821 - Lendas da Mui Leal Cidade (tomo 5)

              O Teatro é nosso!

                     O traço mais característico do teatro cruzaltense, é que ele é um teatro jovem. Não é raro por exemplo ver atores jovens interpretando personagens de idade madura. Cléber Lorenzoni, Dulce Jorge e Renato Casagrande, dentre outros, como na geração anterior, Angelica Ertel e Gabriel Wink, interpretaram grandes personagens sem muito esforço, munindo-se apenas de técnica e talento. O teatro Cruzaltense possui uma historia muito bonita, graças ao esforço do Grupo Máschara, por isso dentro de alguns anos, muitos serão os atores provenientes daqui em grandes centros seguindo a carreira, caminho esse já trilhado por Lauanda Varone, Gelton Quadros, Angelica Ertel, Sinome De Dordi e Alexandre Dill. O teatro cruzaltense tem platéia cativa, tem fãs, apoiadores, e suscita em muitos o prazer em assistir um bom espetáculo teatral. 
                      O que falta então?
               Insistir incansavelmente, até os pais perceberam a importância do teatro na vida das pessoas, até os filhos, os pais e seus avós preencherem as fileiras do prédio teatral e valorizarem seu artista. 
                     O método iniciado por Dulce Jorge, aprimorado por Cléber Lorenzoni e agora praticado por Alessandra Souza e Renato Casagrande, tem propiciado bons trabalhos ditos "escolares" ou ainda "estudantis". Mas Lorenzoni não trata seus alunos como alunos e sim como jovens atores/artistas e isso é que mais me orgulha na ESMATE. 
                      Hoje estive no teatro para rever Lendas da Mui Leal Cidade, que tem um roteiro invejável. Quatro historias se intercalam, tendo como pano de fundo uma vila do século XVIII, que viria a tornar-se à Cruz Alta de nossos dias. Índios, escravos, amores, fé, e até mesmo o místico é questionado no palco, o que me lembrou aliás um autor que li há poucos dias: Christopher Fry, um dos poucos autores ingleses em vários séculos, a conseguir alcançar sucesso nos palcos com teatro e poesia. Teatro e poesia, talvez assim eu possa denominar a obra de Cléber Lorenzoni. A poesia desse diretor/autor está no ato, nos silêncios, no parto de Lívia, na água da bacia onde o padre é torturado, no cômico versus drama com o qual o Máschara brinca tão bem. E essa capacidade nasce da ESMATE, nasce da pesquisa, dos encontros, das discussões que são tão incentivadas por seu diretor. 
                           As cenas propostas nas aulas tem como principal objetivo despertar nos alunos a criatividade, o olhar sobre a vida. Essa é a função primordial da escola de teatro e gera grandes frutos para o circulo artístico de Cruz Alta.
                         Os espetáculos de Cléber Lorenzoni tem uma estrutura estética bastante simples. Prólogo (sempre), muitas cenas tangenciais, curva dramática acentuada a partir da segunda ou terceira cena, nesse caso ela começa a se emoldurar na cena do Estancieiro. A curva dramática vai promovendo réplicas intensas, que vão preparando a próxima cena até alcançar o clímax. Cléber Lorenzoni nunca encerra um espetáculo sem promover o pós clímax, ou relaxamento ao gosto de Aristóteles e que percorre todo o teatro clássico no decorrer das épocas. No método do Máschara há sempre cartas na manga, muita música incidental e não raro, somos levados às lágrimas em algum momento. 
                                 No elenco Cléber escolhe levando em conta tipos, dedicação e força. A direção acerta, talvez Lavínia Antonelly pudesse trabalhar um pouco mais sua força, versus a leveza que adquiriu com a dança. Laura Hoover é uma atriz ótima e tem presença intrigante sobre o palco, precisa no entanto trabalhar sua técnica, para ter mais cartas na manga. Maria Eduarda triangula à altura de seus colegas de cena, mas falta a ela bem como as outras protagonistas, ainda mais técnica vocal. Kauane foi definitivamente a dama da cena, ainda que apareça muito pouco na cena, sua presença é forte, seu olhar fuzila. 
                                O antagonista principal é o pai de Lívia e Renato Casagrande, embora seja um grande ator, pareceu um tanto jovem nessa ultima sessão. A cena de Lívia e dona Isaurinha é a cena mais dolorosa do espetáculo, talvez por isso Cléber a tenha montado praticamente toda com atores profissionais. A cena subiu, causou, mas estava rápida, gritada e sem os detalhes com os quais o diretor a criara. 
                                  Nas personagens cômicas, (lavadeiras e costureiras) encontra-se a crítica social de Lorenzoni às velhas picuinhas e beatices que tanto afloram nas cidades pequenas. É fácil compreender que por trás de historias tão delicadas e há a percepção de que aquelas jovens lavadeiras se tornarão nas velhas bruxas futuramente.  Poucos tem coragem de se revoltar aos conceitos instaurados há tanto tempo. Lívia se nega à tornar-se uma nova Isaurinha e por isso a heroína do drama paga tão alto preço. A natureza até tenta ajudá-la, como na obra de "Fry", mas o livre arbítrio fala mais alto e o bebê bastardo lhe é tirado dos braços. 
                                     As jovens são como o coro grego, que vai contando a trama, desenrolando-a, são também a própria lagoa e poderiam ainda ser as moiras que decidem o final da trama. Ali interpretadas, por Douglas, Renato, Nicholas, Cléber e Stalin. O destino se satisfaz apenas quando o cura é solto da prisão, o bebê que grita na lagoa precisa ajudar a única pessoa que lhe apoia, que lhe estende a mão batizando-o. 
                                     As dicções são boas no elenco masculino, mas parece ser a lacuna do núcleo feminino. 
                                   No elenco infantil uma novidade, a pequena Gabriely Fischer, ao lado de Yasmim e de atores mirins já conhecidos. 
                              O espetáculo sofreu muito com a pouca luz, uma opção da direção. Principalmente nas cenas cômicas. Lendas da mui leal cidade é um belíssimo trabalho, onde vejo atores maduros e iniciantes, deve ser muito apresentada, pois nos orgulha em ver jovens tão bem encaminhados para adentrar a vida dos palcos. Parto para casa orgulhosa de ver os filhos de Cruz Alta falando dos ancestrais de Cruz Alta. 

                    O melhor: A cena intensa entre Gabriel Giacomini e Stalin Ciotti no momento da tortura.
                    O pior: A postura de professores no foyer, antes e após o espetáculo.


Arte é vida


A Rainha

       
                           
                        
                   

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