Esse livro é bem básico, mas bem útil para quem pretende dar oficinas ou aula de teatro, e seu prefácio é muito interessante para qualquer pessoa da área.
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PREFÁCIO
O teatro como pedagogia de vida
Este livro de Vic Vieira Granero vem preencher uma indesculpável
lacuna em nossa literatura pedagógica. Ele mostra como a representação
teatral constitui um instrumento indispensável na educação de crianças
e jovens para a vida, em sua plenitude de sentidos.
Com efeito, a vida humana é, essencialmente, uma representação,
vale dizer, uma duplicação: toda pessoa, pela sua própria natureza,
apresenta-se no mundo como um personagem. O que cada um de nós
é, para os outros, nunca coincide com o que somos para nós mesmos.
Daí decorre a dupla importância pedagógica do teatro: para cada
um de nós, pessoalmente, e para a vida social, como organização da
convivência humana.
Na verdade, o ator teatral tem possibilidade de se conhecer, mais
e melhor, do que o não ator. São frequentes os casos de pessoas tímidas
e retraídas, que manifestam no palco uma segurança e uma desenvoltura
invulgares; pois é só como personagens que elas podem exprimir desembaraçadamente
seus sentimentos e juízos de valor. Nessa expressão
de valores e sentimentos, elas passam a enxergar de modo reflexo o seu
ego, com mais nitidez do que no divã do psicanalista. Para a vida social, da mesma forma, a função pedagógica do teatro
é inegável. Foi o que sucedeu – para ficarmos só com dois exemplos
históricos – na Grécia clássica e na Idade Média.
Enquanto nos poemas homéricos os personagens eram apresentados
como modelos ideais de conduta, a partir do século v a.C. (o
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“século de Péricles”) as peças teatrais passaram a realçar as contradições
e fraquezas do ser humano. As comédias de Aristófanes constituíram
momentos decisivos de crítica dos costumes e da vida política. Quanto à
tragédia, muitos séculos antes da psicanálise, ela representou a primeira
introspecção nos subterrâneos da alma humana, povoados de paixões,
sentimentos e emoções, de caráter irracional e incontrolável. O homem
apareceu, assim, aos seus próprios olhos, como um problema, no sentido
que a palavra tomou desde logo entre os geômetras gregos: um
obstáculo à compreensão, uma dificuldade proposta à razão humana.
Para a explicação desse problema, os gregos foram, aos poucos,
acrescentando ao saber mitológico tradicional o exercício de uma
crítica racional. Essa transformação progressiva, do mito à explicação
puramente terrena do ser humano, correspondeu, de certa forma, no
campo da tragédia, à sucessão da tríade máxima dos autores: Ésquilo,
Sófocles e Eurípides.
Na verdade, as representações teatrais na Atenas clássica, por ocasião
das festas dionisíacas, eram autênticos serviços públicos, organizados
pelas autoridades políticas com o concurso financeiro dos cidadãos
mais abonados. Não havia atores profissionais; qualquer cidadão podia
representar. No quadro de manifestações religiosas – o sacerdote de
Dionísio tomava assento no centro do teatro, diante do altar do seu deus –,
o teatro constituía uma forma institucional de educação popular, à qual
todos tinham o dever cívico de comparecer. O preço dos assentos dos
cidadãos mais pobres era pago com os recursos de um fundo público
dos espetáculos (theoricon). Igual função educativa exerceu o teatro religioso na Idade Média.
Já a partir do século x, a par do culto litúrgico, iniciou-se, primeiro
no interior das igrejas, depois no seu pátio externo e, em seguida, nas
praças públicas, a representação de dramas religiosos, com a finalidade
de incutir entre os fiéis, em geral analfabetos e pouco instruídos, o sentido
sobrenatural das grandes festas, como a Páscoa da Ressurreição e
o Natal. Para tanto, o idioma vernáculo substituiu o latim, e as vestes
litúrgicas foram sendo aos poucos abandonadas, passando os atores a
representar em trajes leigos. Ao final da Baixa Idade Média, tais representações
teatrais eram feitas por guildas de atores profissionais, mas
sempre com o mesmo intuito pedagógico.
Convém assinalar hoje – e é a razão deste livro – a importância
a ser dada à representação teatral como método privilegiado de
educação escolar.
Na França, por exemplo, no ano letivo de 2007-2008, para enfrentar
o problema da indisciplina e da violência nas escolas, experimentou-se
com êxito, em Paris e em duas cidades próximas, a técnica teatral. Os
alunos, conforme suas atitudes pessoais, foram classificados em cinco
tipos: medrosos, indiferentes, agressivos, vítimas e justiceiros. Cada
criança ou adolescente foi obrigado a assumir, em rodízio, o papel
de um desses personagens. Ao término do ano escolar, verificou-se
que os alunos haviam adquirido um apreciável controle sobre as suas
emoções e tendências; ou seja, eles passaram a se conhecer a si mesmos.
Realizou-se, dessa forma, a grande finalidade de todo verdadeiro sistema
educacional: preparar os educandos para a vida.
Por tudo isso, espero que este livro possa ter, em nossas escolas, a
ampla difusão que ele merece.
Fábio Konder Comparato
Advogado e professor titular aposentado da Universidade de São Paulo
Doutor honoris causa da Universidade de Coimbra
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