1005 - -Paixão de Cristo (tomo 9) Crítica da Rainha

                    O encerramento de uma tournée como a Paixão de Cristo, abre novos olhares sobre o teatro, possibilita recomeços e incentiva novos artistas. Vamos então falar sobre a arte do ator, que é o teatro e como ela se divide em arte do dramaturgo, quando falamos do texto e arte do diretor, quando falamos de espetáculo. Até meados do século XX, somente André Antoine, aquele da quarta parede, havia realmente ocupado um espaço próximo ao que conhecemos como diretor. O encenador afastava-se da figura do ensaiador, já que aquele era apenas o agente criativo que, juntamente com o cenógrafo ou o músico, “planejava, organizava e executava o espetáculo teatral orientando os atores de acordo com uma tipologia de papéis. O encenador é que passou a pensar o espetáculo como algo que falaria ao público não só através do texto. O advento da cena naturalista, no final do século XIX, impulsionada pelo surgimento da fotografia, da luz elétrica, do desenvolvimento das ciências e o otimismo ideológico – para citar alguns fatores – favorece uma teoria mimética da representação. Esta teoria se funda na dialética da representação: há, de um lado, a aspiração à reprodução idêntica do real, e, de outro, as convenções sem as quais a reprodução não existiria (que devem ser transformadas, não ignoradas).

                    O diretor/encenador surge realmente com Artaud no século XX, e é uma figura importante no teatro moderno por interferir no modo como o espetáculo é concebido e na atuação dos demais integrantes do processo de criação. Ele pode assinar a concepção estética de um espetáculo e conduzir o processo ou pode intervir em questões pontuais como a direção dos atores ou, até mesmo, conversar com diferentes setores criativos, como a iluminadores, e cenógrafos. Contudo, um consenso encontrado e que determinará o uso da nomenclatura diretor/encenador ou somente diretor ou encenador, é que o encenador possui a função de conceber o espetáculo pensando na sua totalidade, unindo todos os participantes e suas criações, que podem ou não estarem subordinadas a ele, a fim de construir um todo que seja uma obra única. O encenador pode se deixar influenciar pelas criações dos demais integrantes do processo, quando possuírem uma autonomia para isso, modificando a sua concepção ou pode restringir os demais a alcançarem o seu ideal concebido.

                          Durante muito tempo viu-se o dramaturgo, como o maior merecedor da glória, O ‘textocentrismo’ fazia com que o dramaturgo fosse o principal componente do processo de criação, cabendo ao diretor e aos atores interpretarem da melhor maneira possível os elementos presentes na peça, transmitindo a intenção do dramaturgo. 

                              Em a Paixão de Cristo, Cléber Lorenzoni é dramaturgo, diretor, ator, e capacitadamente envovle-se em todos os setores, e ainda prepara os atores que em sua quase totalidade são seus alunos. Somando-se a isso, o olhar de Lorenzoni sobre cada trecho do trabalho, eu diria que ele passeia por formas já buscadas por Meyerhold e Peter Brook. Ambos para suas experiências, precisaram de atores-criadores; ou como diria a atriz Angelica Ertel atores-pensante-atores. E é por isso que o "mestre" Lorenzoni desafia, testa, força, incentiva... Para que os atuais atores da Companhia emanem sua arte. Ora, o ensaiador e o encenador dos séculos anteriores, não importava-se nem um pouco com a arte dos atores. Queria apenas que cada um pronuncia-se com clareza o texto, e preenche-se visualmente os tipos necessários para os papéis, exemplo: Julieta jovenzinha, branca, delicada etc... Kaifaz, velho, levemente gordo, branco, etc... Lady Macbeth, branca, levemente jovem, sedutora, linda, etc... 

                                    O diretor contemporâneo busca talento,  atração, força, mordida, garra, frieza (em alguns aspectos), respeito e amor pelo teatro, compreensão de hierarquia. Além disso, algo a dizer, é imprescindível que atores tenham algo a dizer. O problema é que alguns confundem o espaço de fala, acreditando que é somente através do texto que se fala. Não esqueçamos que muito é dito em um olhar, em uma composição corporal, em uma coreografia, em uma maquiagem...

                     

Cléber Lorenzoni esteve durante essa turnée tão corajosa para um grupo do interior, cercado por artistas corajosos, Renato Casagrande, ator e aspirante a diretor, figurinista e encenador. Em sua função trabalhou com muita entrega e somente em alguns momentos pareceu bater de frente, é preciso nunca esquecer que só há um diretor. Mesmo assim, vem seguindo a escola de Lorenzoni com muito sucesso, aprendendo a dirigir enquanto atua e nos dando grandes personagens(***), o demônio com o qual Jesus se depara ainda jovem é de uma corporeidade brilhante.

Clara Devi vem também seguindo os paços de Cléber Lorenzoni e a metodologia do "palacinho", as vezes prejudica seu trabalho de atriz, colocando a parte técnica a frente. É preciso atuar e ambicionar aquilo que se busca, sem arriscar a vida no palco. A palheta de cores sobre o palco tem muito a ver com sua disponibilidade de dias e dias elencando tecidos e peças que estavam guardadas ou esquecidas. Na apresentação de ontem via-se seu amor e dedicação, em cada cena, quando tirava adereços, apoiava os colegas e brilhava (***).

Laura Heger sobe de status, mostrou que tem muito a dar ao teatro, um olhar doce para com todos, uma gigante em cena. As responsabilidades que assumiu poderiam colcoar em risco suas cenas, no entanto fluiu ainda mais (***).

Douglas Maldaner fez certamente um de seus maiores trabalhos em Paixões de Cristo. Cléber Lorenzoni exigiu-lhe muito e seu sacrifício teve sucesso, ao lado de Romeu, Eliani e Laura, fizeram a corte de Herodes mais poderosa das quatro edições(***). Ellen Faccin é o tipo de contrarregra que um grupo precisa. E embora alguém tenha me dito que ela está prestes a dar um tempo, eu aconselho-a a lutar. O Máschara passa por grandes transformações, é onde eu estaria se pudesse viver de teatro(***). A maneira como a profissional interage, fixando o olhar no diretor. De onde eu estava sentada nem via ela se mexer. Uma profissional.
                           Fabio Novello também diz muito com sua arte, diz por exemplo que o teatro é eterno e colorido, ainda que ele não veja as cores todas. Ele emana cor, e isso me emociona muito, acho que todos os colegas veem assim, Fabio tem consigo o poder das matizes, a sutileza dos tons... Em cena seu Kaifaz deixará saudades e eu o repetiria em 2023 (***), Fabio tem uma percepção que as artes plásticas lhe agregam, de saber como parar, como criar figuras lindíssimas em cena. Outro elogio que preciso dar e que ficou muito claro na tournée, é o amor pelo Máschara, pela instituição que o acolhe, o respeito com seu diretor, ainda que sejam contemporâneos um do outro. 
                                   Raquel Arigony recebeu um papel pequeno, quase uma figuração, e transformou em algo tão lindo, tão necessário, tão expressivo. Uma atriz com coração enorme, capaz de sempre colcoar os outros à frente, (***).   
                              Antonia Serquevittio se joga literalmente, se entrega explosivamente, precisa sim estudar mais, compreender mais os dogmas do teatro. Mas a lealdade para com a direção e  a equipe lhe concedem uma admiração louvável (**), precisa apenas controlar algumas posturas que não combinam com o profissionalismo da equipe. 
                                A ultima encenação da Paixão de Cristo, teve diretor saindo de cena para ajeitar holofote, teve barro no chão do palco, teve banner que ficou para traz, teve emoção, teve figuras dignas de quadros. Teve desentendimento entre colegas, pressão, lágrimas em camarins. Teve planos, novos projetos, debates, surpresas. Enfim, tudo o que o bom teatro traz. Teve pouco público, adaptação, mudança de marca. Foi o bom e velho teatro do Máschara.
                                  Vi quando Cléber se irritou por estar na sombra, uma falha da equipe de luz, percebi quando Cléber abriu a cena, mas Nicolas Miranda como Judas não foi ao seu encontro. Ricardo Fenner vomitando exatamente onde Jesus mais tarde passaria com as mulheres, o que preciso tomar cuidado, principalmente para não causar resbalões. A forma como a quadra foi usada foi uma certo para a equipe e o jogo com o público, foi um dos maiores da tournée. As atrizes Dulce Jorge e Carol Guma, arrancaram lágrimas do público em vários momentos, garantindo cenas inesqueciveis.

           Paixão de Cristo, o Menino entre o Bem e o Mal.
                                Sessão Final
Direção Cléber Lorenzoni
Dramaturgia Cléber Lorenzoni
Assistência Técnica- Renato Casagrande, Clara Devi, Laura Heger, Douglas MAldaner, Fabio Novello, Ellen Faccin, Raquel Arigony, Antonia Serquevitio.
Apoio- Ricardo Fenner e Vitoria Ramos (***)
Elenco:
Dulce Jorge
Stalin Ciotti (**)
Carol Guma (***)
Eliani Alessio (***)
Romeu Waier (***)
Henrique Lanes (**)
Leonardo Georgelewitz (**)
Maria Eduarda (**)
Anita Coelho (**)
Henrique Arigony (**)
Bibi Prates (**)
Allana Ramos (***)
Jesmar Peixoto (**)
Marcel Prates (**)
Nicolas Miranda (**)
Laura Hoover (**)
Eduardo Fernandes (**)
Pedro Henrique (**)


                      Arte é Vida


 A Rainha

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