Quando cheguei na Casa de Cultura não sabia o que esperar. Um elenco
grande, formado principalmente por atores que experimentavam o palco pela
primeira vez, me encheu de memórias sobre a peça de 2018, Lendas. O que mais
diferencia essas duas apresentações, acredito ser a idade dos atores. Desta
forma, minha maior curiosidade era de ver homens e mulheres já adultos
procurando a arte com tamanho interesse. Não são mais crianças tentando equilibrar
lazer com aprendizado ou jovens experimentando tudo o que a vida lhe oferece de
novo. Aquele elenco já tinha uma bagagem de vida maior, mais vivências e mais
com o que se preocupar, por assim dizer. Então, a curiosidade em saber o por
quê eles estavam ali e o que estavam dispostos a fazer pela arte me encheu de
expectativas.
A
casa estava lotada. Compartilhei com meus colegas a alegria em ver o público
enorme que iria prestigiar o teatro seja por causa dos parentes, seja por
amizades ou, quem sabe, por gostar de teatro. É sempre emocionante ver pessoas
novas sentadas nas cadeiras e, mesmo que no fim tenham ido apenas aquela vez,
talvez elas escutem e vejam o necessário para que saiam de lá com um pensamento
diferente.
Outro
momento que me chamou a atenção foi quando o aviso gravado de Cléber terminou e
um longo silêncio se estendeu. Foi hora de pensar se algo de errado aconteceu
ou se estavam preparando para nos dar um susto do nada. Apesar dessa
inquietação, não se escutou nenhuma conversa na plateia. Naquela hora me
perguntei se era isso que o Grupo Maschara havia modificado nas pessoas de Cruz
Alta. Aquele silêncio, sem nenhuma conversa alta, com olhares atentos e
ansiosos sobre o palco escurecido, nenhum movimento com pum da cadeira.
Respeito, pensei. Apenas respeito.
A
peça começou com energia, luz e cor. Como não conhecia nada sobre a história
base, fiquei deveras confusa. Aquele radialista era uma pessoa real narrando
uma rádio novela? No fim o comparei ao Corifeu em uma tragédia Grega, pelo fato
dele narrar a história, interagir razoavelmente com os personagens, estar em um
outro plano visual e aparentar sempre saber de toda a trama.
A
tia de Macabéa, aparecendo no início da peça e retornando mais para o final, vi
que emocionou uma parte do público, mas senti falta que ela mesmo se emocionasse.
O nervosismo aparece se pensarmos que temos que seguir as marcações, falar
alto, ficar na luz e ainda assim sentir a cena. Minha dica particular seria que
ela olhasse bem nos olhos de sua colega de cena, Kauane, principalmente durante
as falas. Dessa forma se estabeleceria uma conexão entre atores e personagens
que resultaria em um grande achado na cena do beijo na testa.
As
moças que moravam junto a Macabéa eram compostas de uma atriz com muita experiência,
outra que já havia subido ao palco em outras oportunidades e uma nova que até
então não conhecia. Esta por sua vez não ficou para trás e não destoou do
resto, garantindo a atenção e mostrando bem a personalidade de sua figura.
Alessandra Souza, com sua personagem pessimista e reclamona me lembrou de
muitas pessoas e quase vi minha própria companhia se virando para mim e dizendo
"Olha lá, se não é o fulano". A uma determinada altura da peça você
acabava criando uma engraçada pena da personagem. Martha Medeiro, sim arrancou
ótimas risadas da plateia. Com uma personalidade ao meu ver inocente e
convicta. Acredito, porém que na cena quase muda dela com Macabéa, quando esta
está ouvindo distraída o rádio, ter levado mais tempo falando sobre a bíblia ao
invés de brigando com a garota teria sido mais proveitoso. Outro detalhe que
talvez deixasse ela mais engraçada seria se não houvesse empurrões de sua
parte. Ela chacoalhar Macabéa quebrava um pouco a convenção de que as duas
estavam em mundos diferentes.
A
dona do lugar era uma das que mais falava alto entre o elenco de novos alunos,
o que ajudou muito para mim que estava sentada no fundo da Casa de Cultura. No
entanto, faltou força na personagem. Não me pareceu que ela conseguiria acalmar
aquelas três mulheres apenas com sua presença. O leque funcionou bem para ajudá-la
a ganhar recursos, talvez tenha lhe faltado alguns ensaios apenas. O que
prejudicou também o momento em que ela escolhe uma das moças para ser a sua
protegida. Não entendo bem o por quê dessa atitude justamente para com ela.
Houve
vários momentos de falas sobrepostas umas nas outras, um deles foi na cena do
pipoqueiro, o qual falava tremendamente baixo. Sua figura passava a sensação de
ser frágil, velha e lenta, mas isso escorreu para a voz. Uma pena, pois em
questão de força presencial ele estava ótimo. A cena acontecia sobre a luz
agitada e interessante, mas quando aquele vendedor de pipoca entrou não
consegui tirar meus olhos dele, esperando para ver suas reações sobre tudo o
que estava acontecendo.
Eliani
e Romeu me impressionaram. Ver a mesma atriz que fez a esposa de Cézar durante
a Paixão de Cristo, fazer aquela mulher tão despojada, sexy, ousada e malvada,
deixou-me atônita. O mesmo digo de seu colega de cena, que exalava energia e
presença, esperneando pelo palco jogando folhas para todos os lados. Um belo estereótipo
de chefe. Os dois interpretaram com tanta maturidade, sem mostrar nervosismo na
cena mais "ousada" ou fazendo as pressas apenas para se livrar da
marcação imposta. Acredito que Teatro é doação e, na Hora da Estrela, esses
dois se doaram muito.
Eliani
criou gestos que deixou sua personagem sempre interessante. Utilizando de
vários achados em momentos diferentes e não apenas se contentando com sua
divertidíssima risada.
Douglas
dá para se dizer que estava bem "Douglas". Apenas características
como um modo de falar diferente o destoavam. Acredito que serviu perfeitamente
para ele aquele personagem, todo o seu jeito naturalmente engraçado de ser
garantiu longas e boas risadas de todo o público. Nos fazendo realmente acreditar
que aquele homem era o par perfeito para Macabéa e seria sua salvação no fim.
Ele fez parecer que o personagem surgiu facilmente, mas acredito que sempre
quando temos essa impressão significa exatamente o contrário.
O
que dizer agora daquela Marilyn Monroe interpretada por Vagner Nardes? Este
ator estava tremendamente inteiro em cena, se tinha preocupações não transmitia
isso. Ela dançava sobre o palco e andava feito uma ilusão da noite. Uma
personagem que acredito ser muito querida por nosso ator e que ele a abraçou
com vontade. Não soube dizer se ela era apenas da imaginação de Macabéa ou se
seria algo maior, devido ao contato com o radialista. Renato também estava
completamente mergulhado. Um personagem que poderia sim ser feito com sua própria
forma de ser acabou não pendendo para esse "fácil" e deu origem a uma
figura única, divertida e poderosa.
Uma
das certezas que tinha era de que Kauane estaria bem em cena. Ouvi falar de seu
tremendo esforço para carregar o nome de Macabéa e, após sua atuação como Musa
Inspiradora em Esconderijos do Tempo, eu criei ansiedade para vê-la como
protagonista.
Ela
permaneceu em cena praticamente toda a peça e despertou a curiosidade em mim
como plateia. Quem era essa figura a minha frente? Novamente sem nenhum
conhecimento prévio sobre a obra, Kauane nos deu a sua Macabéa. Uma garota
avoada, solitária, perdida e sem propósito aparente. Sua miséria tocou a muitos
e me arrepiou em várias cenas, como a do batom, por exemplo. Todavia, como um
protagonista não consegue brilhar sozinho, o fato de não conseguir se apoiar
para com atores mais experientes e na verdade ser esse ator de apoio, deixou
Macabéa um pouco mais apagada.
As
cenas eram compridas e divertidas, muito diferentes uma para a outra, com
ritmos e propósitos diferentes. As cenas entre Douglas e Kauane pareciam tão
naturais e interessantes, mesmo com um texto comum e uma certa repetição
divertida de desentendimento entre os dois. Eu sempre queria ver um pouco mais
da relação dos dois e posso dizer que fiquei chocada com a traição.
Já
esperava que utilizassem de efeitos de luz e som para ajudar na criação dos
climas, mas isso não quer dizer que eu não tenha me encantado mesmo assim.
Sobre esta perspectiva, claramente minha cena favorita foi a dos médicos.
A
sensação de claustrofobia, o medo que Macabéa sentia e passava para nós, a
ansiedade deixando nossos corações acelerados, a cena dos médicos robotizados
mal me deixou piscar. Aquelas figuras passando de um lado para o outro no
escuro, falando juntas e mexendo com nossa personagem principal me fez encolher
em minha cadeira.
Ricardo
interpretava o médico principal e estava ótimo com sua tensão corporal. Não
estava relaxado, mas também não pareceu forçando cada parte de seu corpo para
garantir uma tensão sobre-humana. Uma figura que mesmo aparecendo por poucos
minutos, trouxe inúmeras críticas e se gravou em minha memória.
A
cigana interpretada por Cléber fez muito bem o seu papel. Acredito que uma
personagem como aquela teria poder e recursos para tomar o palco todo para si,
arrancando toda a atenção de Macabéa. No fim senti que estavam ambos estavam
bem balanceados.
A
cena final me deixou com tantas interrogações no rosto que mal poderia citar
todas. Gabriel Giacomini estava um verdadeiro "homem dos sonhos". Uma
chama de esperança para o final feliz que não aconteceu.
Não
entendi bem se os personagens que vinham um por um conheciam ou não a moça
morta no chão. Uns interagiam com ela como se a reconhecessem, enquanto outros
não. Antônio apareceu nesse final, apenas para mostrar aquele lado sujo e
triste da vida. Acredito que ele aparecer exatamente naquele momento, quando
toda a plateia esperava alguma explicação, alguma boa notícia, destruiu
qualquer boa esperança nossa.
Um
ótimo fechamento de história, completamente inesperado por minha pessoa, mas
como disse não compreendi vários quesitos. Isto, no entanto, é um dos fatores
que mais adoro no teatro. O caminho para casa foi cheio de questionamentos e
debates para com meus acompanhantes. Cada um se emocionou em um momento, cada
um tinha uma ideia sobre o radialista, sobre a Macabéa, sobre a srt. Monroe e
sobre o garoto loiro de terno.
Estou
deveras impressionada com todo o elenco, sem exceção de ninguém. Extremamente
feliz por ter assistido a essa peça e de poder dar minha opinião particular.
Agora apenas podemos esperar para a apresentação a seguir e prestigia-los
também.
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