De volta
à tragédia
Depois de mais de uma década, o
Máschara volta a mergulhar no mundo trágico. Em 2000 havia interpretado
Antígona de Sófocles e em 2003 Bodas de Sangue de Lorca. Claro, podemos incluir
aí a tragédia Rodriguiana A serpente(2013) ou ainda a farsa trágica
Dorotéia(1998) do mesmo autor. O fato é que o Máschara passeia por várias
linguagens e estilos. A escolha de Complexo de Elecktra é bem acertada e casa
com a equipe que veio trabalhando durante algumas semanas para por sobre o
palco, o texto inspirado na Trilogia Perversa do escritor gaúcho Ivo Bender.
Escritor esse que aliás já tinha sido visitado pela Cia. Em 1992 quando
recorreram a seu conto Casinha Pequenina, para dar vida à montagem Um dia a
casa Cai, sob direção da professora Giane Ries.
Na ultima quinta feira, aconteceu o
segundo tomo do espetáculo, dez pessoas da comunidade, passearam pela casa dos
membros da família Átrida, aqui representados com nomes alemães, dando mais
regionalismo e modernidade à obra. O que
se mantém é o mito e portanto as noções aristotélicas da tragédia. O público
identifica-se com o problema apresentado na ação encenada, por empatia, este
sofre a tensão, chegando ao desfecho. Quando o problema é resolvido, o público
alcança a catarse que libera as emoções.
A tragédia surgiu do embate entre
a mítica e a racionalidade. A noção de
destino (moira) e necessidade (ananké) vão se perpassando e fazendo-nos
questionarmos até os dias atuais. Ou seja, essa incerteza que se embate com o
mundo racional gera o trágico.
A plateia divide-se entre essas duas
forças, o instinto sexual e o desejo de Ulrica, e ao mesmo tempo o senso de
justiça e desejo de vingança de Ereda. Duas anankés que se chocam. Em meio a
isso ainda a forte conexão entre essa herdeira que deseja o pai mais que tudo, de forma não natural Ereda
alimenta certas libidinosa atração que transfere para o irmão. Essa relação
incestuosa culmina com a ligação de ambos sobre o cadáver da mãe.
Ereda tem como atenuante em sua
problemática psique maniqueísta, apenas o fato de que sua mãe decididamente é
uma assassina calculista passional.
O frio de 7 graus não impediu que as
cenas subissem aos extremos. Principalmente nos embates entre Ulrica e Ereda.
Lorenzoni e Souza contracenam bem, embora aguardamos o brilhantismo da atriz
mais jovem. Quando a cena da despensa chega ao extremo, Ereda deveria ficar
mais frágil, afinal ele quase mata a mãe sobre a mesa de corte, e se lhe é tão
fácil assim ir contra Ulrica, por que diria logo depois que não consegue dar
conta da mãe? Alesssandra precisa investir mais em seu virtuosismo vocal. A
tragédia precisa de mais sussurro, texto entre dentes e menos gritos. Há também
a questão da fúria e essa fúria precisa estar presente na cozinha. Ulrica
avança, perde a postura esguia para ir se transformando, sua voz torna-se um
tanto animalesca na cena, mas precisamos ver o embate final mais forte do que
no sótão, e isso depende muito mais nessa cena da interprete de Ereda.
A
cena inicial do espetáculo sofreu uma triste castração, horas de trabalho foram
jogadas fora com a extirpação do personagem Seminarista/amigo. Por outro lado a
narrativa não chega a perder. O teatro é um força perigosa e em suas entranhas
correm paradigmas perigosos que afetam o homem. Questões familiares, sexuais,
politicas, sociais, morais, etc... Por isso mesmo o teatro é confrontado
continuadamente. No fundo ele deve ser banido, esse é o ponto de vista de
grande parte da sociedade. O teatro só é visto com bons olhos, quando está
longe, quando conta vaudevilles engraçadinhos e despreocupastes. Quando pagamos
o ingresso, rimos e vamos para casa nos fechar com nossas grades protetoras.
Por isso mesmo o Máschara foi sendo calado e hoje restringe-se à uma sala onde
cabem dez pessoas.
Evaldo Goulart vem crescendo a
cada apresentação. Claro, precisa amadurecer muito, mas eis aí a escola: Um
grande espetáculo trágico. Douglas Maldaner precisa de concentração. Precisa
buscar dentro de si o Werner que havia encontrado há alguns dias. Precisa ser
mais forte, um animal reprodutor! Fica uma pergunta, qual é afinal o presente
que ele quis dar a Ereda? Ninguém sabe, e isso prejudica muito o espetáculo.
A plástica cena da banheira é
linda, com elementos perfeitos, melhor ficará no dia em que o ator responsável
pela cena, posso expor-se lindamente da forma mais correta. Teatro não tem
meios termos...
Raquel Prates e Renato Casagrande
são dois coadjuvantes muito bem encaixados. As cenas de Renato Casagrande podem
ainda ficar mais sinistras. Há muito mal dentro de Bertold, a diferença é que a
maldade de Ulrica é assumidamente reconhecida, mas a de Bertold tem a ver com
nossa capacidade de dissimular nossa própria maldade em meio a nossa covardia.
Será que ele foi motivado pelo mal a sua volta ou será que esse mal estava lá
dentro esperando para sair?
Raquel
Prates é visceral em sua interpretação, precisa cuidar para não ficar
robotizada, gessada. Pode investir ainda em sons animalescos, salivação,
gritos, contorcimentos, etc... Sua cena é decididamente uma das mais gostosas
do espetáculo.
Ao final do espetáculo, a morte de
Ulrica pode e deve ser mais marcada.
Complexo de Electra é dos grandes
espetáculos do Máschara, um momento divisor da Cia. Algo que começou a ser
trabalhado ainda na oficina que o grupo fez no começo do ano e que rendeu bons
frutos. Parabéns ao elenco e que sua força não se acabe.
Na plateia desta quinta a presença
honrosa da cantora Fabi Lamaison, e das bailarinas Julia Duda e Karen Costa...
Alessandra
Souza (**)
Douglas
Maldaner (**)
Renato
Casagrande (***)
Evaldo
Goulart (**)
Cléber
Lorenzoni (***)
Raquel
Prates (**)
Gabriel
Araujo (**)
Arte é vida
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