Tem chorume no quintal
Nesse ano terrível de 2020, o que mais ouvimos falar, foi da capacidade de tantos artistas em se reinventar. Teatro via internet, aulas online, peças filmadas, e até festivais de teatro sem público presencial. E estou me referindo apenas ao teatro, se mencionarmos outras artes, é longa a caminhada, as descobertas e principalmente as pesquisas. Tudo que foi proposto nesse ano, seria considerado impossível ou tresloucado, caso proposto em anos anteriores.
É também desmotivador, acredito eu, aos artistas, darem-se conta, que sua profissão é considerada realmente dispensável por grande parcela da população. É como se as pessoas, embora apreciem tanto os artistas e suas criações, dissessem: -Não é o mais importante para a gente nesse momento, há outras prioridades...
...E há certamente. Eu mesma pensaria primeiramente na educação de meus netos, na injustiça social, na questão da diversidade e no racismo, no meio-ambiente ou na questão da mulher... Mas eis que o teatro me surpreende, trazendo o tom exato daquilo que precisamos discutir, dos assuntos que devemos debater.
Tem chorume no quintal, fala de determinados assuntos diretos e outros tantos indiretos. Em um primeiro momento, parece muito claro o apego da menina Alice, ao meio ambiente(chácara do avô), sua revolta com o tratamento que a vilã (Rafaela) quer dar aos animais e à natureza. Seu Zeca representa a sabedoria ancestral que vai dando lugar ao novo (Alice), e assim mostrando a necessidade de passar as coisas para as próximas gerações quando chegada a hora.
Tem chorume no quintal fala de honradez, fala também de mulheres, já que Rafaela, Alice e Dona Cremosina são as personagens chave da trama. Em Chorume, Junior, Onofre e Laércio são personagens servis, que estão na trama para obedecer as mulheres. Apenas seu Zeca está acima de todos, como uma figura que detém a sabedoria e a conexão com o meio ao seu redor.
A direção do espetáculo carrega a base da farsa nas entrelinhas das cenas, os cômicos e os vilões são do grupo dos "vecchi. A estrutura é muito clara e desenvolve-se sobre um sistema muito claro proposto por STANISLAVSKI.
Fala-se muito sobre teatro filmado, sobre o quanto perde qualidade, ou que teatro deveria ser apenas no palco... Creio que a arte, o teatro em si, deva ser um espaço de liberdade e diversidade de ideias, sempre se renovando, nunca estagnado. Por outro lado, a rapidez com que o teatro se transforma e com que o Máschara me parece criar, é tão acelerado que alguns artistas se perdem pelo caminho. Por isso é de extrema necessidade, estudar, absorver e evoluir. O teatro filmado tem regras, fórmulas, com as quais alguns artistas se adaptam muito rapidamente, outros nem tanto.
A protagonista de Chorume parecia um pouco perdida em cena, as vezes denotava uma certa lentidão nas cenas. Clara Devi vem amadurecendo a olhos vistos, e logo se tornará uma grande atriz, por outro lado, precisa ser menos ansiosa em cena, respirar com mais calma, além é claro de tomar mais cuidado com a dicção. A interpretação dos anciãos é forte, repleta de coluna e potencialidades vocais. Cléber Lorenzoni interpretou dois papeis e saiu-se bem, embora fique clara a necessidade de mais ensaios para a equipe.
Stalin Ciotti se sai bem como Junior, mas de alguma forma sua transformação me pareceu muito rápida, não dando para compreender o que motiva a mudança na personagem. Vagner Nardes faz uma ótima parelha com Cléber Lorenzoni, jogando muito bem com o ator mais maduro. Não me pareceu um dos melhores mergulhos da Cia., no entanto, Tem Chorume se cumpre como ótima opção de entretenimento.
No que diz respeito a iluminação do espetáculo, foi básica e não teve nenhum tipo de código ou expressividade.
Arte é Vida
Clara Devi-(*)
Stalin Ciotti (**)
Vagner Nardes (**)
Kauane Silva (**)
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