Manifesto em prol da continuidade da encenação de A Paixão de Cristo

Manifesto de um simples ator de teatro do interior...

Ator, isso é que sou, essa é minha profissão, há mais de vinte anos, é do teatro, do palco, que sai meu dinheiro e é com esse dinheiro que pago minhas contas, que compro meu alimento, com ele compro minhas roupas. O teatro me acompanha dia e noite, é através dele que dou minha contribuição como cidadão para a minha cidade, meu estado, meu país. 
Com o teatro aprendi muitas coisas, aprendi que a na vida dependemos uns dos outros mais do que imaginamos, aprendi que somos muito pequenos mas que juntos podemos fazer muitas coisas. 
Mas tem uma coisa que demoro para aprender, e que as vezes até me recuso a aprender, que o dinheiro e os egos governam o mundo, fica-se subentendido que ego e dinheiro juntos significam  poder.
Enquanto ator não sou melhor do que ninguém, não posso também classificar minhas ações como as melhores, no entanto acredito piamente que tudo o que a arte move em prol de gerar reflexão, beleza, e ação, deve ser incentivado, ou até mesmo aplaudido. 
Acredito que o direito de um vai até onde não atrapalha o direito do outro, por tanto uma apresentação na rua, no meio da tarde, em um feriado, não pode atrapalhar muitas pessoas. Atrapalha sim os egos, egos de quem deseja aplausos para si, ego de quem é contra as decisões de determinados políticos, egos de mentes tacanhas que cumprem funções impulsionados apenas pelo dinheiro.
Cruz Alta emana egos entumecidos.
A  encenação da Paixão de Cristo habita um lugar comum na sociedade ocidental. O feriado onde todos sorvem o prazer de ficar em casa sem trabalhar provém de um momento religioso, e talvez por isso seja difícil desassociá-lo da cristandade e por consequência, da igreja católica. Ora, a criatura "Jesus" passeia por todas as religiões, suas palavras estendem-se a todos os seres, e seus ensinamentos e parábolas são atemporais. 
Quando o Máschara, minha associação, minha segunda organização familiar, empresa da qual faço parte, templo onde encontro forças e respaldo na fé que tenho na vida, quando essa engrenagem que conhecemos como teatro, decidiu encenar a Paixão e Morte de Jesus Cristo nas ruas de Cruz Alta, coube a mim remangar as nangas e  por-me a trabalho. Não pensava em egos, nem em partidos políticos, nem em dinheiro ou poder. O Máschara é uma instituição com vinte e seis anos, não serve a ninguém a não ser ao público, não pertence a partido politico algum, não tem credo ou inclina-se perante poderes financeiros, o Máschara não se vende, existe como reflexo de um ponto de vista filosófico intrínseco nos pontos de vista das pessoas que o constituem. 
Assim sendo, a encenação da Paixão de Cristo passaria a ser algo do máschara para a sociedade ao seu redor, e repetiria-se em favor de quantos fossem os interessados em sua permanência. 
É aí que novamente os egos apareceram, as decisões politicas, os conchavos de uma cidade repleta de pequenez humana, cheia de brios, interesses escusos e absurdos revoltantes. 
A segunda edição da encenação da Paixão de cristo encontrou dezenas de barreiras e quase não atravessou as ruas de cruz alta, até mesmo membros da apostólica igreja católica foram contra. E o preconceito desceu do altar em direção ao secular ato pagão. 
O que me manteve firme ao lado de meus colegas atores, foi a força que emana de nosso pavilhão, foi a certeza de que a encenação seria algo bom para nossa comunidade.
Figurantes esmeraram-se, voluntários, atores, público. Uma corrente de energia estabeleceu-se e mesmo as previsões temporais deram trégua para que mais de mil cruzaltenses caminhassem até o santuário de Fátima. Para orar, para celebrar, para repensar a fé, para avivar a esperança, para recordar, para falar de Jesus. 
No fim de um longo dia, eu vi meus colegas exaustos e felizes, vi figurantes com os olhinhos brilhando, vi senhores e senhoras emocionados, vi o teatro servir como caminho para se pensar no bem. 
As coisas acontecem quando as pessoas se unem, Mas aconteceriam tão mais coisas se os poderosos ao menos não atrapalhassem os planos dos cidadãos que querem o bem de sua comunidade. 
No fim a arte venceu, a fé venceu, a coragem venceu, a união venceu. 
A instituição que represento permanece firme, pois foi para isso que os Deuses nos deram o teatro, para lutarmos pelo melhor, pelo justo e pelo certo. Não sei o que acontecerá no futuro, não sei quem será o poder... Não sei quais seus planos, mas sei que o Máschara continuará, com o apoio de gente guerreira e talentosa. O teatro vence, pois teatro é vida e nós somos a vida!

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