870- A noviça Rebelde - (tomo 1)

Clássico sobre o palco

                Maria Augusta Kutschera viveu em Viena, há meio século atrás. Foi a matriarca da família de cantores Trapp e serviu de inspiração para filmes, musicais da Broadway, peças de teatro e etc... Que tipo de diretor/dramaturgo seria Cléber Lorenzoni se não estivesse sempre buscando novas historias, viajando pelo mundo atrás de motivos para nos levar ao teatro. A noviça Rebelde fala de fé, de vocação, de amor, e foi a escolha perfeita para levar ao palco tantas crianças que fazem teatro na ESMATE. A historia original é um tanto diferente, o general perde tudo com a falência do banco onde mantinha seus bens, sua mansão vira quartel general da SS, Maria tem três filhos com o general, somando dez crianças no grupo de cantores. Enfim a historia verdadeira é praticamente outra, o que se mantém é o enredo, mágico, sublime, de uma noviça que prestes a ser ordenada freira, abandona o convento e descobre que sua vocação é ser mãe de família. O que de forma alguma refere-se a abandonar a fé ou o amor a cristo, tanto que no fim de sua vida Maria torna-se missionaria ao lado de dois de seus filhos, no Pacífico Sul.
                 Lorenzoni certamente escolheu "a noviça" pela possibilidade de encontrar bons papeis para todas as crianças da esmate. Um espetáculo realista, de fácil acesso, um tanto medíocre em algumas esferas, mas capaz de agradar e muito as famílias da comunidade teatral que o Máschara envolve. O primeiro núcleo encontra-se no convento das irmãs de caridade. Ali onde a Madre Abadessa parece reger tudo com ordem e justiça, uma menina é abandonada, trata-se de Maria, para quem Cléber dá um passado. Gabriela Fischer e Clara Devi abrem o espetáculo de quase duas horas de duração. Clara Devi é um tanto nova para os papéis que a direção do grupo lhe dá, e isso a prejudica um pouco, embora a atriz tenha  se mostrado capaz de produzir a densidade que suas personagens lhe pedem. A noviça Rebelde é um texto melodramático, como Olhai os Lírios do Campo. Revelações, amores impossíveis. Fugas, vilões exagerados. Partidas e reencontros. Gabriela Fisher certamente ainda vai estudar isso nos próximos anos da ESMATE, mas é importante sempre lembrar que teatro é verdade e precisa de garra. 
                    Maria Antonia Silveira Netto abriu o quadro de números musicais, é bastante afinadinha, mas precisa lembrar que espetáculo teatral não é show musical, continua sendo teatro e como tanto precisa de expressividade, de malicia. Seu jogo em cena é ótimo, rápido. Seu tom de comedia é muito agradável e ao lado de Dulce Jorge conseguiram criar boas gags. Cléber Lorenzoni da o tom da cena, já disseram que ele faz de gato e sapato os colegas de cena e isso é ótimo. O ator/diretor tem domínio total de seu elenco, o que o torna logicamente um diretor muito capaz. Pelo menos em dois momentos eu o vi colocando no texto suas verdades: "tantas pessoas no caminho errado por que não encontraram sua verdadeira vocação" e "animais não, por que alguns animais são melhores que seres humanos".  Dulce Jorge esteve ótima como sóror idosa, pena não haver no roteiro mais tempo para ela mostrar sua Irmã Clara. A trama é longa e Cléber ousou em colocar trechos longos dentro dos muros do convento. Nossa mocinha é perfeita para o papel. Ser mocinha é algo difícil, exaustivo. Mas a noviça Maria, consegue criar algo funcional. As respostas que dá ao General Von Trapp conquistam-no rapidamente. Rápido até demais eu diria. Luísa Maicá entrou na ESMATE há pouco mais de dois meses e conquistou o papel de protagonista por méritos próprios. Claro que ainda parece um pouco insegura em cena, mas essa insegurança deu o tom exato necessário à Maria. Eis um paradoxo muito interessante no teatro, os atores dedicam-se durante anos para aprenderem técnicas que em algumas vezes os tornam tão impostados, tão colocados, que os distanciam do frescor e da verdade que alcançavam no principio de suas vidas teatrais. Esperemos que Luiza consiga encontrar o tom correto. Ainda é preciso dizer que Maria tem uma perspicácia difícil de se encontrar, uma capacidade de improvisar e se resolver cenicamente que admirou muito seus colegas de cena.
                          Gabriel Giacomini e Alessandra Souza conseguem bons efeitos como Mordomo e Governanta respectivamente, ele com tom cômico muito eficaz, ela com energia e ritmo. Dulce Jorge incorpora a vilã perfeita, em uma participação digna da atriz que é. O público a odeia e por isso a ama. Eis o mote da catarse.
              Kauane Silva continua marcante em suas participações, a Macabéa de A hora da Estrela nos deu uma atriz capaz e madura que parece conseguir cumprir com efeito o que Lorenzoni pedir. Esperemos que a atriz continue dedicada e humilde. As herdeiras Von Trapp completam-se em variadas energias e posturas. Kauane como  a madura Marcy, divide o palco de forma virtuosa com Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande e Maria. Kauane Veloso evoluiu muito nos últimos tempos. Luísa Nicolodi pareceu também muito mais forte no palco, sua voz está mais alta e sua energia parece crescer. Maria Luisa tem uma facilidade e desenvoltura muito bonitas. Amanda que era tão tímida, conseguiu colocar até falas de ultima hora, uma pena ter deixado no palco o chambre de Maria. Anita e Sofia são as caçulas. Anita mais observadora e calma, Sofia mais espoleta, mas ambas capazes de prender a respiração da plateia. Eu fiquei apaixonada por cada uma.
                              Lorenzoni deu a cada criança algo relacionado a sua personalidade e aqui aparece mais uma vez a sagacidade da direção. Felipe e Karen como sobrinhos travessos foram uma ótima escolha. E acho muito interessante que os dois são inseridos na cena e ficamos pensando quem são, até que a Baronesa menciona os sobrinhos, eles já não estão mais em cena quando isso acontece, mas nosso cérebro já os codificou. Adoro teatro em que precisamos pensar um pouco.
                                O disfarce proposto por irmã Celeste acaba por ser a cereja do bolo. Embora o beijo apaixonado entre Von Trapp e Maria tenha erguido a platéia. As canções escolhidas são de vários lugares, Zorro, Anastacia, Fantasma da Ópera. Os Saltimbancos, enfim, apenas duas são do original A noviça Rebelde. E praticamente todos se saem muito bem, principalmente aqueles que não esquecem que é teatro com intervenções... Kauane Silva pode buscar mais afinação, praticar mais, cantar mais no chuveiro ajuda!
                                   A voz de Luisa Maicá é doce, e nos faz mergulharmos ainda mais no libreto, no entanto pode falar mais alto. Como problemas do espetáculo indicaria talvez o final muito repentino, depois de vários sub finais.
                                    Na parte técnica Stalin Ciotti e Elle Faccin estão aprendendo, é preciso um pouco mais de dedicação e entrega.
                                 A noviça Rebelde foi um grande sucesso, que deve ficar na memoria da ESMATE.                         

O melhor- O crescimento por parte de toda a equipe técnica. Evaldo Goulart, Stalin Ciotti, Kauane Silva. O apoio de amigos e alunos importantes: Ricardo Fenner, Gabriel Barboza, Ellen Faccin, Douglas MAldaner e Fábio Novello.A dedicação de Clara Devi que está sempre disposta a ajudar os colegas. A descoberta da talentosíssima Luísa Maicá.
O pior: Alguns momentos de arrogância, as faltas durante os ensaios que colocam em jogo o trabalho.,e a preguiça que as vezes aparece, as brincadeiras por parte de quem deveria dar exemplo.


Arte é vida

  A Rainha


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