847 - Complexo de Elecktra - (tomo 16)

O retorno de um sucesso


                 Não há como não considerar Complexo de Elecktra um grande sucesso, se não pelo talento dos atores ou brilho estético do espetáculo, ao menos pela escolha do texto e ainda pela proposta ousada de levar vinte pessoas para o imperial Palacinho do Máschara. O público espera ansioso no hall até às pontuais dezenove badaladas do relógio e então adentram para um espaço sinistro, obscuro, a casa dos Átridas. Ali o diretor Cléber Lorenzoni criou algo único no teatro cruzaltense. Complexo não se compara há nada que já tenha sido montado pelos herdeiros de Giane Ries. Somando textos de Shakespeare e Lorca, Bender, Eurípides e até mesmo algo de O'Neill, a Elecktra de Lorenzoni torna-se uma obra exclusiva. 
             Grupos iniciantes tem a manina de sair montando tudo o que vêem pela frente, é um ato interessante, mas demonstra imaturidade. Cléber Lorenzoni  escolhe com calma, pois um grupo de tantos anos de historia precisa escolher com personalidade, com ideologia artística. Cada escolha do Máschara vai acompanhá-los por muito tempo ou representar algo em sua proposta ideológica e estética. 
                    Enquanto Henrique/Orestes despede-se do amigo fiel no seminário, abrindo mão da vida religiosa e trocando-a pela faca que recebe, a figura trágica de Ulrica já está a espreita. Nós já sabemos que a peripécia está estabelecida e que parte daquela personagem obscurecida. Ulrica está presa em uma redoma do passado, em uma alcova de rendas, em seu jardim ressequido, morto como vemos através das pétalas no chão. 
                        As cenas que partem daí são expressionistas: a morte do tio, a velha cega, a construção física de alguns personagens. Mas o espetáculo sofre para ser resumido à essa ou aquela nomenclatura, ele é muito mais que isso. Ele foi concebido em uma época de auto-afirmação de valores artísticos.  Há é claro uma direção bastante firme, mas há pesquisa visível,  incertezas, algumas marcas imprecisas na busca de um acerto, de uma verdade que justifique sua existência.
                          O trabalho dos atores é intenso, volátil. Principalmente dos atores do primeiro escalão. Alessandra Souza atinge um dos pontos altos de sua carreira, impondo autoridade trágica a personagem, principalmente no bife sobre o sepulcro do pai. Talvez eu criticasse o volume de vozes, e é interessante os atores compreenderem que as vezes o texto berrado propõe um desconforto interessante nesse tipo de montagem, mas em dados momentos é preciso ouvirmos realmente o texto pronunciado em teatro de câmara.  A rainha fragilizada e acoada se contrasta com a mulher cheia de empáfia e orgulho ao se encontrar com tio Bertold/Egisto. Fabio Novello é um ator esforçado, fica muito bonito em cena como o tio fracassado e covarde que Bender criou, pode ser no entanto ainda mais instintivo, mas irracional, mais animalesco.
                            As questões politicas passam apenas em pinceladas, o poder autoritário da mãe que reina absoluta, que pouco se importa com a prole, pois está mais preocupada em fornicar com Bertold parece nos lembrar do que acontece na capital dos três poderes, e  culmina com o matricídio em uma cena emocionante interpretada pelos atores Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande.
                             O esforço corporal é intenso, não fica apenas no texto como seria natural em uma tragédia grega bem impostada, há tapas, gritos, empurrões, um tocar-se refinado para determinado público e ao mesmo tempo muito agressivo para outro. A velha de Dulce Jorge profetiza muito bem o futuro catastrófico de Ulrica, e pode cuidar os tons agudos, talvez a rouquidão acrecesse mais medo àquela altura do espetáculo.
                             Um espetáculo feminino em suma, sobre submissão e empoderamento, ainda que para serem livres, as mulheres tenham que sacrificar valores. Auto flagelar-se e consumir-se em dores agudas. 
                               O teatro no palacinho é um tanto chocante, não para quem tem o costume de ver teatro, mas um tanto para o acomodado olhar crítico de uma cidade do interior que reflete uma sociedade satisfeita com o:"deixar como está". Um teatro que ainda pode e deve ser muito assistido. Atores como Douglas Maldaner, e a geração jovem do teatro cruzaltense precisam ver esse tipo de teatro, para não se iludirem de que teatro é diversão unicamente com carinha de show circense. Não se deve vender pipoca na porta do teatro, por que a platéia precisa-se engasgar-se ao assistir um bom espetáculo. 
                                Douglas Maldaner evoluiu muito cenicamente e isso certamente tem a ver com sua condição pessoal. Não há como separar, o ator, felizmente reflete no palco o evoluir de sua existência, de suas percepções da vida la fora. 
                                   Na contra-regragem cuidados com luzes, portas e sons de saltos devem ser mais observados. O debate ao final do espetáculo é um arrojo e serve como estimulo e desenvolvimento critico da platéia. Mais teatro desses por favor!!!!!


                                            Arte é Vida


                                                                  A Rainha
                          

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