813- Esconderijos do Tempo (tomo 87)


                      O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.  (Plínio Marcos)
                            Mario Quintana embora um grande poeta, não reside tanto nos palcos como grandes dramaturgos : Nelson Rodrigues , Caio Fernando Abreu Suassuna ou tantos outros. No meu entender  as palavras de Quintana nasceram para o palco, para estar no centro do picadeiro teatral, onde se fala, debate ou filosofa sobre a vida. Teatro e Literatura são duas artes muito diferentes. Enquanto a segunda tem signos próprios (as palavras e suas articulações em frases e em textos), a primeira é feita de tornar seus os signos que são dos outros, amarrando-os em uma estrutura em que um ator interprete um personagem (ou figura) diante de alguém. Foi o que Cléber Lorenzoni e Dulce Jorge fizeram em 2006, ano do centenário de Mario Quintana. Uniram as frases irônicas, perspicazes e por que não dizer explosivas de Quintana, resultando um espetáculo introspectivo e principalmente, recheado de poesia.

                Onde Quintana estiver, certamente deve se orgulhar profundamente por uma Cia. de teatro que valoriza seu texto, sua historia, seu olhar sobre o mundo. O texto é pronunciado de forma bonita, cada palavra é sentida, bem colocada. A intertextualidade logo toma conta e vamos mergulhando em nossas próprias existências, recordando coisas de uma forma tão natural e ao mesmo tempo tão dolorosa. Embora haja muito humor, um olhar repleto da felicidade “quintanares”, há também uma nostalgia e uma coragem de falar de assuntos que não falamos mais, assuntos que nos desconfortam, que nesse mundo atual somos forçados a jogar para baixo do tapete. 
                        Esconderijos do Tempo, completa doze anos de palco, em sua cena dezesseis atores já brilharam, como aquelas seis personagens que exalam tantas emoções. A direção de Cléber Lorenzoni promoveu um espetáculo maduro e inesquecível. Um espetáculo que deve retornar sempre, de onde platéia e público devem saciar a necessidade de arte e reflexão. 
                          A noite do dia 13 de agosto foi uma noite nobre, com presenças politicas, lideranças, e artistas nas fileiras do teatro de Arroio dos Ratos, e lá estava o Máschara, com o espetáculo que tantos troféus ganhou nos festivais, tantos aplausos que o credenciaram para agora ser respeitado por outros colegas da classe. 
                               Foi noite de estreia para a atriz Laura Hoover, que vem se destacando a cada dia. Noite de trabalho em equipe, de correria. Noite também de erros, afinal atores não são máquinas. Ainda assim, deve-se buscar sempre o melhor trabalho já que se dizem profissionais. Um espetáculo como Esconderijos do Tempo não se dar ao luxo de interpretações mornas, de cenário repleto de desleixo, de iluminação ineficaz, trilha mal operada... Trata-se de um espetáculo digno de muita entrega, já que seu elenco e técnicos fazem parte de um dos grupos mais expressivos do estado.
                              No panteão de atrizes, Dulce Jorge, Laura Hoover e Alessandra Souza cumpriram muito bem suas funções. Talvez Dulce Jorge não precisasse começar a cena tão triste, talvez  Souza devesse parecer  mais menina em sua Lili, e talvez Hoover pudesse estar mais relaxada. Por outro lado todas estiveram plenas. Senhorita Hoover preencheu o palco e orgulhou certamente todos os colegas. Assumira uma tarefa difícil, possivelmente sofre comparações, mas compôs uma perfeita partner ao professor e colega de cena Lorenzoni.
                                No hemisfério masculino as interpretações não deixaram a desejar, mas alguns problemas merecem ser detectados. A maquiagem do senhor Gouvarinho não ficou muito coerente com a limpeza do espetáculo, que é tão cuidados quanto uma pintura. A interpretação de Fabio Novello poderia ser mais divertida, mais relaxada. Quanto à Renato Casagrande, sua intensidade preenche muito bem o palco, houve no entanto uma mudança de inflexões que mudou para mim a sonoridade do ato final, nada que prejudicasse a coerência do pré-epílogo. 
                                 Cléber Lorenzoni mais uma vez emocionou a todos com aquele que infelizmente considero seu melhor personagem. Infelizmente por que esse titulo credencia um peso de cobrança em qualquer outro trabalho do ator. Como se seu Mario fosse um monstro de quem devesse correr.
                               Mas a maior crítica que preciso fazer enquanto amante de um lindo espetáculo e de um grupo de pessoas tão dedicadas, tem a ver com o diretor. Cléber Lorenzoni precisa parar de ser ator amigo e ser mais diretor. Dividir personagens sem levar em conta amizades ou pena de ser verdadeiro com algumas pessoas. Os atores por outro lado deve e precisam ser mais maduros e compreender que ou são todos coleguinhas que fazem pecinhas e não querem ser magoados, ou são atores e técnicos que não querem se expor negativamente em suas funções. 
                           Chega de respostas como eu sei, eu sei, ou eu sabia, eu sabia... É necessário aprender a trabalhar em equipe e aprender suas dificuldades, Ter auto crítica e não pensar que fazer teatro é prestar favores. A iluminação de Esconderijos deixou muito a desejar, quem é o iluminador da Cia.? Cada um faz um pouco? Quem criou? Quem montou? Quem executou? Mario deveria ter morrido durante o espetáculo pois houve uma brusca queda de luz no lampião. Ainda que com imagens lindas, os técnicos precisam ser sensíveis em botões. A trilha sonora do espetáculo foi executada categoricamente, em alguns momentos equivocaram-se volumes. 
                               O que é o teatro? Emprego? Passatempo? Um acaso? Nossas ações sobre o palco podem ser feitas de qualquer jeito? Não é necessário sermos perfeitos? 
                            Claro nesse mundo maravilhoso não é preciso ser o melhor profissional, aliás nesse mundo incrível há troféus até o quinto lugar, e ninguém é cobrado. É um mundo sem competições, é o verdadeiro paraíso na terra. E por que cobrar pelos espetáculos? Eles podem ser doados, oferecidos de graça, entradas francas. Assim não haverá problemas e poderão todos os atores ousar e errar e errar e errar... 
                            Há no Máschara uma hierarquia criada não sei por quem, mas se ela fosse levada sempre em conta, o trabalho não correria tantos riscos. 
                         Saí do prédio teatral triste, não pelas palavras no palco, mas com pena do diretor que precisa se dividir em tantos para que tudo aconteça. Amo o ator que em cena tem noção de tudo o que o cerca. Mas tenho pena do ator que em cena não pode relaxar e exercer plenamente sua função já que é amargamente prejudicado pela falta de exatidão ao seu redor. 

Inesquecível: A estreia de laura Hoover e a maturidade e leveza que a Atriz Alessandra Souza conseguiu depositar na musa.
Esquecível: A piscada de luz e o Blak out na cena do senhor Gouvarinho.

Um conselho à direção: Se Fábio Novello fizesse a luz, e Alessandra Souza não interpretasse dois papeis, o espetáculo alcançaria muito mais junto a platéia. 


                                A Rainha
                                  
                        



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