827- Esconderijos do Tempo (tomo 89)

                      Quando assisto um espetáculo de teatro, tento estar bastante aberta, disposta mesmo a receber toda e qualquer ideia que o espetáculo queira me passar. Quanto a interpretação dos atores, tento ser tocada pelo dom, pela alma dos atores, ou pela técnica. No espetáculo Esconderijos do Tempo, o que sempre me surpreende, é a formalidade, a direção de Cléber Lorenzoni, precisa, sagaz, firme. Cada gesto, cada ação, cada momento possui uma escolha muito firme, embasada em técnica. Talvez por isso esse espetáculo seja um dos melhores dramas que já assisti, carregando aliás consigo algumas características de tragédia. 
                         É interessante analisar a quantidade de técnicas que há em um espetáculo, muitas vezes de forma intuitiva, o que prova que teatro tem dogmas milenares, estabelecidos há muito tempo de uma forma universal, ou seja você pode fazer teatro em qualquer lugar do mundo, a base será sempre a mesma, a ideia, o objetivo do teatro estará la. As formulas, as regras, os gráficos, os estilos, tudo se cruza, se mistura. De forma que é impossível dizer quem aprendeu o que, com quem e  onde. 
                          Esconderijos do Tempo fala das dores humanas do personagem central, desde o dia em que é surpreendido por uma criatura estranha, que lhe prende a atenção e que permanece presente em sua existência até o momento de sua morte. Se observarmos o período em que o espetáculo foi criado, em 2006, com roteiro de Cléber Lorenzoni e Dulce Jorge, vemos ali muito forte o MÉTODO de Stanislavski. Memória Emotiva, Ações Físicas e Analise ativa. Importante pensar como Grotowski e Brecht que em algum momento se deram conta de que tudo na verdade passeia de algum momento pelos métodos de Stanislavski, tão abrangentes e poderosos. 
                              A curva dramática que começa a curvar-se com maior intensidade na segunda entrada do espectro da musa vai afunilando a narrativa, dá uma pausa cômica em Gouvarinho para novamente intensificar-se com anjo, visita de Dona Glorinha e finalmente o clímax máximo na morte do poeta. Cléber Lorenzoni nos da no mínimo quatro Mários. O adolescente, o homem adulto, o senhor de meia idade e finalmente o idoso que vê a iminência da morte. O senso de humor de Quintana é transformado aqui em força contrária e o Máschara nos apresenta a complexidade de uma vida celibatária, na qual um homem solitário tenta viver com toda a sua tristeza recolhida e a devolve em forma de poesia lírica ao mundo. 
                                 O público de Nova Ramada, tão acostumado às comédias do Máschara deve ter estranhado tanta tristeza explícita, tanta dor, e me questiono quanto a isso, o teatro deve ser levado aos públicos todos, mas deve haver uma escolha, uma decisão bem tomada, ou será que todos os espetáculos são para todos os públicos? Talvez, mas talvez quando o assunto tange aos pequenos, as crianças, deve haver uma boa escolha, pensada, baseada na transformação que se quer alcançar. 
                             No elenco a veterana Dulce Jorge dominando sua cena, fazendo cortes precisos no texto para não alongar uma cena tão triste perante as crianças. Cléber Lorenzoni em um dia fraco, sem a grande interpretação pela qual é conhecido. Volume, técnica, mas pouca alma. Cléber Lorenzoni tornou-se um ator que sente demasiado o público e isso o atrapalha. Cléber Lorenzoni atua com toda a platéia em seu bolso. 
                                Alessandra Souza esteve muito bem, mas ao vê-la em Lili senti vontade de dar um conselho a atriz. Não está na hora de dar o papel de Lili para uma atriz mais jovem, que esteja começando. E mergulhar integralmente na personagem da Musa? Renato Casagrande cumpre sua função, mas tem talento para muito mais que aquela pequena participação. Fabio Novello vem melhorando sua interpretação, seja como Gouvarinho, como o contador de historias em O Castelo Encantado ou tio Bertold em COmplexo, é gostoso ver o ator ir se dando mais espaço no palco, só acho que Novello pode e deve trabalhar mais a interpretação dramática, praticar mais as construções dolorosas.. Laura Hoover esteve linda com penteado de Renato Casagrande. Uma verdadeira mocinha ilustrada nos manequins dos anos quarenta. No entanto Laura pareceu um pouco cansada, cumpriu sua função. Uma bela atriz no palco, mas aquele vigor, aquela alma, aquele prazer que causava em quem assistiu das outras vezes não esteve presente. Uma pena. Atrizes que estão começando devem sempre se dar ao máximo em cena. 
                                  Não dava pra fazer muita coisa em um espaço tão desimpossibilitado como aquele de Nova Ramada, mas a cena final no escuro, foi ato muito penoso e incompetente. Em pleno final, quando todos deviam ver o olhar agradecido do interprete. Uma pena. 
                                     As "gentes" do teatro devem sempre fazer o melhor, pois nossa luta é apra criar o hábito, a tradição e o respeito pela categoria. Falhas não são, não devem e não precisam ser permitidas. Stalin Ciotti deixou muito a desejar. Primeiro escureceu o ator, depois quando o espetáculo acabou quando deveria ter tudo escurecido, deixou tudo iluminado de forma que a plateia não sabia se havia acabado ou não. Devemos cumprir aquilo que nos propomos ou declarar que não podemos assumir certas responsabilidades.
                                          

                                           O melhor: A madura e lúcida interpretação de Dulce Jorge.
                                           O pior: A escuridão no rosto do interprete na ultima fala da peça.

Laura Hoover (**)
Clara Devi (**)
Maria Antonia (**)
Kauane SIlva (**)
Stalin Ciotti (*)
Felipe Padilha (**)


                                         Arte é Vida
                                   
                                
                             
                           

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