A Roupa Nova do Rei 786 (tomo 1)

                              No domingo voltei a ser criança, embora, como diz Lili de Lili Inventa o Mundo, "seremos para sempre crianças". Ou ainda: Basta desejar e os olhos fechar, como em O Castelo Encantado. Mas o Máschara teve ainda outro mérito, fazer boa comédia, sem apelação alguma, para famílias inteiras se divertirem. Meus netos não moram em minha cidade, mas quando os visito costumo ir com eles ao teatro. As vezes eles riem muito e eu apenas observo devido a linguagem muito bobinha de alguns trabalhos que subestimam a criança. Em outros eu me entrego as gargalhadas enquanto eles observam sem compreender muito bem. Mas não há nada como os ricos momentos desopilantes, em que as duas gerações tão distintas se entregam juntas.
                                 A recepção ficou a cargo de Evaldo Goulart que de forma graciosa recebeu a plateia e deu o clima. Logo que me acomodei, a trilha medieval, o cenário, a luz, me conduziram para o passado. Castelos, reis, côrtes, tramas famosas começaram a povoar minha mente. Isso tudo claro unido a imagem do cartaz que espalha-se pelas redes sociais. Ou seja, a imagem que se vai compondo prepara a platéia para algo. O Máschara sabe muito bem nos preparar. 
                        A trama de Hans Cristian Andersem iniciou com atores de duas gerações bem distintas, mas me orgulhei vendo o jovem Gabriel Giacomini abrir a cena. Parece que o futuro do teatro está em boas mãos. O arauto do Rei foi se esparramando pelo palco em uma primeira cena que confesso ser um tanto longa, mas que sublinhou bem o que nos esperava. Giacomini carrega consigo a percepção de um ator maduro, precisa é claro, investir em técnica vocal e corpo. Ao mesmo tempo triangula com Cléber Lorenzoni como poucos. 
                           A primeira cena nos dá o tom do reizinho de Cléber Lorenzoni, mandão, vaidoso, intenso, mimado. Mas ao mesmo tempo muitíssimo divertido. Como ator d velha guarda que é, Cléber Lorenzoni usou suas cartas cena após cena e foi tirando piadas e gags novas qual mágico tira coelhos de uma cartola. Alessandra Souza é outra atriz de longa data, conhecida do público por suas Olívia e Margarida. A atriz acrescenta muita força a cena, talvez a direção pudesse especificar melhor sua ideia, compreendemos pela semiótica que trata-se de um jogo de cartas, um jogo onde cada personagem representa um naipe. Suponho que Lady Zuzu seria o curinga. No entanto isso poderia ser melhor sublinhado.
                            Ora, Lady Zuzu faz as vezes do povo de Fan Fin Fon, por isso mesmo poderia investir em seu trabalho corporal, sendo mais explosiva, ágil, espoleta, aproximar-se do público.                                                                       Meus querido moradores,
desta tão bela cidade, 
peço a atenção de todos, 
com a mais pura humildade,
 para mostrar os sintomas,
 da doença que é a vaidade.
                               Talvez um aventalzinho, ou algo do tipo ajudasse as crianças a compreenderem ainda mais a função de lady zuzu, relacionada a diferença de classes. Alessandra Souza pode se divertir mais, transcender, dizer ao mundo através de seus personagens o porquê de fazer teatro. Tearo tem que ser prazeroso, bom, saudável. 
                                   A vilania trazida por Maluc e Mulec, vem como uma alegoria perfeita, com ouro e copas, dinheiro e amor, falsetas e confusões. Um prato cheio para a farsa tão conhecida pelos espetáculos do Máschara. 
                                    Renato Casagrande é perfeito em seu vilão, um dos grandes do Máschara. Até por isso ocupa o papel do antagonista. Apenas aconselharia uma pequena troca em seus confusos nomes. "Mulec"- moleque, é o sujeito marginal, que apronta, que tem sempre um "jeitinho" para resolver as situações. "Maluc" - maluco, o bufo, o desajeitado, o clown branco. Esse pequeno detalhe  tornaria ainda mais brilhante a construção das figuras. 
                                Raquel Arigony surpreende com uma composição intensa, viva, redonda. Repleta de texto interno, a atriz fala com o corpo, "e que corpo", uma construção invejável que prende as crianças e da muito do tom do espetáculo. A proposta de ambos nos aponta ao cinema de O gordo e o magro, ou ainda o desenho pink e cérebro. A direção do espetáculo como sempre, acertou profundamente na escolha de elenco. Cada ator casou perfeitamente com o papel que lhe coube. O roteiro é simples, rápido, agrade, prende. Não me agrada a trilha, que é equivocada em alguns pontos e de operação bruta em outros.´
                                        A roupa nova do rei é diferente de todos os outros espetáculos infantis do Máschara. Abocanha uma nova fase do público. É como se a Cia. dissesse, crianças agora vocês estão grandinhas, chega de Lili e Rosa Maria, venham ver o Reizinho Mandão. Politica, relações familiares, sexualidade; Tudo está envolvido no roteiro da obra e saímos do teatro satisfeitos. Aliás não dá vontade de sair. As cenas vão se sobrepondo graciosamente. A vilania precisa, as confusões, os desmandos. 
                                  A cena da montagem do tear é tão fraca quanto este, mas as cenas anterior e posterior são obras primas da criatividade do Máschara. O trono movido por Messiê Flabeuir. O banquinho mínimo de onde o grande vilão berra seu plano. A corneta incontrolável e a sabedoria de Maluc (Raquel Arigony), vão colorindo o espetáculo pericialmente. 
                                          Em meu tempo de menina, brincávamos no jardim, corríamos, fazíamos pequenas molecagens. No fim do dia mamãe aparecia, chamava-nos para jantar, nos repreendia como  rainha do lar que era, e então nos punha na cama com beijos na testa. Esse é o fim poderoso de A roupa nova. A sabedoria da grande mãe traz a pesada cortina da noite.  Tudo era uma brincadeira de crianças, o que fica claro no agradecimento e Raquel Arigony termina mimando nosso pequeno principezinho que esperemos, ainda crescerá e se tornará um grande rei. 
                                          O calabouço, o closet real, os brigadeiros, os fios de ouro, o desfile real, o fim do mundo. Tudo estava a distancia de poucos metros. Nada é melhor do que ir ao teatro, do que deixar-se tocar pela arte. Saí do teatro tocada, emocionada com tanto talento, tanta qualidade e esforço. 
                       

Para encerrar lembro-lhes que os atores de Status IV e III devem falar mais alto, a iluminação embora não tenha nos dado  grandes surpresas, foi tocante e eficaz. Laura Hoover está cada dia levantando mais comentários pela qualidade de sua dedicação. Stalin Ciotti é comprometido e esforçado, querer aprender é a melhor qualidade de uma ator. Os jovens não devem esquecer que dia de Cena às 7, ou de trabalho, não é dia de festa ou passeio. Todos estão de parabéns, mas esse é só um começo. A roupa Nova do Rei estará por muito tempo entre nós!

A roupa Nova do Rei
Direção - Cléber Lorenzoni
Consultoria - Dulce Jorge
Elenco- Cléber Lorenzoni
Renato Casagrande
Raquel Arigony
Gabriel Giacomini
Alessandra Souza

Iluminação: Fabio Novello
Trilha Sonora- Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande
Operação- Stalin Ciotti
Figurinos: Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande 
Camareira- Laura Hoover
Contra-Regragem- Vagner NArdes e Clara Devi



Cléber Lorenzoni, Renato Casagrande, Laura Hoover, Raquel Arigony (***)
Stalin Ciotti, Alessandra Souza, Gabriel Giacomini, Evaldo Goulart, Fabio Novello, Clara Devi, Vagner Vargas, Douglas Maldaner (**)


             
                                         
                                       
        






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