Teatro vanguarda na esmate

                                          Bem correto que tanto Beckett quanto Arrabal, tanto Fim de Partida quanto Pic nic no front não tem nada de vanguarda, pois já se tornaram clássicos e é realmente difícil encontrar novos debates com os dois textos. Ou seja, são atuais e presentes, mas quem senta para assistir já tem uma pré leitura do que vai ver, já chegamos ao teatro com uma experiência imaginada. No entanto para nosso teatro um tanto boutique, ambos os textos são vanguarda quando levantam discussões que ainda eram desconhecidas para alunos ou mesmo elenco. As duas esquetes encenadas por meus alunos e dirigidas por meus assistentes e colegas, é um hibrido de tudo o que foi trabalhado durante um ano de ESMATE e muito mais que vem conosco de outros anos, já que somos antropofágicos e sem aforismos eu diria que em cena vê-se a importância do estudo. E olha que muitos ali nem gostam de estudar. 
                                             Não se deve estudar para agradar alguém ou por pensar em uma boa profissão, mas pela necessidade enquanto individuo que passeia pelas discussões da existência sabendo em que terreno está pisando. 
                                           Nas ultimas semanas a ESMATE mencionou o naturalismo, e em meses anteriores discutiu-se o simbolismo, e o surrealismo, fala-se há muito sobre teatro do absurdo e salpica-se pontos de vista quanto ao existencialismo, tudo muito sutil, sem carregar muito a cabeça do aluno ou tentar torná-lo mais um acadêmico insuportável. Todas essas linhas se cruzam formando teses, que quando cruzadas com narrativas dramatúrgicas, geram formas, linguagens e intertextualizações.  
                                            Ora muitos atores instintivos, não pensam, apenas agem e criam por assim dizer símbolos que estão pairando entre nós mas que quando deparamo-nos com eles, tomam um colorido muito especial e funcional. 
                                            A violência foi o substantivo âmago, presente nas duas cenas e sintetiza de certa forma a macroscópica situação ao nosso redor. Os perfis dos diretores ficam muito claros e suas declarações estéticas são muito pontuais. Alessandra Souza é mais clean, ela quase sempre opta por uma escolha única em sua linguagem. Renato Casagrande pincela muitos signos e é preciso ser muito observador para captar tudo o que ele quer nos dizer. Contudo, nessas construções ouve uma desconstrução de posturas, e tanto um dos diretores quanto o outro mostraram-se de outras formas. Souza conseguiu  nos apresentar muitos signos e Casagrande afunilou-se em um único contexto. 
                                            O minimalismo da tragédia contemporânea de Beckett requer menos sentido e mais neutralidade. Não se pode buscar muito sentido no texto desse dramaturgo, é o sentido que vem até nós. A vida precisa ser extirpada, mas ela insiste em se agarrar as paredes e ali ficará. As interpretações poderiam ter caído no fácil apelo da tragédia, mas o histrionismo ficou de fora.  O cenário na boca de cena foi uma escolha ótima que realçou a sensação de aprisionamento que o texto pede. Os sons, os gemidos, os ruídos, a forma sutil com que toda a equipe pronunciou seu texto foi extremamente coerente e eficaz. Como eu disse, talvez algumas coisas sejam mais instinto do que técnica ou talento. Mas então esperamos que os atores as tenham captado e as mantenham salvas em seus arquivos do teatro de beckett.  Indico aos atores assistirem o filme O Abrigo (2002) de  Xavier Gens, elucidaria ainda mais no contexto de Fim de Partida.
                                              O Teatro do absurdo iniciado em 1952, crítica deveras o realismo, e isso fica muito claro na montagem de Renato Casagrande. O mundo contemporâneo se movimenta de uma forma quase alógica. Nós estamos entrincheirados, nós estamos a beira da loucura e essa hipérbole é o mote central na concepção da equipe. A esquete derrapa um pouco na escolha do ambiente onde a trama se passa, e o lado farsesco quase invade a cena. Mas os cenários e as interpretações fantásticas salvam qualquer equívoco. A maquiagem de Zapo e Zépo é muito funcional e a entrada da personagem de Ellen Faccin é um achado bárbaro. Talvez o final pudesse ser mais explosivo, mas de qualquer forma o corpo sendo levado lentamente, acrescenta uma sensação de terror necessária à proposta. 
                                              Foi sem dúvida a prova de que os nove atores da turma e seus dois diretores estão prontos para o palco., claro que a cada novo trabalho acrescentar-se-á a necessidade de estudo, de busca de conhecimento, de discussão sobre determinada obra. Mas Fim de Jogo (ou partida) e Pic nic no front foram trabalhos merecedores de aplauso e respeito por quem faz teatro.


                                               Cléber Lorenzoni - diretor



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