante. Intensa. Digna de usar o centro do painel de divulgação do espetáculo. Os olhares, o corpo, a força, Tudo emana seu talento. Os pequenos herdeiros da clã Arigony Prates, destacam-se pelo respeito ao palco e aos diretores, destacam-se pela seriedade com que enfrentam as dificuldades que o teatro lentamente vai lhes impondo e que são muitas. O teatro ocupa esse lugar complexo e nos desafia todos os dias, desafia nossos medos, nossas sabedorias. Peixoto luta com elas e tem alcançado bons progressos. Mas o teatro fala de espaços, cada um conquista o espaço que merece. Talvez por isso Peixoto abra o espetáculo.

                  Essa senhora, como já contei em outros momentos, subi no palco apenas uma única vez, há muito tempo atrás e fui terrível, senão pelo despreparo, então pela voz fraca que sempre tive. A voz é quem conta, explica, educa e envolve. Que vez é aquela que ecoa pelas montanhas e vem se encontrar com outra voz, tão poderosa também. A voz dos interpretes de João Batista e Yeshua são vozes que personificam criaturas. Talvez por isso seja ainda Lorenzoni quem interprete o papel mais difícil do espetáculo, ou é por que ele precisa se entregar sob qualquer situação? Ou por que ele consegue dirigir os colegas enquanto atua? Ou por que ele tem uma compreensão do espetáculo como mais ninguém, já que ele escreveu? Ou por que no fim das contas ele dentro todos é o que merece o melhor e o pior desse espetáculo?  A grande Marquise, atriz da Comedia Francesa do século XVII, costumava dizer que ser um ator trágico é aceitar morrer um pouco a cada vez que se sobe no palco. 

                    Ainda no elenco principal, a volta da grande Atriz Angélica Ertel, outra surpresa que nos puxa o chão e nos joga na prazerosa nostalgia que só o palco oferece. Glorinha e Mario se reencontraram em outra época, como Jesus e Maria de Magdalem. E agora ela canta e atua com o peso de uma atriz monstra. Dessas que engolem colegas de cena com sua força quando eles não sabem oque  fazem ali. O lindo, é que Ertel tem a generosidade de subir levando juntos os colegas ao seu redor para que brilhem com ela. Como se faz isso? Anotem, devolvendo réplicas cheias de intenção, quais pequenas explosões, para que os  colegas de cena possam mostrar seu talento. 

                    Ainda no elenco principal, Romeu Waier como Kaifaz, Renato Casagrande como  João/Anaz/Soldado. Como esses atores conseguem se espalhar pelas praças interpretando, montando cenários, compondo e organizando? Não sei, parecia uma grande avalanche de emoções. Romeu Waier precisa ficar atento para que a estética não  queira ser mais poderosa do que sua atuação. Essa é uma preocupação que Ellen Faccin também deve observar. A estética é de suma importância, mas deve conversar com os outros lados da esfera. Essa última guardou-se por muito tempo e nos brindou com uma personagem muito rica em peculiaridades e que me fez lembrar muito da rainha Jezebel, antecessora de Herodes e que também odiava profetas. A Salomé de 2023 é uma psicopata apaixonante. Ao lado dela Douglas MAldaner brilha com um dos papéis mais exigentes do espetáculo, o Rei Herodes, todos os anos eu fico aguardando. É meu personagem preferido, guardo todos comigo, Fabio Novello , Samuel Ciotti, Vagner Nardes, e Romeu Waier. Douglas Maldaner cumpre e preenche, com possibilidades de grandes atores, talvez seus colegas pudessem incentivá-lo mais, este atore entrega-se de uma forma muito doce e o público tende sempre a gostar muito dele. Confesso que ja aguardo ansiosa para saber quem será o Herodes de 2024.

                          O visual do espetáculo, e é impossível não mencioná-lo durante toda a análise, pois ele compõe também o elenco. A direção e a equipe de figurinos criaram uma obra artística única. Os visuais conversam com a postura dos artistas. O universo medieval da corte, foi ímpar. Talvez a cabeça de Claudia pudesse ser mais europa do século XII para conectar-se com a torre perfeita que está representada por Pilatos. A coroa do Bárbaro rei Herodes, e o visual druída da Feiticeira, completam-se com a riqueza de detalhes na nórdica princesa Salomé. Se compreendi a concepção, para os Romanos, europeus, aqui representados com o visual medieval de Pilatos, os povos da Judeia eram como os povos Bárbaros (gauleses, bretões, dinamarqueses) e foi aí exatamente que Lorenzoni posicionou sua corte. Fantástico. 

                                 Alessandra Souza nos emociona a todos com sua dor, precisa apenas encontrar outra forma de carregar a "efigie" do redentor. É preciso também que as mulheres atenham-se a não abrir seus mantos ao contrário. Carol Crhistie está em outro grande papel, e pareço sentir, se bem o conheço, a agonia de Cléber em apenas poder ouvir as atuações na corte, já que está posicionado de costas. Fique tranquilo senhor diretor, estão todos perfeitos. Talvez alguns pequenos equívocos, causados por falta de recursos... Coisas que devem ser buscadas pelos atores a vida inteira. Ana Clara ainda se destaca em cena como a frágil escrava, mas até o final da turnê, pode e deve pesquisar-se mais. Fenner ainda brilha como um dos senhores do sinédrio. Aliás, Sinédrio e Cenáculo são duas cenas de pesos muito paralelos. Cenas cheias que nos tocam pelo poder da aglomeração. Cenas épicas. Parabéns ao pequeno Felipe Brandão e a leveza dos atores ao interpretar os discípulos. 

                                   Raquel Arigony, Clara Devi, e Antonia Serquevitio fazem as vezes de atrizes e contrarregras. Atuar e cuidar é um grande mérito, Louros à Serquevitio pela força com que interpreta a  adultera.  Outros artistas brilham, Nicolas Miranda, Pedro Moraes, e Samuel Ciotti. Talvez seja preciso que esses dois tenham mais leveza na dublagem, assim alguns equívocos no tempo não apareça tanto.  Fabio Novello nos dá outro Judas tão grandioso quanto os anteriores. Mas sua maturidade agrega ao comportamento uma postura fracassada poderosa e a escolha em trazer Judas à cena da ressureição, nos prova que o discurso Cristão do perdão, não é demagogia.

                                     Os jovens Gabriel, Rafaelo e Eduardo, se esforçam e são dignos de elogios. Mas o teatro é caminhada longa, subir no palco e interpretar algo que foi te dado pronto para repetir é o começo, aos poucos vai virando hábito que dominamos e mais tarde experiência que somamos. O teatro é exigente, ciumento e rígido. Ele não oferece segundas chances, é importante adentrar na vida teatral não esquecendo essa premissa. 

                                         Impossível não elogiar Gabriel Teixeira e Anderson Bottega, que em poucos dias envolvidos no projeto, correram atrás, e destacaram-se. Visual impecável e presença marcante. Há o que melhorar? Muito e por isso são caminhos a serem percorridos com prazer.

                                       Obrigado meu grupo preferido de atuadores, obrigado às escolhas acertadas, ao Cristo de Branco em contraste com a escuridão, obrigado ao Lazaro que volta, e a esperança que isso no agrega. Obrigado à trilha tão correta, às aglomerações cênicas e as adaptações pontuais. 

                                           Foi sem duvida, para mim a mais madura das Paixões de Cristo. Perdendo apenas para cenas memoráveis, como Jesus e José em 2022, ou os demônios de 2019. 

    

                                             O Melhor: A interpretação de Cléber Lorenzoni que se renova e o brilhantismo em unir Pilatos e Herodes em uma só cena. 

                                              O Pior: A ausência de uma equipe técnica unicamente voltada para executar som e luz. 



Texto e Direção: Cléber Lorenzoni

Produção: Cléber Lorenzoni, Raquel Arigony, Antonia Serquevitio e Fabio Novello

Suporte em Direção: Renato Casagrande

Figurinos: Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande e Fábio Novello - Apoio Clara Devi

Trilha Sonora: Cléber Lorenzoni, Raquel Arigony, Ellen Faccin, Clara Devi

Maquiagens e Cabelos: O Grupo

Adereços: Fabio Novello- Apoio  Ellen Faccin

Suporte de Camarins: Luana Brandão, Marli Guma e Neiva Xavier

Organização: Angélica Ertel, Carol Guma, Romeu Waier, Eliani Alessio, Vitoria Ramos,                                       Alessandra Souza

Elenco: Cléber Lorenzoni, Romeu Waier, Eliani Alessio, Angelica Ertel, Renato Casagrande, Fabio Novello, Pedro Moraes, Douglas Maldaner, Ricardo Fenner, Ellen Faccin, Alessandra Souza, Carol GUma, Raquel Arigony, Clara Devi, Nicolas Miranda, Jesmar Peixoto, Samuel Ciotti, Ana Clara, Eduardo Machado, Felipe Brandão, Henrique Arigony, Bibi Prates, Kleberson Gabriel, Rafaelo Fiuza, Gabriel Teixeira, Anderson Bottega.


                                   Arte é Vida

                                                            A Rainha





                     



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