A hora da estrela - Paim Filho

Nasce uma estrela de mil pontas...


                                O tempo todo morrem e nascem estrelas, elas vivem há milhares de kilometros, mas nós vemos seu brilho, as vezes muito depois que já morreram, pois sua luz continua brilhando por milhões de anos. 
                                 No palco de Paim Filho brilhou uma constelação de estrelas. Algumas estão brilhando há muito tempo, algumas estão começando a emanar sua luz, algumas infelizmente já se ausentaram mas sua luz tão intensa permanece brilhando. 
                                   O palco além de ser egoísta, é extremamente poderoso. Ele descobre seu talento e vai te sugando, e vai colocando as plateias a seus pés, mas ele não aceita ser trocado, esquecido. E dificilmente ele da uma chance duas vezes. Na última sexta feira- sentado na sala de operação, observava cada gesto e movimento dos meus atores, sempre pronto a chamar-lhes a atenção quando necessário, sempre pronto a ouvi-los e compreendê-los. Eu sei que alguns estão ali como um passatempo, que precisam preencher alguma necessidade momentânea e que logo partirão, mas há outros que vieram para marcar, para deixar seu brilho de estrela aceso durante anos. 
                                    Não sabemos quais serão as estrelas permanentes, os segredos não nos são revelados. O máschara, grande estrela da noite à altos custos de lutas e anos de trabalho, brilhou sim como estrela incandescente de luz, e que luz. Uma luz que se deve às minhas mãos, às mãos de Stalin Ciotti e às mãos de Evaldo Goulart. Eu, aprendi a fazer luz no grito, abaixo de pancada, durante anos mal sabíamos o que era um fresnel, a luz tinha muito a ver com "quando acendemos e quando apagamos?", aos poucos fui pesquisando, observando grandes mestres para desenvolver um pouco do que vemos hoje sobre o palco. Teatro tem muito a ver com prática, com erro e acerto, com teimosia e treino. A luz sobre o palco em A hora da Estrela era o oposto de qualquer outra luz do festival, mas não por que somos melhores do que outrem, e sim por que queremos cada dia mais, aprender, crescer, ousar, vencer. E com esse espirito levamos nossa própria luz, com esse espirito nos arriscamos em escadas que ninguém quer subir. Aos poucos Stalin Ciotti vai observando e aprendendo, ainda precisa de mais coragem, estar pronto é tudo! Saber o que vão pedir, antes que a pessoa abra a boca. Sejamos claros: Cadernos, caneta, prancheta para um iluminador não é coisa que um diretor tenha que lembrar! Quanto a Evaldo Goulart, esse ator que caiu para o Status VI em 2018, parece estar se reinventando, preocupado, decidido a ajudar, voltado para a técnica, e cheio de disposição, anima a todos. Felizmente fomos sábios e não o deixamos para traz. Faria falta em Paim Filho. 
                                       A trilha sonora foi premiada, afinal de contas é de uma elegância e valor esplendidos. Há nela uma versatilidade dinâmica, musicas que sublinham, musicas que contam e trilhas que localizam épocas. A operação de Clara Devi, é bastante insegura para quem está perto dela, observando-a a agir, mas cumpre-se, talvez com um misto de humildade e talento. No fim do espetáculo quando estava em cena eu pedi luz à Stalin Ciotti e som mais baixo à Clara Devi, não fui atendido. Falta percepção dos colegas em entender os códigos que lhes são emanados do palco. Mas eu espero e todo o Máschara espera, que Ciotti e Devi tornem-se grandes técnicos. Torçamos.
                                             Os Deuses deram à Kauane Silva seu primeiro grande papel, deram-lhe o poder de falar através dele, deram-lhe os dons, a aceitação e a confiança de equipe. Kauane aceitou, mergulhou, e doou muito de si à jovem Macabea. Como disse um dos jurados, a Macabea de Clarice é feia, mas o que é feio? O feio dos outros? Por isso talvez eu como diretor tenha optado pelo grotesco nas outras personagens. Quase todos tem suas feiuras expostas, com penteados estranhos e maquiagens pesadas. (Poderiam ser ainda mais feios). Kauane Silva não é apenas a Macabea de Lispector, ela é a Macabea de Lorenzoni. O que isso quer dizer? Ora, no momento em que vemos no palco uma obra fechada, ela passa a ter seus próprios princípios e sua forma de ser contada. Enquanto diretor de TEATRO, precisei dar à minha Macabea uma vivacidade, uma capacidade de transformação muito rápidas, que a Macabea do livro certamente não tem. Mas Kauane parece compreender a voluptuosa curva que empurra sua macabea para a apoteose final. Agora torço com todas as minhas forças que Kauane Silva mantenha-se atenta, intensa em sua carreira, não importa o quanto ela dure, mas que seja recheada de altos picos como nesses últimos meses, onde a atriz ainda brilhou como Marcy em A noviça rebelde e como a boneca de Infância Roubada.
                                          Outra estrela que começa a despontar, é Douglas Maldaner, nos últimos tempos o ator começou a ter mais seriedade no palco, aprofundando-se mais e prova disso é o alcance de seu Olimpico, que infelizmente teima em dizer Olimpi'o.  Mas o que vence é o jogo, os detalhes cênicos, a composição física muito simples mas que alcança de forma perfeita o espirito da personagem. Eu acho que Maldaner quer ser uma estrela, mas precisa lembrar que o teatro é egoísta!
                                          Ao contrário dos espetáculos do Máschara,  A Hora da Estrela é um espetáculo que se permite erros, e tentativas... Desde o principio eu sabia que essa obra não poderia ser realista, no mínimo o "fantástico" precisava estar envolvido. E assim foi. A cena do hospital mostra a necessidade que temos em compor algo que transcenda e faça o público pensar. Pensar com exaustão, pensar com questionamento e incerteza. A equipe debateu-se para compor e assim chegamos à uma cena antológica do teatro do Máschara. No futuro falaremos "a cena do hospital"...
                                        O céu de A hora da Estrela esteve iluminado por um conjunto de atrizes muito capazes. Atrizes com tempo de teatro como Alessandra Souza e atrizes novas como Ana Claudia Schuh. Mas eis aí o mérito da ESMATE, quem assiste não sabe dizer com certeza quem está começando. Afinal a direção cabe descobrir os méritos e realça-los, compreender as fraquezas e maquiá-las.  Leonir Batista consegue bons frutos como a tia da protagonista, emociona e pisa no palco com passos de atriz segura, um talento reverenciado com uma indicação logo no primeiro festival. As três Marias são a força do espetáculo, Martha Medeiro compôs uma Maria divertida, leve, e por que não dizer ousada para a obra. Laura Hoover substitui Eveline Drescher como se tivesse participado da montagem desde o inicio, méritos de uma atriz cheia de força em cena. Só precisa de mais disciplina. Alessandra Souza tem força, presença e triangulação, mas infelizmente não nos deu a Maria José que esperávamos. Ana Claudia Schuh é perfeita como a dona da pensão, sua figura fala por si própria, claro que se quisesse ser atriz teria que estudar muito, mas certamente capacidade não lhe falta. Para encerrar o nucelo de atrizes, Eliani Aléssio rouba a cena. Sua interpretação é estonteante, divertida e grotesca. A Gloria é uma gloria! Torço, eu Cléber Lorenzoni, que Eliani queira um dia ser uma atriz do Máschara. 
                                         No panorama de atores masculinos, Gabriel Giacomini, Roque Artemi, Ricardo Fenner e Vagner Nardes, fazem pequenas participações, não por escolha minha, mas por que a dramaturgia de A Hora da Estrela envolve muitas figuras com cenas curtas. Todos cumprem de forma muito profissional, e capaz, mas Vagner Nardes se destaca quando coloca sobre o palco a ideia da direção, dando vida a figura de Marilyn Monroe. "Ser ator, ter a compreensão dessa profissão, é saber que as vezes não haverá falas, as vezes será personagem, as vezes tipos, as vezes apenas cruzará o palco. Ser ator, é aceitar ser dirigido. 
                                              Romeu Waier nos da um seu Raimundo que parece uma continuidade de dona Gloria, um casal que por si só daria um outro espetáculo. Grotesco, rude, estereótipo, cômico. Outro achado da ESMATE. Renato Casagrande é além de grande companheiro de palco, um colega de cena maravilhoso. Seu Rodrigo S.M é outra criação dramatúrgica de Cléber Lorenzoni, e certamente compor algo que está apenas na cabeça do diretor não é fácil. Mas o radialista de A hora da Estrela torna-se inesquecível! Quem é Rodrigo S. M? É Clarice? É a percepção de Cléber Lorenzoni sobre o espetáculo? Rodrigo S. M. é um dos ícones da ESMATE que ficarão apra a historia. 
                                            A hora da estrela cumpre sua função de espetáculo de estudantes de teatro. Que aprendem o melhor da arte que a ESMATE e o Máschara podem oferecer. Alguns subiram degraus, outros talvez estejam estagnados. Enquanto diretor não posso fazer nada, apenas oferecer a todos as mesmas cotas de teatro. Cada um vai sentir dentro de si o teatro conforme busca. 
                                                A intenção inicial da ESMATE é oferecer técnicas, propor diálogos, criticar e incitar. Dali sairão atores aptos à qualquer grupo e alguns aptos às necessidades do Máschara. Vocês sabem quais as necessidades do Máschara?

                                        Cléber Lorenzoni, um diretor grato à sua trupe
                                            
                                        
                                      

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