900 - O Incidente (tomo 83)

            Aula de estética e circo de horrores...
                

                 A Casa de Cultura de Cruz Alta recebeu na tarde do dia 17 de fevereiro, mais de quinhentos professores para debater o retorno às salas de aula, o ano letivo de 2020. Eu já sabia que durante o evento, haveria a intervenção artística do Grupo Máschara, a peça escolhida foi O Incidente, não Antares, mas O Incidente!
               Que surpresa agradável, depois de tanto tempo meus olhos encontram outra vez no palco os sete mortos de Antares. Dr. Cícero Branco (Cléber Lorenzoni) Dona Quitéria Campolargo (Dulce Jorge), Professor Menandro Olinda (Renato Casagrande), Erotildes da Conceição (Alessandra Souza), Barcelona (Ricardo Fenner) Pudim de Cachaça (Stalin Ciotti) e João Paz (Vagner Nardes). 
                      De onde estava sentada, percebi coisas boas e outras não tão boas, algo era visível, falta de ensaio. Claro que eu soube da dificuldade em se chegar a um elenco final. Ao que me consta, apenas três dias antes, o diretor decidiu três dos sete mortos. Eu poderia aqui dizer: Lorenzoni, não apresente mais esse espetáculo, não apresente mais nenhum espetáculo que não tem mais o elenco original. Mas como dizer isso a um grupo de repertório? Cléber Lorenzoni possui energia para fazer um espetáculo diferente por dia, e alguns dos atores em cena também. No entanto, o que mais nos orgulha no teatro cruzaltense é o trabalho de primeira que o Máschara sempre oferece. 
                     Do elenco original em posições da época, somente a atriz Dulce Jorge, que entra em cena com uma vitalidade incrível, mas  perde um pouco do trabalho corporal da personagem, também pudera, outra época, outra Dulce Jorge, outras verdades, falta de ensaios...  No questão das energias sobre o palco, os atores aliás estão de parabéns, e o que mais aprecio é o corpo, distorcido, retorcido, volátil, visceral. O Máschara sempre foi perfeito na composição corporal. Mas o teatro é feito também de idéias e de emoções. Idéias são as compreensões de todo o elenco quanto ao que se decide por no palco. 
                        Esta senhora leu a obra de Erico há muitos anos e o terror com que se sente a presença dos mortos é muito eficaz, mas pouco se alcançou nessa apresentação em relação ao intertexto. 
                      Os ritmos se cruzaram, as vezes silêncios demasiados, em outros momentos textos cuspidos. Não entendi por exemplo por que Pudim de Cachaça pediu desculpas ao gritar basta... Até por que no texto original se não me engano era "bosta". A cena de Erotildes no proscênio deveria ser emotiva, mas foi um tanto gritada e incompreensiva, bem como a de Ricardo Fenner. O ator forçou a graça, o público riu, mas quem é Barcelona? O que ele veio dizer? Gostei da discussão final entre ele e Quitéria, mas aí foi a vez de Stalin Ciotti falar por cima de risos, e nada ficou claro. 
                     Falta de ensaios!
                     Renato Casagrande carrega um de meus personagens preferidos, e como se sabe, o preferido de Erico. A cena foi bastante desenhada, mas o ator parecia amarrado, uma partitura lindíssima que não colaborou em nada para que as emoções aflorassem. 
                       Vagner Nardes preencheu bem a lacuna deixada pelo outro João Paz, gostei de algo que ele fez no tempo da voz, um aprisionamento, uma certa "lentidão de morto", porém então por algum motivo repetiu-se a musica da prostituta. Voltei o olhar para a interprete de erotildes e pensei que ali haveria alguma nova interação com a personagem. Mas não, então o que chega é sem dúvida a pobreza da escolha da trilha. Uma mesma musica para dois personagens, com historias tão distintas...
                          Doutor Cícero esteve irônico e assustador como sempre o vi, no entanto era perceptível que o interprete estava incomodado com algo dentro do palco. Certamente a percepção de que sua direção não se cumpria. Preciso elogiar o domínio que o ator tem no uso do microfone.
                              Não adiante ter microfone seja no pedestal, ou na roupa, é preciso que o ator domine-o.
                            Teatro é algo maravilhoso, pois coisas funcionam em um dia e não funcionam em outro. Uma engrenagem que precisa de dedicação. De entrega. 
                       O espetáculo tem sim uma colocação em forma de jogral, poucas ações externas, embora o trabalho físico do elenco pareça extenuante. Os pequenos desenhos são engenhosos, criativos, as soluções delicadas e precisam ser muito bem cumpridas para que percebamos o que propõe. 
                           O Brasil de 64/68 não parece ter mudado muito, e nem vai. Primeiramente no que diz respeito aos arquétipos de uma sociedade que pouquíssimo ou nada evolui se seus princípios são ditados principalmente pelo olhar da igreja católica apostólica romana. A prostituta e a beata são seus maiores exemplos. A igreja sempre ofereceu apenas esses dois lugares ao pé da cruz. Maria e Madalena. A corrupção mencionada por Dr. Cícero, o anarco-sindicalismo de Barcelona, o comunismo, a justiça despótica e absolutista que fere e mata João Paz, tudo isso ainda é capa de jornal. Isso torna a pequena Antares um lugar extremamente conecto com qualquer lugar de nosso país. O Incidente é um clássico do tão conhecido romancista de O Tempo e O Vento. 
                              

                                      A Rainha
              



                             Sobre funcionamento interno de grandes equipes, o funcionamento da floresta...


                                            Em uma floresta, quando árvores grandes derrubam seus grandes galhos sobre árvores pequenas, elas impedem que o sol ilumine e aqueça a raiz das que estão nascendo. As árvores grandes e poderosas acreditam que tem mais importância que as pequenas, quando o vento sopra elas dão laçaços (isso mesmo, com dois cedilhas), laçaços cobertos de sua sabedoria  nas pequenas árvores. As grandes árvores reclamam quando a chuva de granizo é forte e lhes quebra os galhos, afinal de contas elas se sentem senhoras da floresta. Não são. São parte da floresta! Juntamente com as árvores novas elas formam um todo. 
                                 As árvores novas são fracas, estão construindo um ecossistema a sua volta. Precisam aprender como é o vento, o poder da chuva, a força da intempérie. Precisam saber que podem ser cortadas a qualquer momento pois é mais fácil para o homem, cortar as árvores mais finas e jovens, já que as antigas tem troncos mais grossos. As árvores finas precisam produzir o que a natureza quer delas. Frutos, sombra, flores. Mas cada árvore tem uma função. Uma laranjeira da laranjas e não maçãs. 
                            Quando uma trepadeira, enreda-se sobre outra árvore, a trepadeira faz estragos, suga as energias, prejudica a outra árvore da floresta. Mas a trepadeira pensa que é a única que merece grande status, porém está matando as outras árvores, impedindo que os galhos destas cresçam. 
                               Já o mais deprimente ocorre quando as árvores grandes, plantadas muito próximas, se debatem, entre si, parece que uma não quer deixar espaço para a outra. Uma vai afogando a outra. Com a ventania debatem-se judiam-se, derrubam tantos galhos, tantas folhas, fazem tanta sujeira que as pequenas árvores la embaixo apenas riem sacudindo-se ao vento...    
                              
                      
                                Cléber Lorenzoni
                            
               

Stalin Ciotti (**)                      
Clara Devi (*)
Kauane Silva (*)
Martha Medeiro (***)
Felipe Padilha (**)
Vagner Nardes (***)
Laura Hoover (**)

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