855/856-Tem chorume no quintal (tomos 04/05)

A importância da figura do diretor


             Quando grandes clássicos do teatro subiram ao palco, durante séculos e séculos, o encenador resumia-se a explicar as rubricas. Dividia o elenco à direita ou à esquerda do palco. O encenador não tinha o intuito de criar algo, mas de organizar algo à contento do dramaturgo. O encenador podia ser as vezes um funcionário do teatro, um assessor do dramaturgo. O Teatro teve durante muitos anos a função de colocar sobre o palco a ideia escrita por um dramaturgo, uma ideia ligada ao momento, á época em que a historia foi escrita. Olhava-se para o palco com a intenção de conseguir interpretar os grandes papeis, reprisar as historias escritas pelos grandes homens de teatro.
             Finalmente o raiar do século XIX concedeu ao mundo ocidental a possibilidade de perceber o texto teatral como algo atemporal, algo que precisa de conexão com o momento. Por exemplo, eu não quero ver um Otello  na Veneza medieva, quero ver um homem negro que se apaixona por uma jovem mulher e que sofre com seu ciúme doentio, quero ver uma ideia inédita, que me faça refletir minha vida atual, ou a vida do mundo ao meu redor. O Hamlet de Shakespeare é um jovem que tem seu pai morto por um tio ambicioso, pouco ou nada me importa a riqueza da Dinamarca de um ou dois séculos atras, mas me importa o drama, o conflito, o que isso pode me provocar. Surge daí, a figura do diretor, um homem que vai contar uma historia. Uma historia nova e atual. A historia sobre o palco está sendo contada sob a batuta do diretor. Ele é o maestro de uma trama, de uma ideia. 
            Tem chorume no quintal é uma obra fechada, escrita por um dramaturgo/diretor. Se ela for dirigida por outro diretor, terá figurinos de outras cores, terá marcas diferentes, outros cenários. As cenas tangencias serão outras, as cenas pulsarão em outro momento, e principalmente a ideia final da obra artística me tocará em outros cearas. 
            Cléber Lorenzoni coloca no palco três atores do primeiro escalão do Máschara em um processo matemático muito inteligente. 1,1-2, 2,3,3-1,3-1-2. No segundo escalão temos Evaldo Goulart, que não brilha em uma grande criação como na estreia de O Hipocondríaco, mas que cumpre bem seu papel. Logo depois o terceiro escalão onde está protagonista, uma escolha ousada. Ali também encontram-se Stalin Ciotti e Vagner Nardes. Ciotti é desses atores com quem vale a pena trabalhar. Em questão de minutos ele te da uma partitura, uma construção. Vagner tem garra em cena, precisa claro de muita técnica ainda, mas equilibra-se perfeitamente com o restante da equipe. Seu jogo é ótimo, as vezes pode ter mais personalidade, mas isso virá aos poucos. Ciotti é uma ótima escolha para o menino Júnior, na segunda apresentação esteve muito vigoroso, mas ainda pode chegar em algum lugar em comum com Clara Devi, são um casal romântico. 
                   Clara Devi deve buscar a calma, intercalar ou preencher silêncios com presença física. Clara Devi detém o papel mais importante sobre o palco, no entanto Alice ainda não se apropriou do espetáculo. Torçamos que isso aconteça no restante da temporada. 
                        O prologo novo acrescentou graça e frescor ao espetáculo e a expressividade suave de La Devi convence e muito. Pode-se aproveitar mais as pausas, os tempo, as densidades. Sentir os anciãos com suas técnicas. O que cada um tem para acrescentar. Cléber Lorenzoni com seu poder atrativo de Leopardo, Renato Casagrande com sua grandiosidade de urso, Alessandra Souza com seu olhar clínico de coruja. Todos repletos de sons, gestos, forças, historias pelas quais os atores jovens devem ansiar. Correr atrás. Há nessa continuidade cíclica o mesmo processo pelo qual escoteiros ou ainda o menino Mogli passou.
                          A quarta apresentação de "Chorume" é madura e orgulha os atores pela dignidade com que se fala de algo educativo sem parecer enfadonho. Aliás a cena de Dona Cremosina pode ser mais balanceada por informações técnicas que Clara Devi e Evaldo Goulart podem buscar, como fonte de pesquisa e de crescimento. 
                          Alessandra Souza foi muito bem na apresentação da manhã, mas precisa cuidar para não atuar apenas para o público. Falta jogo com os atores jovens da cena. Dominar uma cena é processo difícil e maravilhoso, mas não pode ser prejudicado por atuações orgulhosas ou egoístas. Alessandra Souza arrancou gargalhadas do público, uma grande! 
                          Renato Casagrande adquire à cada papel, maior sabedoria, maturidade cênica. Atua em outro patamar, o patamar dos grandes atores do Máschara. Mas precisa ter muito cuidado com suas improvisações. Para mim que passei anos vendo Cléber Lorenzoni encerrar os espetáculos e falar coma platéia, é muito digno ver outro ator ocupar esse mesmo espaço sem egos inflamados, ou invejas egocêntricas. 
                            A contra-regragem de Kauane Silva e Laura Hoover foi bem executada e deve ser sempre, como qualquer outra contra-regragem, ambiciosa, artística e profissional. Os contra-regras são tão importantes quanto os atores. Saber o que são gelatinas, pontos de luz, espaços do palco, botões, extensões. Montar coxias, erguer escadas, organizar adereços... 
                              Vamos ao teatro, aprender, debater, inspirar...
                               Teatro é arte pura, arte é vida...

                                           O melhor: A maturidade com que se compreende a não necessidade de todo o elenco do Máschara em dia de espetáculo.
                                                O pior: A ausência de gente de teatro em dia de teatro!

                                                       A Rainha


Cléber Lorenzoni (***)(**)
Renato Casagrande (***)(**)
Alessandra Souza (***)(**)
Stalin Ciotti (**)(***)
VAgner NArdes(**)(**)
Clara Devi (*)(**)
Evaldo Goulart (**)(**)
Kauane Silva (***)(**)
Laura Hoover (**)(**)
                         
                        
             
              

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