A CULPA TAMBÉM É DO PÚBLICO
Sempre que
assisto um espetáculo, atento-me à seu autor, seja ele dramaturgo ou não.
Aquilo que está sendo dito sobre o palco, foi criado por alguém e merece o
mesmo respeito que os atores sobre o palco, ou até mais. O Máschara já levou ao
palco os grandes clássicos: Molière, Shakespeare, Lorca ou Sófocles. Já adaptou
Verissimo, Quintana e Caio Fernando Abreu e agora parte para algo ainda mais
complexo. Mas que obra é essa sobre o palco? Ora, para compreender cada
autor/dramaturgo, é preciso compreender seu momento histórico, o panorama politico
e social de sua época; pois antes de se tornarem clássicos, foram atuais em seu
momento e queriam sim falar de sua então realidade. Cléber Lorenzoni foi alimentar-se de
Eurípides e de Bender para compor Complexo de Elecktra, buscou também em O’Neill
e Sófocles e em outros tantos pontos para chegar ao produto. Mas o que mais
pesa e aparece na atual composição do grupo é sua realidade atual. Ora, depois
de vinte e quatro anos, o Máschara já se formou pelos clássicos, já apresentou
suas monografias em Esconderijos e O Incidente e agora passeia pelo mundo
adulto. Complexo de Elecktra, bem como A Serpente, ou Deu a Louca no Ator, são
textos e posteriormente montagens que revelam uma Cia. decidida a chocar, a
levar o teatro pelo seu viés mais serio, o de simplesmente fazer teatro. Isto
sem querer agradar, ou sem se vender. Algumas Cias., mal passam do ensino fundamental e médio.
Vagueiam por anos naquela percepção de que teatro é colocar pessoas engraçadas
sobre o palco e que no momento que o público der gargalhadas e aplaudir em pé,
terão chegado ao topo do que seria fazer teatro. Ora, muitos podem ser os
caminhos que levam ao espirito teatral, mas que ele nunca seja medíocre.
Outro fator que preciso
mencionar é a responsabilidade do público. É muito comum ouvirmos em ambiente
de pessoas que se proclamam interessadas pelas artes e por assuntos culturais
em geral, que em nossa cidade não há apoio a arte, não há oportunidades. Os
argumentos aliás, são sempre os mesmos. No entanto conversando com essas
pessoas, quando perguntamos se foram ver este ou aquele espetáculo de
categoria, que ficou em cartaz por determinado tempo, muitas e muitas vezes a
resposta é: “Não; imagine que justamente eu esteva pensando em ir, o tempo foi
passando e quando dei pela coisa já não estavam mais levando a peça”. Nessa
omissão, nossa preguiça de se resolver ir ao teatro quando esse apresenta um
texto digno de atenção, está o segredo de muitos fracassos injustificados, e
não podemos deixar de chamar a atenção do público para sua responsabilidade
perante o teatro, se é que quer se dar ao luxo de criticar a falta de opções
culturais em nossa cidade.
O teatro, senhores, é uma
arte cara. Não desejo aqui menosprezar nenhuma outra arte, e nem compará-las
como mérito ou significação: Tomemos por exemplo, o caso da pintura. Para que
tenhamos um quadro, é preciso o talento de um único individuo que terá como
despesa de execução as telas, as tintas, os pincéis, etc..., o que tem certa
monta mas não alcança cifras astronômicas. Mas o que é o mais importante no
caso, uma vez que o pintor acaba de pintar seu quadro, a obra está pronta, e –
desculpem dizê-lo tão prosaicamente -, uma vez vendido, o autor terá recebido a
paga pelo seu trabalho. Tomemos por outro lado a realidade teatral e vejamos
como a realidade da engrenagem muda:
A primeira etapa é a
criação do texto por um dramatista ou sua adaptação por um razoável escritor.
Mesmo com seu trabalho pronto, precisará de atores para leva-lo ao público,
instrumentos humanos que dentro de seus respectivos campos, devem ter talentos
e ser adestrados em suas respectivas artes, tanto quanto o autor. A peça para
ser levada ao público, precisará do aluguel do teatro, dos faxineiros, bilheteiros,
técnicos de som e de luz. O pintor que dependia apenas de si mesmo, aqui
enquanto artesão do teatro, precisará de um diretor, um cenógrafo,
eletricistas, encarregados do guarda-roupa, contra-regras. E tudo isso visto
por alto, não inclui custos com produção. Execução de cenários e figurinos,
cuja idealização já custará alguma coisa. Agora veja, para pagar todo esse
montante, quantas vezes esse espetáculo precisará ser apresentado?
A realidade de um ator de
teatro, que o público muitas vezes confunde até por maldade, com um boêmio,
vadio, preguiçoso que gosta de dormir até tarde e de não trabalhar ou estudar é
muito mais complexa do se pode imaginar. Muitas vezes trabalha em outros
setores, e ao sair do trabalho, quando todos vão descansar, ele segue para essa segunda etapa. Começa a ensaiar por
volta de 18 horas, come alguma porcaria, por falta de opções e para não gastar
o que não se tem, e então dedica-se a repetições e treinos até altas horas.
Volta para casa quando a cidade praticamente já está toda silenciada. E isso
repete-se por semanas até que o espetáculo estreie. Quando finalmente está
pronto para subir ao palco, trabalha-se o da inteiro e quando o público chega,
os atores muitas vezes estão exaustos. Após o espetáculo onde os atores se
expuseram a extremos, suas verdades, suas dores, suas compreensões da vida
humana, o público vai para casa, mas o elenco precisa guardar tudo, deixar tudo
limpo para outra noite de espetáculos. E então tudo recomeça no outro dia. Em meio
a isso, há ensaios de outros espetáculos, viagens para outras cidades com
outros espetáculos em palcos adaptados, muitas vezes com um público descortês.
Trabalha-se, trabalha-se muito por muito pouco. E o público muitas vezes abre
mão de empregar suas noites testemunhando a apresentação de um espetáculo que
pode enriquecer a cada um de nós individualmente, e a nós todos como
comunidade, por apresentar, dentro da disciplina de uma arte, uma parcela do
comportamento humano, sublinhá-la, iluminá-la, dar-lhe proporção, magnitude,
alargando os horizontes de nossa experiência e levando-nos a considerar, ante a
nova visão, a nossa própria posição.
Teatro pode ser “gostado”, mas muito além do ato de gostar está o ato de
pensar.
Em complexo de Elecktra pensa-se muito. O
suficiente para gostar...
Na ultima noite de “Complexo”, pensei mais em todas essas coisas do que
no que realmente deveria ter pensado, mas o ato de simplesmente pensar
justifica-se, afinal pensava em como era um privilégio estar ali, sorvendo o
pensar que muitas vezes falta a nós que não somos artistas.
As intepretações da noite foram interessantíssimas. Alessandra Souza e
Evaldo Goulart diminuíram o tom, o que acresceu uma sonoridade melhor ao
espetáculo. Algumas cenas como o bife de Ulrica e o embate final estiveram
muito afinados, enquanto que a cena de recordação entre Ulrica e Henrique, foi
muito prejudicada. O produto teatral, quando alcançado e “comercializado”
precisa ser mantido da melhor forma para o público. O momento de criar,
descobrir é o ensaio. Não vou ao teatro para ficar a mercê de atores que querem
se descobrir pondo em risco cenas nas quais preciso mergulhar e me questionar.
Ou então estarei presenciando um ensaio aberto.
A canção interpretada por Ulrica na cena de Werner e Ereda não se faz
ouvir, por que a musica eletrônica a abafa. A morte do patriarca poderia ser
plasticamente construída. Algo saiu do alinhamento na cena, já que Bertold
surgiu antes da mãe fazer o que se propunha. A cena de Ulrica com a velha cega
é uma que precisa de ensaios para alcançar o ritmo que possui no inicio, aliás,
acredito que o espetáculo todo, ainda que muito bom, esteja carecendo de
ensaios. Quando se chama o teatro de trabalho é preciso encará-lo como tal.
Alessandra Souza (**)
Renato Casagrande (**)
Cléber Lorenzoni (**)
Evaldo Goulart (*)
Gabriel Giacomini (*)
Raquel Arigony (*)
Douglas Maldaner (**)
Arte é Vida
A
Rainha
Queria agradecer as observações da Rainha muito válidas. Ressaltando a comparação artística de um pintor com o fazer teatral, belíssima e clara pois nem há palavras capazes de expressar o significado de fazer parte de um complexo tão louco quanto o fazer teatral. Durante essa oitava inserção de Elecktra tive mais uma vez o grande prazer, mas desta de forma diferente pois estava fazendo algo de fundamento artístico, engrandecedor, por min, pode soar egoísta, anti social, sei lá "interprete minhas palavras como bem entenderes" mas fica certo que o grande prazer de você chegar em casa com sensação de dever comprido mas mais que isso, comprido com todas suas forças guardadas dentro do seu mais íntimo ser que foi a luta e deu a cara a bater, não a nada que pague. Ao final das contas sobrou o mau estar de que você fez tudo equivocadamente, pois sim "é o que dizem" mas ganho o dia com honra pois fui compositor de minha própria ação. Obs: BEM FEITO
ResponderExcluirTalvez esteja aí um dos maiores prazeres da vida: OUSAR
OUSAR a ser alguém
Ousar fazer diferente
Ousar quebrar regras convencionais
Ousar estragar um espetáculo iiii
Ousar viver
Príncipe Herry