790 - o Incidente 81

               
                            Erico Verissimo foi um dos maiores romancistas brasileiros. Embora também tenha sido traduzido para várias outras línguas.  Em meio à Nelson Rodrigues, Caio Fernando Abreu, Ariano Suassuna, Gianfransesco Guarnieri, Plínio Marcos, Arthur Azevedo, Pedro Bloch, Martins Penna, Erico também tem uma grande visão da alma humana. A apesar de não ter sido jamais um dramaturgo. Erico funciona muito bem no palco. Literatura e teatro são duas artes distintas. Enquanto a literatura tem signos próprios (as palavras e suas articulações em meio a frases e textos), o teatro é feito de tornar seus os signos que são dos outros, amarrando-os em uma estrutura em que um ator interprete um personagem (ou figura) diante de alguém. Lê-se um livro sozinho, mas é raríssimo assistir sozinho a uma peça. Um livro escrito há três mil anos pode ser lido hoje. Quem mergulha no intento de adaptar uma obra de uma arte para outra não pode desconsiderar as realidades de cada uma, as dificuldades que cada uma oferece para esse processo e a forma como elas podem re-hierarquizar os elementos construindo uma nova estrutura. Cléber Lorenzoni e Dulce Jorge adaptaram o texto de O Incidente em 2005 e conseguiram transpor para o palco com exatidão o clima politico e humano da pacata Antares. Uma qualidade de Cléber Lorenzoni é sempre tentar envolver a plateia na ação. Como acontece em Um Inimigo do Povo (2007) e mais recentemente em A Roupa nova do Rei. Estamos na praça de Antares, um de nós é Professor Libindo, outro é Dr. Falkemburg, outro é o Prefeito.  
                       A discussão que se desenrola entre os mortos e a relação de revolta deles para com a plateia, fica muito verdadeira, pulsante em personagens com Barcelona, Menandro e Dr. Cícero.  Eu já assisti O Incidente dezenas de vezes. E o Máschara sempre nos presenteia com novidades, com novas versões ou por mérito ou por necessidade merituosa. Impliquei apenas com a velocidade com que o espetáculo de repente acabou, sem uma curva bem estabelecida, possivelmente devido a falta de conflito e dos personagens “vivos”.
                       Já disse que o que mais me anima, envolve, atrai, é essa capacidade do máschara, não que outros grupos não a tenha, mas essa preocupação com a plateia, esse desejo de ir criando todo o ambiente. Sentada em meio há tantos jovens, professores quase dormindo e alguns brincando com seus celulares, os professores, não os alunos. Fui me deixando encantar pelos atores da Cia. Que caracterização perfeita, embora algumas maquiagens pudessem ser aprimoradas, a pesquisa de época me toca muito. Acredito que o calçado do professor também seja um aquém dessa perfeição.
                     Sobre o palco Fabio Novello e Dulce Jorge foram magistrais. O ator de Ijuiense nunca disse seu texto contra os comunistas com tanta veemência. Desta vez eu vi vivas as suas convicções. A impagável Dulce Jorge fez escolhas, se reinventou e criou novos traços para Dona Quitéria. Detalhes que enriqueceram e trouxeram graça. Não importa há quanto tempo se faz um papel, sempre se pode criar algo novo, atuar, interpretar!
                 Erotildes também perdeu a chorosa interpretação comovente para dar espaço à chocante vivencia trágica, tão necessária na personagem, tão necessária em todo o elenco. Aliás esse clima trágico inspirou alguns colegas e pode e deve estabelecer-se ainda mais na atriz e em todo o espetáculo. A situação a que se encontram os mortos de Antares é trágica. Não é dramática.  O Pudim de Stalin pode e deve ser mais presente, os momentos quase performáticos em que o ator está ao fundo, na meia lua, mostram-no vivo, intenso, mas quando há flexões de texto, ele deve trazer mais força e ímpeto. A qualidade de sua pronuncia, a potência vocal, a força de seu olhar, tudo deve ser trabalhado pela direção.
               Arigony, Lorenzoni e Giacomini cumprem suas funções sem grandes méritos. Embora o timbre vocal da atriz rosariense tenha se elevado bastante, dando-lhe um poder muito maior em sua Shirley e não há como não homenagear o trabalho vocal que Raquel pôs em sua personagem, dando-lhe um sonoridade regionalista. Giacomini pode alcançar mais sucesso e valor com sua cena, se a direção criar um bife a partir da cena de Rita e João Paz. Queremos conhecer mais do jovem e nos falta informações que nos ajudem a construir o caráter da personagem, sua historia. Se pensarmos que o espetáculo está ali como uma mera performance para homenagear a obra, ele cumpre sua função. No entanto teatro é conflito. O Incidente é uma obra com inicio, meio e fim, devemos sair do teatro com uma ideia construída. Ou então a montagem terá cara de mera sinopse introdutiva.
              Casagrande tem nas mãos um grande bife. Supera-se e vários quesitos, mas apreciaria ver a cena mergulhada no silêncio. A Apassionata tem sua força própria e entra em conflito com a forma que o ator projeta sua cena. Acredito que se chegaria muito mais longe se a cena fosse apresentada sem a presença forte de bethovem.
            A trilha operada por Evaldo Goulart teve alguns atrasos e alguns ataques brutos, mas quase imperceptíveis. No decorrer praticamente não se percebeu sua existência, o que sinaliza uma bela operação. Apenas vou implicar com o sonoplasta, pois acho que deveria haver uma trilha para a plateia, não expondo as musicas do espetáculo antes da hora. O que tira seu brilho e força.
            Foi uma agradável manhã de Erico, para que como disse o diretor do espetáculo, não se pense que o autor é apenas o autor de Ana Terra e Dona Bibiana.


                    Para lembrar: Que não se pensa coisas ou as propaga sem ter certeza, correndo-se o risco de ser injusto ou esquecer coisas importantes em dias de apresentação.
                      Para esquecer: Que não houve almoço para os atores e nem água ou lanche nos camarins, infelizmente artistas ainda são tratados assim, não por falta de respeito com o artista, mas por falta de diálogo!


O Incidente

Texto: Adaptação de Cléber Lorenzoni e Dulce Jorge da obra homônima de Erico Verissimo (***)
Direção: Cléber Lorenzoni (***)
Elenco: Cléber Lorenzoni (**)
              Dulce Jorge (***)
              Renato Casagrande (**)
              Alessandra Souza (***)
              Fabio Novello (***)
              Gabriel Giacomini (**)
              Stalin Cioti (**)
              Raquel Arigony (**)
Trilha Sonora: Cléber Lorenzoni (***)
Operação: Evaldo Goulart (**)
Contra-Regragem: Laura Hoover (**)
                                Stalin Ciotti (**)
                                Evaldo Goulart (**)
Figurinos: Cléber Lorenzoni (***)
Camareiro: Renato Casagrande (***)
Iluminação : Fabio Novello (**)
Montagem de Palco: Alessandra SOuza e Raquel Arigony (**)
Comercialização: Ricardo Fenner (**)
Produção: Grupo Máschara (**)
Condução: Pampa Turismo (***)

                    Arte é vida / Venda e comercio de espetáculos é trabalho, profissão!

                              A Rainha

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