Entrevista do ator e diretor Cléber Lorenzoni ao doutorando em Administração BRUNO EDUARDO SLONGO GARCIA da UFPR
Perguntas:
1. Pode nos contar um pouco sobre sua história no teatro
(como você começou, sua entrada no Máschara e situações que marcaram sua vida
no teatro, conte-nos tudo que achar pertinente do iniciou de sua carreira aos
dias de hoje)?
Bom, a minha entrada no Grupo Máschara começou devido a uma oficina que eu fiz no dia seis de março de 1996. Eu já conhecia o Grupo Máschara na minha época de escola, dois ou três anos antes eu já tinha visto o Máschara no pátio da minha escola, eles tinham um ano, um ano e meio, já tinham mais tempo de oficina. E eu fazia teatro com um grupo de recreação do Sesc, eles nos ensinavam a nos vestirmos de palhacinho para feiras de livros e etc. Aí eu vi o Grupo Máschara e fiquei fascinado! Então eu pensei: É isso que eu quero pra minha vida! Daí, minha família me mandou para o seminário, fiquei um tempo lá e quando voltei o grupo estava com inscrições abertas, e eu tinha ido pro seminário, assim como já tinha participado de grupos de igreja quando era jovem, grupos de jovens, setenta e dois peregrinos e tudo aquilo, procurando me encontrar, e essa foi a grande função que eu acho que o teatro exerce e sempre exercerá, e eu estava à procura de mim mesmo. E naquela oficina de teatro no dia seis de março, aliás, sábado agora fazem vinte e cinco anos certinhos. Eu fiquei abobado, sabe? Como aquilo era incrível, como que eu queria ser um ator, como eu tinha tanto a dizer! E ali eu comecei, e depois da oficina me chamaram. A Dulce, diretora naquele momento, me convidou para substituir um ator do grupo que estava saindo, e eu pensava: Será que vou conseguir? Será que vou estar à altura? Aquelas confusões e preocupações dos adolescentes. E então, entrei no grupo, e não era como hoje em dia, que como o grupo é mais empresarial, tem um produto e etc. Naquela época era uma coisa mais comunitária, familiar, tu ia se achegando e quando via tu estava dentro do “oba-oba”, e funcionava desse jeito, logicamente! Tanto que estou aqui até hoje. Nos primeiros anos eu participei sem opinar muito, eu era um ator muito ambicioso, eu queria muito ser bom, então eu observava muito os colegas, dava opiniões, claro, dentro das minhas capacidades. Nós não tínhamos
internet na época e eu queria muito pesquisar sobre teatro, o que é uma dificuldade até hoje de encontrar bons livros no interior. Então eu ia em algumas enciclopédias, acabei me apegando em alguns clássicos nesse momento, e por isso mesmo meus primeiros trabalhos quando virei diretor do grupo, eram os clássicos, até mesmo por causa disso, por que a pesquisa era mais fácil, era mais fácil encontrar textos clássicos, que tu encontras em qualquer biblioteca boa, como: Shakespeare, Sófocles, entre outros. E ai foi indo, eu fui amadurecendo, e o tempo tem uma coisa incrível, principalmente pros artistas, tu vai se forjando e não á talento que possa competir com a maturidade do tempo, e os anos foram passando, eu fui adquirindo essa percepção do que funciona, do que não funciona, o que o público que ver; quem sou eu pra dizer o que o público quer ver, mas conforme os anos vão passando a gente vai tendo uma compreensão dos jeitos das gentes que vão ao teatro. Nos primeiros anos eu fui me tornando ator, como eu digo, de iniciação teatral, de 1996 a 2000, um tempo de exploração em cima dos clássicos que foram os meus dez primeiros anos de direção, e então mais dez anos de 2000 a 2020, que foi de uma construção de uma personalidade propriamente dita. A gente criou uma escola de teatro em 2013, e além de eu ser diretor, além de ser ator, além de ser dramaturgo, ser um professor que teria respostas, e não só respostas, por que eu acho que essa não é a função principal de um professor, mas a capacidade de motivar os alunos a aprenderem sobre teatro, de quererem buscar. E por mais que o teatro esteja longe e ele está, já que a gente mora no interior e o teatro que se tem é só o teatro do teu grupo, de vez em quando vem um grupo de fora. Então tu tens que motivar teus artistas, que mesmo longe daquela possibilidade da capital de ver teatro todo dia, de ver teatro nas ruas, teatros nas escolas, teatro em tudo que é lugar! Tu quase não vês teatro, e na internet, na TV eu acho muito ruim, mas enfim. E aí acontecimentos interessantes... Acho que foi o dia que eu vi nosso trabalho num banner feito pela universidade, um banner com dois metros e meio, e Luís Fernando Veríssimo vindo a Cruz Alta pra assistir uma apresentação nossa de Érico, também foi muito marcante pra mim, o dia que a gente criou nossa escola de teatro, o dia que conseguimos a sede para o grupo depois de tanta luta, de tanta coisa perdida, por que imagina, depois de trinta anos todo o material guardado em caixas, em garagens úmidas, estragando, e ali tu tens peças de roupas, cenários, troféus, a história de muita gente, então o dia que conseguimos a sede do grupo, aquilo foi tão emocionante, passei dias em um estado de graça. E tem várias situações, já teve vezes que fomos despejados, o dia que fecharam a nossa casa de cultura e a gente teve que ir pra rua, o dia que a gente fez o espetáculo “A paixão de cristo”, e sete mil pessoas nos seguiram pelas ruas, então teve perdas, teve conquistas, teve sucessos, teve fracassos, mas historias especificas tem milhares, que eu não sei até que ponto, por exemplo, tem uma coisa muito legal nessa coisa familiar do teatro do interior, que eu lembro de uma apresentação em que tinha uma atriz nossa amamentando no camarim, o bebezinho dela devia ter um mês e meio eu diria, ou menos, e a gente viajou e ela não tinha substituta e prontamente foi com a bebezinha, e ela amamentava enquanto nós estávamos em cena e um dos nossos colegas saia de cena e segurava o bebê, ficava nanando enquanto a atriz entrava em cena pra fazer o espetáculo, e ai ela saia de cena e o figurino dela estava com leite, por que os seios dela estavam muito fartos, recém tinha parido, então escorria leite dentro do figurino, tu via na roupa, então ela baixava o zíper, a gente ajudava e ela amamentava um pouco mais e voltava pra fazer outra cena. Então essa coisa familiar que o teatro oferece, pra mim não tem preço! Eu não sei se é por causa da minha ancestralidade italiana, mas essa coisa de todo mundo aglomerado, amontoado, isso é um presente que o teatro me dá, além de todo o resto que ele me oferece, ele me dá isso, essa coisa familiar, esses vínculos que principalmente o teatro do interior que tem essa coisa família, não é como nas cidades grandes que se reúnem fazem uma peça e depois se separam na maioria das vezes. A gente do interior parece que se organiza em grupos familiares que vão durar anos, agora tem vários integrantes do grupo que tem filhos, então todo mundo é meio tio, meio padrinho de todo mundo, é uma organização familiar muito engraçada.2. Pode nos falar um pouco sobre os festivais que
participam? como é competir? que tipos de festivais participam?
Bom, na
verdade, eu não sei se os outros grupos são iguais ao nosso, mas o nosso a
gente organizou esses anos todos de uma forma empresarial, então a gente tem
por exemplo: alvará, CPNJ, essas coisas. E aí, a gente tem um produtor que nos
ajuda a levar os espetáculos para vender, peças, vendemos peças através do Sesc,
e essas divulgações são feitas pelas redes socias que tiveram uma importância
grande para conseguir disseminar o nosso grupo, e o pessoal do teatro tem essa
coisa mambembe de ir de uma cidade a outra, e a nossa trajetória não podia ser
diferente. Mas a gente acaba conseguindo chegar bastante longe, graças a rede
social, e o boca a boca, alguém vê o espetáculo aqui, dai fala pra um
secretário de cultura de outra cidade e assim vai indo. Para os festivais já é
um pouco mais complicado, nesses últimos tempos principalmente, por que como o
Grupo Máschara vai fazer trinta anos, vários artistas estão ali a quatorze,
quinze, doze anos no grupo, então são pessoas que já se tornaram adultas, não
são mais aqueles jovens que nós éramos a vinte anos atrás, todo mundo tem que
trabalhar, se sustentar, sendo assim, cada um te que pagar do seu bolso, então
pra se ir a um festival, já se torna um pouco mais complicado, vai-se a um
festival quando nós já vendemos um espetáculo, sobrou um dinheiro e da pra ir. Por
que os festivais de teatro, infelizmente não oferecem uma ajuda de custo, um
que outro que consegue dar essa ajuda, e ainda assim ela é pouca, as vezes tu
tens que se deslocar para cidades muito distantes, então é bastante complicado
essa situação.
3. Como os grupos de teatro do Rio Grande do Sul que você
conhece (incluindo o Máschara) se organizam para divulgar espetáculos, oficinas
ou participar de festivais?
Então, lá nos
anos noventa o grupo tinha essa organização, ia-se a dez doze festivais por
ano, era uma época como eu disse ali na outra pergunta, de formação, então tu passava o ano inteiro,
começava lá em fevereiro a montar um
espetáculo e nós passávamos o ano todo naquele circuito de festivais, e a gente
ia melhorando o trabalho, íamos ao festival em Ibirubá, no FERTAI que era
tradicional em maio, os jurados te davam dicas, questionamentos, criticas, e tu
melhorava o trabalho pra ir, sei lá, pro festival de Rolante que seria em junho, e ai em junho tu via
novos jurados, novas dicas, se preparava pra ir a Uruguaiana ou Rosário do sul
em agosto, então tu ia melhorando o teu trabalho, era como se fosse umas bancas
de analise, não sei explicar, mas a ideia era essa. E quando chegava em
dezembro tu estavas com o espetáculo pronto, digamos muito mais evoluído, salvo
alguns grupo que não se dedicaram, enfim. Mas a maioria dos grupos que eu
lembro da época, eles iam aperfeiçoando o trabalho, então era como se fosse uma
escola e é por isso que eu acho que a função dos festivais é muito importante,
por que a gente que é do teatro precisa da crítica pra melhorar, se não a gente
se acostuma e acaba fazendo sempre a mesma porcaria que criou, que a gente teve
a ideia no primeiro dia. Fomos a muitos festivais durante a década de noventa,
no começo dos anos dois mil também, vou dizer uma coisa muito minha, lá por
dois mil e dois eu fui a um festival, isso é uma coisa muito intima, mas enfim,
a gente foi e ganhou todos os troféus , treze dos quatorze que tinha naquele festival,
quando voltamos pra casa eu disse pro pessoal que não tinha graça ficar indo
pra festival e ficar ganhando troféu, dai o pessoal me olhou com uma cara de
loucos e falando: Como assim, Cléber? A gente está ganhando tudo! Ta, mas qual
é graça de ganhar? Primeiro que tu vai ganhar e vai tirar a oportunidade de
outros grupos ganharem alguma, por que tu ganha tudo, que sem sentido. Ai
alguém disse que é por que a gente é bom. Ta, mas se a gente é tão bom não
precisamos mais ir a festivais. E eu tive uma revolta interna comigo e parei,
parei de ir a festival, não fui mais. Voltei em dois mil e sete em um festival,
com uma apresentação, em dois mil e oito não fomos em nenhum, dois mil e nove
em nenhum também, acho que em dois mil e dez fomos em um, daí dois mil e onze
nada, dois mil e doze um e depois fomos indo apenas um por ano, que era para os
grupos nos verem, pra gente ver o que estava acontecendo nos circuitos dos
festivais. Mas toda vez que eu ia eu colocava meus atores sentados e
principalmente alunos, e dizia que ganhar troféu não importava coisa alguma,
que só significava que tinham gostado do teu trabalho ou que não tinha ninguém
melhor que você naquele festival. Meus atores ficam loucos quando digo isso,
mas é o que eu acredito, sabe?! E acho muito importante ir a festival, acho
muito importante ter festivais no interior para que você possa conhecer grupos
de outras de cidades, para que tu converse com os grupos e conheça problemas e
dilemas parecidos com os teus, mas é isso, não vejo mais muito sentido aquele
monte de troféu que tu coloca pra segurar uma porta, não sei, é só uma coisa
pra ti tirar pó, e que não diz muito, tanto é que fui a festivais que concorreram
só elas e mais um grupo, então como não tinha com quem concorrer elas ganhavam,
e elas ficam se propagandeando com aquele troféu durante anos, e aquele
troféuzinho fica tão pouco ou nada.
Então troféu eu não vejo muita importância, mas, veja que paradoxo
interessante, o festival eu acho extremamente importante, embora eu não
concorde muito com a premiação, sei que ela é importante para que o festival se
realize, mas em compensação ao festival, o acontecimento de grupos reunidos,
conversando, se sentindo valorizados nas suas cidades onde acontece os
festivais, esse movimento de pessoas vindo de fora, tudo isso eu acho de
extrema importância, tanto é que eu estou batalhando pra esse ano fazer um
festival de rua se a pandemia passar. E eu também vi muitos festivais online em
2020, e eu acho que são de extrema importância, eu amo o debate, a conversa
sobre o fazer e o acontecer teatral. Então esse é o meu ponto de vista sobre
festivais
4. Existe ou existiu algum apoio de organizações públicas
ou privadas para os grupos de teatro do Rio Grande do Sul?
Olha, que eu
saiba, não tem nenhuma organização privada de apoio aos grupos de teatro do
estado, não tenho conhecimento, vai que existe e eu que não sei, mas não,
possivelmente não tem, e a gente por exemplo, sempre andou com as próprias
pernas, as vezes conseguimos fazer algum tipo de patrocínio em troca da
divulgação de uma empresa, as vezes a prefeitura aqui de nossa cidade compra um
espetáculo, mas daí já é outro sentido, não é apoio, é por troca de trabalho
especificamente.
5. Atualmente, você possui outras atuações profissionais
além do teatro?
Eu especificamente sempre
trabalhei com arte, então a arte me levou para caminhos que envolvem a dança,
que envolvem a criação de texto, mas tudo partindo do pressuposto do teatro e da
arte, então hoje em dia eu posso viver somente disso, mas felizmente, por causa
do teatro como base.
6. Durante a pandemia, como o Cleber e também o grupo
Máschara mantém suas atividades?
Se manter
durante a pandemia tem sido um desafio extenuante, todo dia a gente está
tentando criar novas ideias, pensar novas soluções. Mas a gente sempre se bate
em um monte de dificuldades, eu acho que, por exemplo, a ESMATE que é nossa
escola de teatro a gente conseguiu dar aulas durante o ano todo, promover
oficinas online e o pessoal do grupo fazendo trabalhos e apresentando, enfim,
deu pra fazer uma coisa nesse sentido.
Mas enquanto grupo de teatro, foi muita pouca coisa, então a gente fez
alguns debates, debates em torno dos trabalhos dos alunos, participamos de alguns
editais mandando espetáculos já filmados, mas coisas muito pequenas no meu ver,
comparadas com a produção grande que tínhamos antes da pandemia.
7. Como é a estrutura administrativa do Máschara (aqui me
refiro a como o grupo se organiza internamente, se existem votações, nomeações,
se a participação na diretoria é voluntária ou remunerada)?
Ta, essa é a
pergunta mais complexa! Os atores que ajudaram a criar o grupo, que fundaram o
grupo na década de noventa já foram embora, ficou só a Dulce que é a fundadora
e diretora do grupo. Enquanto associação, a gente tem uma diretoria
administrativa que cuida dos bens do grupo, mas aí, direção artística que é pra
onde o grupo se encaminha é minha, que é dirigir espetáculo, e me dedico vinte
e quatro horas por dia pra isso. Aos poucos eu venho organizando meus atores
mais novos, meus alunos pra irem se descobrindo como diretores, figurinistas,
iluminadores, cada um está indo para área que se sente bem, e o grupo é muito
aberto a dar oportunidades a todos. Esse grupo que a gente denomina “Anciãos”,
são os atores mais antigos que tem mais de dez anos ininterruptos de grupo, e aí
esse grupo de anciões decide junto, se vamos montar tal peça, se vamos
participar de tal festival, e aí nesse sentindo assim, é feito uma votação. Mas
é tudo muito tranquilo, as vezes alguns são contra, mas mesmo que seja a
maioria, se decide por não fazer determinada coisa por que alguns não estão
satisfeitos. Eu acho que é como todos os grupos de teatro do interior, tem
muito passamento, então vem alunos, ficam um ano, dois anos no grupo e vão
embora pra outras cidades, e é por isso que esse grupo de anciãos é tão
valorizado, são aqueles que se mantém apesar de tudo. E não, não é remunerado,
é remunerado se você participar de espetáculos, apresentações, se não, não! Não
existe uma diretoria remunerada.
8. Que mudanças você percebe em relação ao campo do
teatro no Rio Grande do Sul no início de sua carreira para hoje?
Sobre mudanças... Eu percebo assim, que de alguma
forma se transformou muito o tipo de trabalho que se fazia, acho que por causa
da internet, hoje em dia é muito mais rápido do que se espera dos artistas,
então os trabalhos não são, no meu ponto de vista, tão bem elaborados como eles
eram quando eu comecei a fazer teatro. Ao mesmo tempo, eu vejo que cresceu os
públicos, claro que estou falando isso de antes da pandemia. O respeito pelo
teatro também aumentou, a dignidade que se dá aos artistas, tudo isso alcançou
novos patamares. Acho que aqui em Cruz Alta, por exemplo, o público começou a
ir mais ao teatro, teve um apogeu bem grande por causa do Sesc também, com
aqueles programas “Palco giratório”, enfim. Acho que de qualquer forma está
muito mais fácil de se fazer teatro do quando comecei a anos atrás.
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