1082/1083 - Feira de Livros de Cruz Alta , 25 edições

 O Sistema?


                             O que mantém um Grupo no interior por tantos anos? Sorte? Trabalho? União? Apoio? Talento? 

                            E se levarmos em conta o valor do produto, ou seja, não é qualquer coisa que é levada ao público. Ainda que alguns digam que talvez no processo rápido de criação o apuro do trabalho tenha decaído um pouco, ainda que os detalhes por vezes deixem a desejar, ainda há uma ânsia em acertar, em ser grande. Uma empatia, um carinho com a plateia que desce do palco e nos afaga. Atores como Cléber Lorenzoni, Alessandra Souza, Renato Casagrande, Fabio Novello e Clara Devi fazem isso muito bem, envolvem o público. Acarinham. A própria Vitoria Ramos, quando está presente, é tão graciosa, tão atraente, que o público sente vontade de subir no palco e abraçar. 

                           O que acontece então? O que faz com que esse grupo se mantenha? Simples. Um sistema desenvolvido anos após ano pelo diretor Cléber Lorenzoni, onde os fins justificam os meios. Onde a  qualidade total, extrai o melhor das pessoas, que diga-se de passagem algumas vezes, nem sabem que possuem. Esse "melhor" versos o olhar "espetacular" da diretoria do Máschara, nos prende, nos convence, nos rouba. Esse sistema as vezes parece injusto, pois ele  passa por nós como um carro desgovernado. Todos colhem os frutos, claro. Pessoas anônimas, no colo do Máschara, ganham aplauso, luz, palco, vez. O amor do público e o começo de uma carreira artística. O problema é que a vida artística é árdua, a vida no Máschara é exaustiva, nosso corpo se corrompe e as vezes torna-se preguiçoso, então alguém nos corrige, nos repreende, nos critica. E lidar com críticas não é fácil. Sobretudo aos mais jovens. Quando jovens, achamo-nos perfeitos, julgamos nossa arte importante e necessária, embora antes de conhecer o teatro a fundo, nem soubéssemos parar em um palco ou abrir a boca para falar.

                            O Sistema é hierárquico. Meritório. Muitos opinam, poucas opiniões são aceitas. E tem que ser assim, opiniões demais levam povos à guerras. É preciso centralizar e ter um objetivo. O objetivo aqui é a dignidade, o empreendimento e a manutenção. Dezenas de atores jovens e adultos passaram pelo Máschara, não concordaram com seus sistemas. Principalmente por que se equivocaram nos princípios e interesses. Alguns vieram para buscar a auto descoberta, para procurar relacionamentos, para se destacar, para preencher carências. No entanto, o teatro é muito mais que isso e acaba frustrando as pessoas. Também é natural que aqueles que se destacam muito, que dedicam sua vida, acabem por aparecer mais, alcançar mais o público. Aí destaco: Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande, Clara Devi e Fábio Novello. Mas o teatro dá opções a todos. Todos tem chance, mas precisam fazer sua parte. Esperar que as cosias caiam do céu não leva ninguém a lugar  nenhum.

                                No palco da feira do livro vimos grandes coisas, dentre elas O Incidente (2005) e O Grande Circo (2021) em uma adaptação confusa mas funcional. Na feira ainda, equipe recriacionista e Tia Flica. Tia Flica é um caso a parte, tem toda a desenvoltura de uma comunicadora, com o olhar irônico de seu interprete. Tia Flica revela o poder de um interprete maduro que consegue manter-se vinte e quatro horas em seu papel, convencendo os mais desinformados que ali está uma senhora idosa.  O elenco de O incidente mudou novamente, adaptou-se em nome do "sistema". Não importa quem é o interprete, não importa se há prazer. Importa o público e o cumprimento da função. Os atores, bons, do Máschara, que ficarão para a historia, são aqueles que intenderam que primeiro vem o dever, depois seu próprio prazer. Todos, TODOS, que colocaram seu prazer e objetivo em primeiro lugar, se distanciaram ou acabaram perdendo o prazer em fazer teatro e aí se apagaram. Angelica Ertel, Gabriel Wink, Alexandre Dill, Simone De Dordi e Lauanda Varone são alguns dos que sempre colocaram à frente os interesses do Máschara. Que te devolve sempre à altura, com reconhecimento, troféus, cachês, amor do público, espaço para brilhar. Mas é preciso curvar-se ao "sistema". O teatro é ciumento, não quer te dividir. O teatro exige lealdade. 

                               Em O Incidente, todos se destacam por sua capacidade criativa e são muito elogiados, mas estão reapresentando algo, criado por Cléber Lorenzoni, Ducle Jorge, Alexandre, Dill, Gelton Quadros, Lauanda Varone, Rafael Aranha e Cristiano Albuquerque. Claro que os atores atuais devem se orgulhar de conseguir copiar e tornar orgânico algo, mas é preciso lembrar que quem criou isso são aqueles sete atores de 2006. é preciso portanto muita humildade e um exercício de altruísmo. Parabéns aos nossos atores que deram vida aos personagens de 2006 e parabéns aos atores atuais que se viram nos trinta para manter a chama e a criatividade de outros atores, vivas. 

                                            Cléber Lorenzoni é muito coerente em como coloca o grupo, em como mantém regras de postura, mas em uma feira de livros, acredito que os atores possam e devam interagir mais com o público, sem tanta exigência postural.  Parabéns ao trabalho cênico de Alessandra Souza e a rapidez com que Romeu Waier se virou para compor o seu Pudim de Cachaça. Raquel Arigony estava linda visualmente como Raquel Arigony, mas nesse trabalho pode colocar mais agilidade, gana. Incidente em Antares é de uam força assustadora, questiona valores e posturas que Erico provavelmente não imaginaria que ainda seriam tabus em 2022. Claro que um artista perspicaz devia saber que o mundo é feito de ciclos e o livre se repreende, e o repreendido alcança liberdade, em um loop infinito. A agressividade, a explosão, a revolta dos mortos, ao mesmo tempo a tranquilidade, a ironia, a sagacidade. A força da morte...

                                        No polco da feira, ainda uma Lili de Lili Inventa o Mundo (2006), meio confusa, no universo do circo. Aqui o Sistema se cumpriu com perfeição. Atores, técnicos, diretores, figurinistas, todos correram de um lado para o outro para conseguir dar vida a um fragmento de O Grande Circo Mágico. Vitoria Ramos dominando a plateia, Renato Casagrande e Fabio Novello dão show como dois palhaços com um potencial que ainda pode ser mais aproveitado. Romeu Waier, Clara Devi, Nicolas Miranda e Antonia Serquevitio. Todos estão de parabéns por salvar a tarde das crianças da feira, colocando em primeiro lugar "o sistema".

                                           Para encerrar, parabéns aos recriacionistas, cada um a sua maneira fez sua parte por uma grande feira de livros. O Máschara vai continuar por mais trinta, quarenta, cinquenta anos, você apenas tem que se perguntar se quer colocar seu talento a serviço disso ou não. 

                                             O melhor: Tia Flica na feira e a escolha por O Grande Circo Mágico

                                             O Pior: As ,maquiagens de O Incidente que vão se tornando sucatas do que um dia foram. 




Clara Devi: (**)

Raquel Argony (***)

Nicolas Miranda (***)

Romeu Waier (**)

Antonia Serquevitio (**)

Vitoria Ramos (**)





                                                

                      

Comentários