817/818 - Lendas da Mui Leal Cidade - Tomo 2/3

Por que um espetáculo estudantil consegue marcar tanto?

                   Vendo as crianças cruzando os corredores da Casa de Cultura, observando os alunos alegres, afoitos por entrar no auditório, com seu ingresso em mãos. Por um pequenino instante, acreditei em um mundo melhor, ou ao menos em uma cidade melhor. Cresci em uma Cruz Alta da década de sessenta, quando havia cinco palcos de teatro em Cruz Alta. Assisti Édipo, de Eurípides, no palco do clube Internacional. Presenciei a passagem de Bibi Ferreira por nossa cidade. Tempos áureos. Tempos passados, a vida passa muito rapidamente. Ou como diz meu poeta preferido, Quintana: Nós passamos por ele... Mas o fato é que o teatro é arte efêmera. Esquecível. O que fica são as mensagens, as idéias que um espetáculo teatral nos propõe. Boas idéias ficam guardadas em nossas profundezas. O resto passa. A não ser é claro, os grandes monstros do palco. Esses também são inesquecíveis. Mas uma geração ou duas, esse é o máximo que se mantém um vulto dos palcos.
                           Por isso é tão importante que os jovens alunos do professor Cléber, aprendam desde já, que o teatro é uma arte de suma importância. Que o teatro nos muda e muda as plateias, levanta questionamentos, nos descobre. A existência humana é cheia de nuances, de efervescências. O teatro elenca o homem do passado e nos faz vermos de onde viemos. Lendas da mui leal cidade passeia pela nossa ancestralidade. Nos faz rir e nos surpreende pelas situações que  nos propõe. Nos choca as vezes, nos emociona. A mulher submissa, a escrava, a ignorância, a ingenuidade das pessoas de uma época não tão distante assim. 
                          Lendas é um espetáculo regionalista, e o regionalista é o universal. Compreenda seu quintal, e conhecerás o mundo! Não tente estudar ou desvendar ciências, povos distantes. Desvende a si mesmo. Desvende, compreenda os que o cercam. O regionalismo nos toca com uma delicadeza ímpar. Prova disso foi como as crianças na platéia foram tocadas e mantiveram-se atentas. Um espetáculo assim merece ser apresentado mais vezes. Ser visto por todos os público, porém a direção deve se ater a alguns cuidados. Por exemplo: A atriz Alessandra Souza bem como a interprete de Helena, precisam tomar cuidado com o "vosmecê" e o "você". O figurino final das duas crianças, (meninas), está equivocado. O vovô que retorna, está no presente, as meninas porém, estão no passado. A Carolina de Clara Devi, está muito bem na cena, mas precisa estar atenta a sua dicção. Duas cenas do espetáculo concorrem a minhas preferidas. A casa de Dona Isaura e A casa do Coronel João Rodrigues. A primeira precisa de mais tensão. O Cura na segunda apresentação do dia entrou cedo demais no palco, e para completar ficou praticamente em silencio, o que impediu que Casagrande e Dulce percebessem-no. A cena é muito pontual. Não pode ter erros. Na segunda cena Jacy nos toca e profetiza algo com a forma que Cléber constrói a cena. Mas senti falta de mais luz.
                             A iluminação de um espetáculo não é simplesmente um montão de luzes coloridas que acendem e apagam, ela precisa me dizer algo. Em vários momentos a luz de Lendas me diz muito pouco. 
                            As lavadeiras continuam incríveis, Medeiro e Coracini nos conquistam logo de cara, mas a cena não pode se arrastar. É preciso ritmo! Aó é minha personagem preferida, assustadora, poderosa, mítica qual esfinge. Não sei quem a interpreta, mas pode ser mais expressionista, mais contorcida, mais visceral. 
                            Assistindo Lendas, recordo-me muito de O Tempo e o Vento, A Casa das Sete Mulheres, A escrava Isaura, Sinhá Moça  e outras tantas obras televisivas, mas Lendas é teatro. Bom teatro. A cena da lagoa que dança durante o parto com a entrada de Anahy, é puro teatro, é poesia. 
                               O espetáculo passa de forma ágil e nem percebemos os quase 75 minutos de sua duração. Stalin Ciotti se fez ouvir na ultima apresentação do dia, em um esforço muito digno. Gabriel Giacomini por outro lado ainda pode trabalhar mais sua técnica vocal. 
                               Lendas tem romance, tem drama, tem sustos, tem humor. Cada ator é responsável por alguma dessas emoções na narrativa. A cena de Joca e Cecília pode e deve ter ainda mais emoção. Para encerrar, pois dentro de poucas horas devo novamente assistir Lendas da Mui Leal Cidade, e para uma senhora de suas mais de seis dezenas de vida, uma noite bem dormida é condição indispensável para a concentração e bom aproveitamento da cena teatral. Possivelmente todos estão bastante cansados, mas os atores devem respirar fundo e se colocar perante seu público cheios de energia e vigor. 
                             No momento em que a cruz foi desvelada, lágrimas me cortaram as faces, Cruz Alta foi o lugar que escolhi para viver e me alegra jovens tão corajosos e valentes homenagearem-na com tanta força. 

                                 Meu aplauso À Renato Casagrande que consegue coordenar sabiamente e criativamente a cena das crianças. Aplausos a Eduarda Tolentino e Laura Coracini que vem a cada apresentação crescendo mais e conquistando espaços. PArabéns à Marta Medeiro que consegue compreender perfeitamente a proposta do espetáculo.

                                 Arte é vida.
                                                                             A Rainha


Douglas Maldaner ***
Renato Casagrande ***
Laura Hoover **
Stalin Ciotti **
Kauane Silve **
                            

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