819- Lendas da Mui Leal Cidade - tomo 4

A carpintaria teatral...






                 O teatro é dividido em setores, cada setor precisa cumprir sua função com exímia perfeição para que o produto final, ou seja o espetáculo teatral alcance o sucesso almejado. De todas as artes, o teatro é talvez, a mais estreitamente condicionada pelo momento cultural que a produz. E quanto mais válida, mais condicionada e mais expressiva dos fatores condicionantes. Todo dramatista que procurou alcançar ideais literários arbitrários e escrever fora de seu tempo foi irressarcivelmente condenado ao esquecimento: todos os grandes nomes do teatro universal são, acima de tudo, produtos exatos do momento em que viveram. As grandes obras que sobrevivem através dos séculos adquiriram contemporaneidade diacrônica por meio de uma riqueza nascida do profundo conhecimento que o autor teve dos homens de sua época.
                  Cléber Lorenzoni não é dramaturgo, mas está no caminho, escrevendo textos e adaptações incríveis ao lado de colegas da área. Bulunga o Rei Azul (1997) O Incidente (2005) Esconderijos do Tempo (2006) Lili Inventa o Mundo (2006) O Castelo Encantado (2005) Olhai os Lírios do Campo (2015). Isso sem falar nos textos escritos na ESMATE. A dramaturgia é uma arte ímpar, que pode estar a serviço do encenador, ou não. Lorenzoni escreve seus próprios textos pensando na linguagem humana e cultural do momento em que vive, da função semiótica, filosófica e psicológica que o teatro carrega. 
                 Lendas da Mui Leal Cidade agradou principalmente pela linguagem regionalista, uma apelo tão atual quando levada em conta a época de sua encenação, o aniversário do município, tema de suas tramas centrais. 
                    Um texto teatral precisa ter em suma um bom protagonista e logicamente com bom antagonismo. Precisa ter uma trama principal sem muitos circunlóquios, que também não menospreze a capacidade cognitiva do público. Um bom texto precisa ter bons personagens coadjuvantes. Um bom tema a ser debatido (mensagem), não deve ter barrigas, partes dispensáveis. Deve ter revelações, cartas na manga. Surpresas. Deverá ter após ou anterior a cenas de alto teor dramático, momentos cômicos, para equilibrar as emoções do público e alcançar um maior número de expectadores na platéia. 
                       Depois dessa fase vem os atores, a serviço do olhar do diretor. O Ator é uma massa de modelar, e deve submeter-se a ideia que o diretor tem para todo o espetáculo. Os atores são chamados não apenas por seu talento, mas por seu perfil, um feeling que o diretor parece enxergar, que irá casar perfeitamente com a proposta da personagem. O trabalho do ator está em esforçar-se em compreender a proposta de seu diretor, o que o diretor quer dizer com determinada ideia, onde ele quer chegar, como ele quer tocar a platéia. Em Lendas por exemplo, a função de cada ator, era ler as lendas, as suas várias versões e adaptar-se ao texto do diretor, a versão que Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande queriam contar. Até por que existem centenas de formas de se contar uma mesma historia. E cada artista vai ter a sua única. Atores não são diretores, não são cabeleireiros, não são cenógrafos, nãos são nada que não lhes tenha sido proposto. São Atores. 
                      Após o trabalho do ator é que vem as escolhas de figurinos, os cenários, a iluminação, a trilha. E ainda que hajam respectivamente, figurinista, cenógrafo, iluminador ou compositor, ainda assim, é a decisão do diretor que fala mais alto. E a propósito, que figurino mais lindo. Assinado por Renato Casagrande, a palheta de cores, o tom envelhecido. Um arrojo.
                          O trabalho de ator não tem fim, e por isso é o mais saboroso, o ator pode degustar sua personagem. Eduarda Jobim por exemplo, poderia questionar-se: Como sua mãe morreu? O que sentia por Carolina? Como ela se sentia ao sair com o pai naquela manhã? O que Carolina a ensinara? Isso credenciaria a atriz novas criações, sutilezas, detalhes únicos próprios da atriz que mostraria assim seu talento. 
                         O ator Ricardo Fenner, que interpretava o Pe. Antonio, não o Sépe, pois esse era missionário que viveu muito antes de onde a historia se passa. O padre de Ricardo Fenner esteve muito bem em cena, mas pode aprofundar mais a personagem, como se porta um padre, um homem que vai de casa em casa, como é seu jeito de falar, possivelmente ele estudou na Alemanha, Itália ou Espanha. Nesse caso poderia ter um sotaque. 
                                A atriz Clara Devi foi atrás de muitas coisas e me agradou muito vê-la no palco, assim como deve ter agradado e muito seus diretores. Sotaque, olhares, jogo, energia, domínio do espaço, compreensão da cena. O que lhe falta, é trabalhar a dicção. 
                              Dulce Jorge acrescenta a cena uma presença de atriz madura, uma força que o público aceita e admira. Adorei a cena de Dona Isaura com a família, mas senti falta de um jogo, jogo que nasce de improvisações, de ensaios, de comunicação na hora de criar um espetáculo. 
                               Stalin Ciotti conseguiu se fazer ouvir na ultima apresentação com força e energia, o público precisa ouvir os atores. Laura Hoover também pareceu aprender a lição e faço juz que os dois compreendam que nós, publico vamos ao teatro para ouvi-los. De nada adianta expressões, gestos, emoções ou partituras se não os ouvimos. 
                                  No grupo das lavadeiras o ultimo dia revelou ainda mais a carga cômica de Maria Antonia Silveira Netto. O jogo cênico de Alessandra SOuza e Cléber Lorenzoni foi gostoso de se perceber e envolveu a todos. Até mesmo o aluno Nicholas Miranda esteve muito inteiro na cena. Satlin Ciotti no proscênio pareceu trancar uma réplica, perdendo uma piada ótima que aparecera no domingo. 
                             As crianças cumpriram muito bem sua cena, e no grupo das protagonistas Lavínia Antonelli, se continuar na ESMATE, deve aperfeiçoar a comunicação com o público. A índia de Kauane Silva é marcante e forte em seu olhar, mas pode ser menos econômica nas próximas personagens. 
                              A apresentação esteve muito nas mãos de Cléber Lorenzoni que encontrou também uma veia cômica em João Fernandes trazendo graça à cena e calma aos colegas de cena, sem perder o cerne da personagem. 

                             Sem dúvida uma das melhores cenas foi a das carolas, criativa e extremamente expressionista em um espetáculo que passeia por várias linguagens. Ah como o teatro é divino, com a viagem que nos propõe. Eu chorei, chorei no domingo, na quinta, na sexta pela manhã e na sexta a tarde que soube de crianças que entregaram o dinheiro a professora e não foram assistir. Chorei ao ver que professoras, que deveriam dar exemplo, não quiseram pagar seu ingresso. Chorei quando percebi que o céu escuro da manhã abriu-se para que o espetáculo acontecesse. Chorei de orgulho, de pena, de esperança;

                           Obrigado alunos da ESMATE por tantas emoções. 
                             Obrigado Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande por lutarem tanto pela continuidade do teatro em Cruz Alta. 
                                                                     
                                                                        

        A Rainha
                             
                     Aplausos a interpretação de Cléber Lorenzoni, coerente, divertida e emocionante. Parabéns à Nicolas Miranda que esteve tão inteiro em cena. Parabéns à Maria Antonia Silveira Neto pela coragem em aceitar o humor. Parabéns a Renato Casagrande pelo lindo figurino.







                    

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