815 - Olhai os Lírios do Campo -(tomo 8)

Recomeços

Olhai os Lírios do Campo, são tão lindos, singelos e simples, e o Rei Salomão, em todo o seu poder e riqueza, não poderia igualar-se a eles em beleza...

Mais uma noite de repescagem, o Máschara volta à Olhai Os Lírios do Campo (2015) do romancista Erico Verissimo. Bem verdade que o texto, ou sua versão seja de Cléber Lorenzoni, apenas o mote inicial permanece como de Erico. Em Olhai os Lírios, há uma equipe bastante versátil que reverbera em boas atuações. 
Ainda que com texto melodramático, um gênero já um tanto ultrapassado, Cléber Lorenzoni consegue dar vida a um espetáculo pulsante, ritmado e criativo. 
Já falei da estrutura e da forma em outras análises, por tanto vou me ater aqui à capacidade de construção e adaptação espacial do grupo. Algumas companhias chegam em cidades do interior, mesmo em Cruz Alta, jogam seus trabalhos sobre o palco sem preocupar-se com o conforto da platéia, sem preocupar-se com a moldura do palco, com sua própria iluminação e a forma como isso chegará ao olhar do público. 
É como se alguém fosse fazer um piquenique dentro de uma latrina sem ao menos lavá-la antes. 
O Máschara tem essa capacidade de rapidamente solucionar reveses, de rapidamente tornar o espaço propício à cena.
O palco do centro cultural de Fortaleza dos Valos pareceu tão grande e capaz para Olhai os Lírios. 
Alguns aquéns foram percebidos como o cigarro virado, o conta gotas que quase foi engolido por Angelo Fontes, a cena do tapete que já foi muito melhor orquestrada. Ainda assim o drama emocionou e prendeu a platéia que ali estava. 
Até mesmo a iluminação tão básica prestou-se ao espetáculo de forma funcional e singela. Méritos claro de Cléber e Fábio Novello. 
O importante nessas ocasiões seria as pessoas perceberem que esses são os momentos de aprender, de observar, de levar para a prática as descobertas dos atores e técnicos mais velhos. Assim se adquire bagagem. 
Nessa mesma noite, estreou como atriz do Máschara Kauane Silva. E embora ainda principiante a jovem, mesmo com poucos ensaios consegue chegar longe, mesmo confundindo Seixas com Eugênio.
Mais importante que o simples talento, o importante para fazer teatro, para se dizer artista, é saber olhar ao redor, trabalhar em equipe, estar disposta, correr para auxiliar os colegas que precisam. 
Isso tudo Kauane tem de sobra e vem sendo motivo de assunto e admiração entre os mais antigos da Cia. Quando se pensa em começar uma carreira é preciso pensar onde se quer chegar, que tipo de atriz se quer ser. Atores talentosos mas egoístas, atores criativos mas preguiçosos, são rapidamente esquecidos. Quem fica é quem é sincero e devotado ao palco. Teatro é um sacerdócio. 
Renato Casagrande tornou-se um grande técnico  e como se dizia na era gloriosa de Sarah Bernhardt, o mordomo do teatro. Conseguir vestir a todos, ter noção de tudo a seu redor e ainda estar bem em cena é mérito incalculável. Ao mesmo tempo é preciso ter humildade, saber que tudo são escolhas e que ninguém deve ser culpado por sua exaustão. O ser humano é em seu íntimo pouco agradecido, e sabe aproveitar-se dos outros. Não espere compreensão ou agradecimento. Espere apenas o respeito do público, seu amor e a dignidade que só é dada aos grandes, pelos grandes.
Alessandra Souza é uma atriz dedicada, mas sempre aconselho a jovens atores que se perguntem como querem ser lembrados. Como aquele que faz sua parte, ou aquele que faz o que realmente deve ser feito. Para ser uma grande atriz é preciso ter um olhar... um olhar... um olhar... 
A curva do espetáculo acontece e embora a atriz Dulce Jorge não estivesse em um de seus melhores dias, sua técnica a mantém intensa na cena. As emoções da dobradinha Cléber e Alessandra funciona muito bem. Seus volumes, dicção, emoção e principalmente jogo é vivaz e nos prende.  Ricardo Fenner conseguiu preencher bem a ausência da mãe, embora eu pense que seja uma perda para o espetáculo não termos a figura de Dona Alzira para compor o quadro familiar.
Enfim, foi uma noite de grandes prazeres, muito jogo e principalmente alegria de ver teatro bem feito.

O melhor- a estreia de Kauane Silva bastante razoável ainda que praticamente sem ensaios e a desenvoltura do ator Evaldo Goulart como contra-regra.
o pior - pessoas mexendo em suas mídias tranquilamente enquanto todos correm de um lado para o outro nos bastidores.

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