848-Complexo de Elecktra - (tomo 17)

O fim do Matriarcado

             Em tempos de empoderamento e de mudanças no comportamento entre homens e mulheres, Complexo de Elecktra nos traz grandes reflexões sobre as escolhas perversas e suas motivações masculinas e femininas. Úlrica e Ereda, mãe e filha presas em um lugar fictício no meio do nada, dividem as posses de um matriarcado. Ambas são passionais e dependem de homens fracos para alcançarem seus propósitos.
                        Mãe e filha se assemelham e muito, fica claro, mas Úlrica nos enfatiza com sua fala ao final da quinta cena: "-Um dia minha filha, um dia tu vais perceber que somos iguais." Ambas mostram-se carentes e frágeis, frustradas afetivamente. Parece-nos que a mãe tira do poder o pai das crianças e coloca em seu lugar o pobre Bertold, covarde e aproveitador. É a mãe quem decide, quem escolhe seu parceiro, quem levanta e destrói reis. Úlrica reina nessas terras, até que Ereda em idade adulta ao vingar-se pela morte do pai, assume o poder. Mas quem irá comandar? Quem estará a frente? Outro homem? Ereda quer para o poder outro homem, Henrique, por que possivelmente se sinta fraca, o poder que estas mulheres tão explosivas elencam é o dos homens. Não se julgam fortes o suficiente. Bender parece manter viva em seu texto a ideia ancestral de que o homem deve comandar, ainda que quem decida por trás, nas sombras, seja a mulher. Úlrica e Ereda não seriam capazes sozinhas. Mas por que não? Eu vou para casa com essa duvida, por que esse matriarcado precisa de homens. Em determinadas culturas o homem é usado como um zangão, fecundador das fêmeas. Mas aí chegamos ao grande estimulador desse texto. Ulrica não precisa ser fecundada. Precisa ter prazer. Duas mulheres iguais mas separadas pelos objetivos. Ulrica quer o prazer, quer o homem ainda que fraco, mas que a aquece. Ela é o homem, Bertold é a mulher no sentido mais semântico da palavra. Ulrica é uma mulher que define seu futuro, longe das regras impostas pela vida em sociedade. Mas seus planos dão errado, em partes pelo simples prisma de que Ereda não pode concordar com a destruição do pai. O mais interessante é que no mundo ocidental, durante centenas de anos, vemos a mulher suprimir seus desejos, ao homem é permitido livremente exprimir sua pulsante sexualidade, e para levantar ainda mais a questão, o diretor coloca um homem para pronunciar o texto de libertação, a catarse de Úlrica. Para nós enquanto público, isso pode ter várias leituras, prefiro a que me passa a ideia que todos somos iguais, mas é impossível não pensar: É preciso ser um homem por traz da personagem para Ulrica assumir que sente desejo, paixão.
                      Werner, aqui interpretado por Douglas Maldaner traz para Ereda o opção do prazer, ele a deseja, a toca, no entanto Ereda não o quer. Ereda desejava o pai, dentro de sua psicopatia, e agora deseja vingar-se. Não aparece nela vontade de sucumbir ao sexo ao lado de Henrique. Ao contrário, diria que Ereda está fechada, seca talvez, embora haja nela a vontade de plantar, de germinar os campos que outrora foram do pai. 
                       É fortemente visível ver as duas trocas, Henrique trocando a anulação cega à religião pela coragem de enfrentar a vida. Enquanto Úlrica opta pelo desejo, abrindo mão da vida em paz com a família. No outro núcelo, Ereda troca a vida familiar que teria com Werner, pelo enfrentamento. Ereda e Henrique estão conectados. Unidos. São frutos de escolhas do pai, Agamenon na tragédia original. Atená exigiu o sacrifício de Ifigênia, o pai curvou-se aos deuses e preferiu o sangue entre as mãos. Henrique e Ereda não tem como escapar disso. 
                       Para nos lembrar que falamos de oráculos e deuses, Dulce Jorge vem à cena e consegue dar o tom perfeito do mistico. Somos todos feitos de mitos, de crenças. Estamos ligados à terra por forças indizíveis, por ciclos que se renovam a cada dia. A velha entra na casa pedindo moedas como costuma pedir na porta do culto, onde mais pessoas se reúnem em prece à pedir auxilio aos deuses. Úlrica não foi ao culto, está em falta com seu altar sagrado, mas os Deuses vem até ela, lembrar-lhe que um ciclo está se encerrando. 
                        O Henrique de Renato Casagrande ainda se humilha para a mãe em uma cena sublime e emotiva em que a química dos dois atores fica muito explicita. Renato Casagrande assim como Alessandra Souza tornaram-se dois grandes atores, filhos específicos da cartilha de Cléber Lorenzoni. 
                        Fabio Novello como tio Bertold se coloca perfeitamente na postura de homem fraco, dominado. Acredito que ainda pode encontrar caminhos na cena em que luta com Úlrica. Um pouco mais de duvida, de revolta, de força contrária e a cena ficaria incrível. 
                        Gabriel Giacomini também alcança maturidade em sua construção. Me admira a capacidade de compreender e valorizar um personagem que tem apenas uma cena, isso denota a compreensão de seu ofício. No entanto é na operação da trilha sonora que sua responsabilidade e dedicação mais honra o trabalho.
                        Complexo de Elecktra é  teatro, teatro à frente. Um teatro expressivo, reflexivo. Ali certamente nossa mente se torna livre. Elecktra do máschara provoca um transe, nos propõe a profundidade da psicanalise das personagens, e um expressionismo que ressurge mais vivo. Isso fica claro na força dos enfrentamentos, na energia, na gana com que se tocam as personagens, na exposição do corpo, na visceralidade do texto.
                          Para cumprir totalmente sua função, só falta maturidade, dedicação por parte de alguns e compreensão da importância do que estão fazendo.

                       Arte é Vida

                                         A Rainha

O melhor: o trabalho conjunto e maduro que encontro em outras grandes produções como Esconderijos do Tempo, A Roupa Nova do Rei e As Balzaquianas.
O pior: A imaturidade que aparece as vezes nos bastidores.

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