Encenação I - Esmate - Armações e trapalhadas na Vila Pantaleônica




                         Sempre que vou assistir a um espetáculo teatral, encontro mil motivos para me emocionar, raras são as vezes que saio irritada de uma encenação, mas acontece, principalmente quando encontro peças mercenárias, extremamente comerciais e sem respeito pela plateia. Como não emocionar-se com o ato criativo, com o desprendimento humano, com os sacrifícios pela arte, com a reflexão do homem para com o homem?
                          Na encenação que tive o prazer de assistir no domingo a tarde na ESMATE, os motivos para a emoção eram vários, um deles, era ver o desabrochar de alguns alunos enquanto eles eram observados por seus familiares, também emocionados.  O teatro pode e deve ser estudado, mas o verdadeiro momento em que ele se dá, mais que em qualquer outra arte, é ali, em frente a plateia. No ensaio descobre-se a criatividade, o jogo, as potencialidades, e etc... Todavia, é com a plateia te observando, naqueles momentos sagrados que não há como parar, que todo o seu corpo solta uma descarga de adrenalina e em meio a isso você surge ou como ator, ou como possível e bem aventurado ser humano “normal”.
                         As musas pareciam muito satisfeitas nesse domingo, pois muitos milagres aconteceram. O jogo foi divertido, e tirando algumas ressalvas, todos estavam vivos e inteiros.
                        Essa é a quarta turma da ESMATE, e é a primeira que consegue finalmente apresentar um trabalho de formação para uma plateia, ainda que formada por familiares. Embora, pela lógica,  os familiares de um, sejam o público desconhecido de outros. Para alguns pode ser apenas um acontecimento comunitário, tudo bem, a comunidade familiar é a primeira que deve compreender nosso amor pelo teatro, pois se houver esse primeiro apoio, tudo será mais fácil.
                       A escolha do mestre  foi a Commedia Dell’ Arte, estilo teatral que teve dupla origem: por um lado na arte da mímica, brotando dos farsistas populares da época romana, por outro lado herdada das comédias de Plauto e Terêncio. Um escolha ótima, afinal a Canevas, repletas de personagens, com narrativas simples porém imbróglios complexos, dão um ritmo ágil e divertido, acrescendo um colorido totalmente de acordo com a turma tão diversa em cores, gênios, e maturidades.
                       No palco, típicos característicos: Os velhos (vecchi), satirizados como tolos, os empregados astutos (zanni) e os jovens enamorados (innamorati). Além é claro das alcoviteiras e dos cobradores. Por ser uma esquete de formação, muita coisa não pode ser trabalhada, já que as aulas são restritas há um encontro por semana, com direito a ausências. Sendo assim, a direção optou por abrir mão do uso de máscharas, mas encontrou uma solução divertidíssima que nos fazia lembrar o tempo inteiro, de diante de qual setor do teatro nos encontrávamos.
                       Um prólogo muito de acordo com a proposta nos dava de forma lúdica as regras do jogo: “nada de celular, e nada de banheiro”; as batidas de Molière através das intervenções de Briguella, o nervosismo, os figurinos abertos, a questão dos ingressos, o estrelismo e finalmente o corajoso grito de “MERDA”.
                       A frente do elenco, Pantaleão e Briguella (Maldaner e Giacomini), ambos com muita presença e compreensão de sua função na trama. O primeiro, um pouco afoito, atropelando algumas falas dos colegas; o segundo muito concentrado, coerente e inteiro, mas podendo investir mais nos signos corporais. As damas, Princesa Larissa, Madame Eulália e Senhora Tartáglia (Arigony, Souza e Lazzari), roubaram a cena, cada uma com suas partituras. A esposa de Pantaleão possivelmente fugira com outro, já que os velhos ricos, quase sempre eram retratados como cornudos. Ao voltar, traz a lição do amor, que vale mais que o dinheiro. Raquel Arigony, esteve lesionada, e ainda se recupera, mesmo assim era de um vigor cênico de encher os olhos. Que sirva de exemplo aos colegas, de que nada, nada, NADA, serve de empecilho para honrar o teatro, quando esse for o objetivo. Alessandra Souza, é atriz, e ficaria muito bem, incrivelmente bem fazendo papel de criada em alguma comédia ou farsa, da para perceber isso em sua máschara que se desfigura deliciosamente. Sandra Lazzari preencheu totalmente suas cenas, criou gags divertidíssimas e conquistou a plateia. A viúva ambiciosa com sua máschara de corujinha, jogou para valer, e quem não compreendeu seu jogo ficou comendo moscas.
                     As criadas, Geraldina, Esmeraldina, e Cerolina se saíram muito bem, principalmente por suas idades tão tenras. Não suporto ver pré-adolescentes fazendo papéis de bichinhos ou de crianças infantilóides, se queremos nos tornar atores, devemos compreender muito cedo a postura teatral. A caminhada é árdua para enrolações.  Gabrielly criou muita coisa, e ainda tem muito a dizer, por isso deve ganhar mais papéis logo, pena o interprete de Pantaleão ter lhe encoberto uma fala imprescindível para o colorido de sua personagem. Bruna soltou-se no ultimo ensaio, e ainda pode descobrir muito com sua personagem. Vê-se nela uma veia para personagens cômicos e desajeitados. O que é maravilhoso, no teatro há gente demais querendo ser bonitinho, o teatro é o lugar para a gangrena! Izadora, assim como Briguella, deve investir mais no trabalho corporal. No entanto sua organicidade em cena foi muito prazerosa. Izadora andou para lá e para cá e contracenou muito bem com vários colegas de cena. Na hora da encenação sua voz apareceu e seu olhar ficou ainda mais poderoso emoldurado pela máschara.
                      O casal Rosaura e Florindo podiam ter mais intimidade cênica. Mesmo assim, o filho da senhora Tartáglia engrandeceu muito suas cenas, valorizou-as com o corpo e conseguiu desenvolver um “polichinelo mocinho”. Suas aparições a qualquer instante pedindo comida, acresceram agilidade e vivacidade a esquete. Rosaura casou perfeitamente com a interprete Clara Devi, seu jeito doce e meigo trouxe todo o contraponto necessário. No entanto o final de ambos foi prejudicado mais uma vez pela interpretação do senhor Pantaleão. Felizmente Evaldo Goulart encerrou a cena abraçando Clara e colocando-a sentada em sua perna, ou correriam o risco de ficar ali, em pé perdidos no vácuo causado por uma cena difícil que merecia mais ensaios.
                       Renato Casagrande como assistente de direção, vestiu quase toda a esquete, auxiliou muito nos ensaios, deu ideias, e concebeu uma verdadeira alegoria, que a nível cênico ajudou a esquete a alcançar um nível visual muito interessante. O poder fidalgo do senhor Trufaldim, fechou com chave de ouro a encenação da ESMATE.
                       Assisti em minha já longínqua existência, seis montagens dentro da linguagem da Commedia Dell’ Arte, é certamente não é tarefa fácil reprisar algo criado em outra época, em um mundo que tanto mudou. Mas ousaria dizer que as sociedades não mudam tanto, o orgulho, a ambição, a astucia para sobreviver as auguras, continuam todas iguais. Em “Aventuras e Trapalhadas na villa Pantaleônica”, alguns alunos/atores alcançaram grandes proezas. Mas principalmente Evaldo Goulart e Renato Casagrande me recordaram profundamente a comédia Soggetto. Faltando apenas mais saltos, sobrevoos, principalmente os criados e o velho Pantaleão. Vocês são jovens pessoal, saltem, não tenham preguiça!
                        A Villa Pantaleônica, talvez muitos não saibam, mas antigamente muitas casas tinham uma plaquinha com o nome: Villa fulana... Villa Beltrana... Pois era de costume, grandes propriedades serem chamadas de Villas, pois assim como os antigos feudos, somavam-se a elas, as casas dos empregados, os celeiros, uma capela, etc...  e ali, viviam dezenas de pessoas. Por isso mesmo adorei o titulo da Canevas  e parecia enxergar essas casinhas todas de onde surgiam personagens tão encantadores. Talvez a senhora Tartáglia pudesse ser dona de uma hospedaria, onde a Princesa Larizza pudesse estar instalada ao chegar do estrangeiro com sua criada. Talvz pudéssemos ter uma cena de Rosaura choramingando para sua babá Esmeraldina, o que daria a ideia a criada de roubar a Kinesfera. Talvez Cerolina pudesse ver Briguella em uma cena e ficar completamente apaixonada por ele. Talvez pudéssemos ter uma cena das criadas na feira, falando de seus patrões. Enfim, teatro bom é aquele que vamos para casa pensando e debatendo...
                       Acho que as Kinesferas poderiam ter tido um trabalho visual, ficaram muito aquém do cuidado visual com figurinos e maquiagens.
                        Espero que os alunos todos, os que já são atores e os que pretendem ser, tenham gostado, espero que seus convidados tenham se inspirado, espero que cada um, mesmo que não siga como aluno, tenha aprendido a valorizar o teatro, e compreendido o quanto é valoroso e difícil fazer teatro. Enfim, obrigado aos alunos da ESMATE, me diverti muito e dei boas risadas com uma criação tão singela e cheia de verdades... não secretas!



Alessandra Souza (***)
Renato Casagrande (***) plus
Douglas Maldaner (**)
Evaldo Goualrt (***) plus
Sandra Lazzari (***)
Raquel Arigony (***)
Gabrielly de Freitas (**)
Gabriel Giacomini (**)
Isadora Agert (***)
Bruna Cesar (**)
Clara Devi (**)



                            Arte é Vida!


                                             A Rainha...

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