O Incidente 779 (tomo 80)

Um ótimo momento para o Incidente

                          Na década de 70, quando Erico Verissimo escreveu a obra O Incidente em Antares, grande parte das feridas causadas pelo regime militar estavam abertas. Verissimo de forma inteligente colocou sobre o coreto da praça da fictícia  Antares, sete mortos, já que para falar na época, era preciso estar morto. Uma velha beata , um jovem revolucionário, uma prostituta, um advogado corrupto, um alcoólatra, um anarco-sindicalista, e um artista incompreendido. O ultimo livro de Érico causou tumulto, mas o escritor era um membro da ABL, não tinha papas na língua. 
                              A obra dividida em duas partes, ou poderia dizer, em dois atos, prende a atenção por seu caráter regionalista, politico e fantástico. Uma lástima as gerações atuais lerem tão puco. 
                               O texto adaptado por Cléber Lorenzoni em 2005 consegue levar para o palco uma vitrine dos sete mortos. Claro que a primeira versão, com Rita, Coronel Tibério e Rosinha consegue alcançar o público de forma contundente. No entanto como performance teatral para apresentar ao público a obra e semear neles o interesse em conhecê-la melhor, é digna de todo o meu respeito e admiração. Nosso país passa por uma situação tão vergonhosa, tão complexa com seus lava-jatos, e lavar a roupa de Antares vem bem a calhar, que o espetáculo sirva para reflexões. O que acontece logo após o primeiro momento, quando a maquiagem e a interpretação corporal deixam de ser novidades. 
                             No elenco mudanças... Infelizmente os elencos no teatro do interior são passageiros, assim sendo os espetáculos estão sempre sendo transformados, em tipo de mudança que impede o amadurecimento do trabalho. 
                                     A Stalin Ciotti coube o papel de Pudim de Cachaça, o beberrão de Antares que já foi interpretado por Cristiano Albuquerque, Diego Pedroso, Ricardo Fenner, Gabriel Wink, e Renato Casagrande. Cada um, certamente, acrescentou suas próprias "filigranas". O personagem interpretado por um grande ator pode culminar em lágrimas em comoção e singeleza. Stalin consegue compor dentro de seu pouco tempo de teatro, uma interpretação adequada. Pode ainda buscar mais informações sobre a personagem. Tridimensioná-la, torná-la visceral. (**)
                                     Gabriel Giacomini é jovem, vem aos poucos construindo muitas coisas, preparando uma linda caminhada. Esse momento é crucial, momento de escolhas. Já vi muitos jovens nessa idade mergulharem e seguirem se tornando grandes atores. Já vi outros se sentirem muito moços, decidirem frear e então perderem-se com seu talento em buscas confusas e incoerentes com seu talento.  O jovem preenche o palco de forma bonita, tem muito a dizer, é a hora de trabalhar, de sacrificar-se, de proteger seu amor pelo teatro. João Paz pronuncia-se com garra, e em nenhum momento esmorece no palco, ainda que tenha poucas falas. (***)
                                           Raquel Arigony narra de forma coerente, compõe uma figura interessante, mas falta-lhe se Antarense, eu saio do espetáculo confusa. Talvez a propria direção do espetáculo devesse rever essa personagem. Mais mórbida? Mais popular? Mais humana? Dúvidas que podem ser sanadas com mais buscas... Mas preciso elogiar o empenho, a falta de preguiça, e a entrega da interprete. (**) 
                                   No elenco antigo, Cléber Lorenzoni, Dulce Jorge e Alessandra Souza, conseguem se colocar sobre o palco com domínio e força. Acho um desperdício de talento Cléber Lorenzoni (**) em Doutor Cícero. Dulce (**) deveria dialogar melhor com o microfone e Alessandra Souza (**)deve buscar o viço da personagem. 
                                 Fabio Novello carece de mais ensaios. Tem maturidade e capacidade para muito mais, no entanto Barcelona não ultrapassa o palco. Gosto muito dessa personagem. Pode ser mais engraçado, mais esparramado. Um "Capitão Rodrigo" velho. Um bonachão... (**)
                                   Renato Casagrande fecha o ciclo com emoção, com força e emociona a platéia. (**) Porém nos dá um grande interprete, enquanto precisamos de um grande pianista. Aconselho-o a assistir os filmes Bethovem  e Amadeus. Embora a força do ator , sua jovialidade e seu status, merecessem interpretar Doutor Cícero. Menandro Olinda é papel para outra fase. 
                                          O Incidente é um ótimo exercício teatral, Um exercício de composição. Parte do elenco não leu o livro, isso os torna medíocres em sua construção. Mas são as escolhas que cada um faz pelo teatro.  Sem iluminação e com trilha fragilizada, confusa operada por Evaldo Gouart(*). O Incidente só passou no crivo de quem não é um grande crítico. Ou seja, a mesma encenação colocada em uma caixa preta, estaria condenada. A apresentação ao ar livre perdoa certas gafes. 
                                         Gosto muito de ouvir uma apresentação de olhos fechados. Imaginar seu fluxo a partir de seus sons. E quanta desafinação! Mais ensaios seria ótimo. 

                                          Para lembrar: O quanto o ator precisa ser gentil, disposto e próximo de seu público.
                                           Para esquecer.: A péssima maquiagem nos cabelos das atrizes Dulce Jorge e Alessandra Souza.


                                                Arte é vida.

                                                                             A Rainha
                                           

Comentários

  1. A senhora me desculpa Rainha pela péssima operação de som ): Mas é tal coisa o público pode ouvir um Háaa e os atores um Hooo.

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