934- Complexo de Elektra - tomo 18

 

Um retorno intenso

 

Afastada um tempo por problemas pessoais, somente há alguns dias retornei as minhas funções de crítica teatral, algo que me agrada imensamente. Pensar o teatro, a arte, em todas as suas matizes é algo que me emociona, e é tão importante falarmos em arte nesses tempo obscuros. Tempos de silêncios críticos, de críticas supérfluas, de apontamentos, muitas vezes, medonhos, que  mais separam do que unem.

O teatro nos une sempre, e por mais que pareça adormecer, ele sempre retorna. Ele se reinventa e qual Fênix, ele volta ainda mais poderoso para tomar conta do mundo e nos fazer refletir nossas ações,  muitas vezes brutas e desumanas. Eu tenho muito orgulho dos artistas, seres que enfrentam todo tipo   de dificuldade para manter o oficio, o sacerdócio que exercem em respeito aos deuses.

E foram certamente os deuses que nos possibilitaram  revisitar o mundo decrépito e criminoso da família de Ereda, heroína da obra de Ivo Bender, que em uma casa estabelecida dentro do palacinho do Máschara , nos recebe para: ora agredindo, ora refletindo, questionar os atos daquela que julga a culpada por seus infortúnios.

Os sentimentos da famigerada Ulrica beiram a sordidez  e a corrupção, ainda que a personagem tente de todas as formas se mostrar frágil e debilitada emocionalmente. Aí o mérito é todo de seu intérprete Cléber Lorenzoni, que consegue de forma cinematográfica mudar a personagem em um suspiro de réplica. O público ao redor do ator, nessa  “quase arena” mal consegue acompanhar o ritmo com que a adúltera  senhora da casa exprime seus sentimentos.  Lorenzoni está mais maduro em cena, mas inteiro, as vezes explode e quase deixa alguns colegas para trás... Há no espetáculo, silêncios preciosos emitidos principalmente por Renato Casagrande, que comumente é bastante verborrágico, mas aqui surpreende e ainda guia brilhantemente o colega Stalin Ciotti em cena.

Substituições não costumam ser tarefas fáceis, principalmente em um espetáculo tão tridimensional, que escorre do palco pegajosamente e se ergue entre paredes de uma casa antiga. Aqui há certamente uma cobrança por parte dos atores mais antigos da Cia. que precisam que o substituto seja grande, a altura do restante do elenco. Não há espaço para arestas, para ruídos interpretativos. Stalin cumpre muito bem a função de seminarista, e se não teve o mérito de criar a personagem, foi humilde e inteligente o suficiente para reproduzir com muito detalhe a composição de Gabriel Giacomini. Claro que cada corpo é um corpo e produz um ruído diferente, um tempo que é seu. O produto advindo daí, que nós chamamos de “personagem” , é único. Sendo assim, o seminarista de Stalin Ciotti parece um tanto mais misterioso, um tanto menos frágil, mas muito interessante.

As interpretações de Raquel Arigony, Fabio Novello e Douglas Maldaner não tiveram grandes mudanças desde a ultima vez que assisti ao espetáculo, mas mantém a energia intensa até o final do espetáculo. Tio Bertold e Ereda não criam muito na cena de embate, mas ambos rendem ao lado do diretor. Douglas Maldaner pode estar mais furioso, mais agressivo, mais animalesco, afinal ele pode muito bem ser um pré Tio Bertold. A velha interpretada por Arigony me soou cômica em alguns momentos, pode ser uma escolha da direção, era?

Alessandra Souza segue firme com sua Ereda atrás de algo que não fica muito claro, o texto nos diz que é vingança, mas eu penso que haja outro motivo. A força que coloca na personagem é intensa e contínua.

Parafraseando Vera Karan, eu diria que há sob a garoa fria, um fogo, um incêndio que não cessa. Um incêndio buscado por todo elenco, mas que fica mais visível em duas ou três interpretações. Eu sou uma amante da obra, mas ela perde muito  enquanto  filmada. Teatro bien faite como o Máschara busca, não funciona nessa outra linguagem, que tem regras e que elas não se aplicam ao palco.

Sigamos no tablado sagrado, aprendendo, ensinando e emocionando.

 

 

Arte é Vida

 

 

Cléber Lorenzoni

Alessandra Souza

Renato Casagrande

Fabio Novello

Douglas Maldaner

Alessandra Souza

Clara Devi

 

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