Crítica do espetáculo As balzaquianas por Antonio Carlos Brunet

CENA VIVA 2019 - FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE SANTA ROSA
As Balzaquianas
Cruz Alta-RS
Crítica do espetáculo por Antonio Carlos Brunet
Equilíbrio raro, entre ternura, irreverência e ousadia, é o que consegue Cleber Lorenzoni e o Grupo Teatral Maschara, de Cruz Alta, RS, com o espetáculo As Balzaquianas.
Estamos diante de uma livre adaptação do monólogo de José Saffioti Filho, A Rainha do Rádio. Numa manobra arriscada, porém vitoriosa, Cleber Lorenzoni ousa introduzir outra personagem ao texto original, criando assim Leninha, sua ouvinte e fã ardorosa. Adelaide, personagem central, é uma locutora de rádio, que mantém um programa diário, ao meio-dia, sobre variedades, inserções musicais, poesias e comentários sobre o cotidiano das pequenas cidades do interior. Durante a ação, Adelaide comemora os 25 anos do programa, de maneira muito peculiar: ao invés de ir ao ar ao meio-dia, está sendo transmitido à meia-noite, já que ela tem como entrar no prédio e colocar a rádio no ar. Por estar comemorando, ela, durante o programa, brinda aos seus ouvintes com um espumante, que ela bebe, e que, com o passar do tempo, vai alterando o comportamento da distinta apresentadora. Leninha, do outro lado, ouvindo o programa, reage à altura às provocações de Adelaide.
Estabelecida tal circunstância, Cleber Lorenzoni deita e rola, com picardia e irreverência, sem 'perder a ternura jamais', lançando um olhar agudo, crítico e solidário às agruras femininas, com elas (as agruras e as mulheres) identificando-se plenamente e, com seu talento e perspicácia, envolvendo a todos nós, espectadores, convidando-nos a um mergulho vertical às profundezas da alma feminina.
Há respeito e admiração. Há deboche e inconformismo. Há delicadezas e grosserias. E, sobretudo, há um talento e uma verve extraordinários desse ator/diretor que, mesmo nos momentos onde, à primeira vista, corre o risco de cair numa vala comum de concessões e apelos chulos, estes são objetivamente direcionados, e com maestria, coerentemente à concepção, que visa traçar um painel sensível e humano sobre a solidão humana (tanto faz feminina quanto masculina). No caso específico, a escolha cai sobre uma personagem feminina. Representada, porém, por um homem; o que escancara sobremaneira, via distanciamento, a necessidade e a justa premência do empoderamento que se estabelece no decorrer da ação. Cleber Lorenzoni, com sua Adelaide, é a mulher mais empoderada vista em cena, durante o Festival Cena Viva, de Santa Rosa, RS, 2019. Ativo e enfático ele dá conta do recado, na prática, sem levantar bandeiras e teorias, ao contrário do que sói acontecer muitas vezes, com trabalhos absolutamente apáticos, onde o empoderamento buscado permanece tão somente como um tremendo esforço de ser, encoberto por camadas de passividade.
O Grupo Teatral Maschara chegou, ao longo de seus 27 anos de existência, a um patamar incontestável de qualidade em seus trabalhos. Tudo gira a favor da plenitude do espetáculo: cenário, trilha, iluminação e figurinos, com unidade, bom gosto e simplicidade.
Dulce Jorge, atriz e fundadora do Grupo, juntamente com Cleber Lorenzoni, defende com garbo sua dona-de-casa rádio ouvinte. A direção usou o artifício da ouvinte alheia ao universo original do texto, inserindo-a, não meramente como escada para os devaneios e discursos de Adelaide, mas, principalmente, como representante legítima da mulher comum, que ao se permitir transformar, abre portas para que se estabeleça um empoderamento consciente, que jamais havia sonhado ter e poder.
Esfuziante. Borbulhante. Inebriante como uma taça de champanhe, que nos leva - como um soco na boca do estômago - à reflexão sobre as contradições e as condições do feminino no mundo contemporâneo, é o que nos proporciona As Balzaquianas.
AS BALZAQUIANAS
Texto adaptado - Cleber Lorenzoni & Angélica Ertel Cenografia - Grupo Teatral Maschara Iluminação - Renato Casagrande Sonoplastia - Angélica Ertel Figurino - Cleber Lorenzoni Maquiagem - Cleber Lorenzoni & Dulce Jorge Elenco - Dulce Jorge / Cleber Lorenzoni Direção - Cleber Lorenzoni
Antonio Carlos Brunet
Maio 2019.

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