Uma conversa agradável com o diretor do espetáculo Olhai os Lírios do Campo

Cléber, nós assistimos o espetáculo no dia da estréia e ficamos com muitas perguntas, por exemplo como se coloca um espetáculo sobre o palco, com tantas pessoas envolvidas, com tanta beleza, criatividade. mas sobretudo, como organizar tudo isso, como iniciar lendo um livro, escrito há mais de cinquenta anos, e finalmente transforma-lo em um espetáculo de uma hora.

Olha, acredito que o mais difícil, seja realmente visualizar o espetáculo, porque quando começamos a ler a obra, tu não imaginas que um dia se tornará um espetáculo. Tipo, tu não pensas, vai dar certo, ou vai funcionar, tu crias uma expectativa associada a um medão profundo (risos). Então compreender a época, o estilo da escrita do Verissimo, compreender a entre linha do texto. Tudo isso é a base, somente depois que tu tens de onde partir é que tu começas a erguer os alicerces do espetáculo. tu vais desenvolvendo umas cenas coringas. Ao menos eu trabalho assim. Tu vais escolhendo os atores principais, quem tu achas que deve guiar o restante do elenco. Por que eu acredito muito, que o elenco principal dá de certa forma o norte do espetáculo. O elenco coadjuvante acaba atuando numa linha muito conectada e proposta, ainda que involuntariamente, pelo estilo de interpretação dos dois ou três ou até quatro atores centrais. 

Nesse caso, tu, a Alessandra Souza, e a Dulce Jorge...

Na verdade, a Alessandra Souza (Olívia), entrou mais tarde no espetáculo, tínhamos uma outra Olívia, que por problemas pessoais acabou saindo do espetáculo (coisa dos deuses), então o Renato Casagrande, que é um ator incrível, foi sendo usado, digamos assim, como base para o restante do elenco ir construindo a sua volta. Ele de certa forma foi quem nos serviu de primeira imagem para esse universo de lírios. Aí tínhamos a Dulce Jorge que é uma atriz sutil na criação, dedicadíssima e no caso eu que ia pontuando. Mas a Alessandra Souza estava sempre presente, observando, corvando(risos) até que ela assumiu o papel. E foi incrível tê-la como essa personagem. 

E o restante do elenco, foi fácil reunir esse pessoal todo?

Olha, como a Cia. tem mais de vinte anos, nós já temos uma bela equipe presente sempre e mais um pessoal que vai se somando, colegas atores que a gente chama as vezes. Por que o teatro é como um namoro, tu sentes a vontade de estar com alguns colegas em cada determinado trabalho. A Fernanda Peres, por exemplo não estava no inicio do projeto. Mas nos últimos trinta dias do projeto nós a chamamos para fazer a soror. irmã Isolda. O Ricardo Fenner, é uma ator que já está conosco há mais de dez anos. Evaldo Goulart foi meu aluno em Boa Vista do Cadeado e  está na equipe há um bom tempo também. Aí fizemos uma seleção, um teste e surgiram o Douglas Maldaner e a Bruna Malheiros. Os dois são agora alunos da nossa escola de interpretação. A ESMATE. E vem a cada dia se destacando, buscando, melhorando. Já que interpretar não é tão simples quanto parece. Aí temos um amigo, que é o Fábio Novello, lá de ijuí, que já faz teatro conosco, e que convidamos para fazer o a iluminação do espetáculo. Temos a Bárbara Oliveira, que executa a trilha sonora durante o espetáculo. Mas fácil reunir esse pessoal? Não, não é fácil, alguns trabalham, outros moram longe, precisa ser encarado como trabalho, profissão, pare ser bem feito, mas paga-se muito pouco... Então é um paradoxo meio maluco. 

Sim por que é um trabalho... Certo?

Sim, com encontros diários, na maioria das vezes das 14 horas às 22 horas... E uma busca pela perfeição, pela boa execução...

E a casa lotada, como vocês sentiram isso?

Foi um fenômeno, já tivemos casa lotada, já nos apresentamos em ginásios com mais de mil pessoas. Até mesmo em Cruz Alta. Mas sempre sob outras óticas. Por exemplo, uma vez fizemos uma apresentação do espetáculo Lili Inventa o Mundo, na nossa falecida Casa de Cultura, para mais de oitocentas crianças, mas elas foram trazidas pelas escolas, então é diferente né. 

Entendo, em Lírios, as pessoas foram voluntariamente...

Sim, elas atenderam ao chamamento tão bem feito pela nossa Universidade. Acredito que muitas pessoas foram pela questão filantrópica, algumas pelo Erico, outras pelo teatro. Mas foi incrível, ver tanta gente no prédio teatral, interessadas naquela historia sobre o palco. 

E em um drama...

Pois é, claro que eu tenho certeza que muita gente não tinha a mínima ideia do que era Lírios do Campo. muita gente me disse, "poxa, fui para dar risada", mas gostei. E isso, dadas as proporções e sentidos, me dá uma certa tristeza, por que tu vês que um autor da cidade, tão conhecido e falado até mundialmente é pouco conhecido aqui. Por que lemos tão pouco? Não sei, mas sei que nossa função é falarmos disso. A gente sabe que o público curte comédia, mas a gente não lida com ibope, a gente não tem que ficar dando só comédia por que o público parece querer apenas dar risada. A gente precisa ofertar o drama, para fazer pensar, trazer a reflexão e não que a comédia não o traga, pelo contrário, mas a compreensão da dor, da tristeza, precisa ser discutida. Veja só a morte por exemplo. nossos pais nos impediam de ir a velórios, as crianças são mantidas longe dos assuntos fúnebres. Depois quando crescem a morte fica tão difícil de ser aceita, embora faça parte da nossa vida.

Então tu estás dizendo que o teatro quer falar de coisas que as vezes a sociedade maquia...

Exatamente, é para isso que o teatro existe, é por isso que o teatro está aí. Muita gente diz algo como " teatro é bom, pra gente rir, de divertir", legal se isso acontece, mas para isso existe o circo e o parque, o teatro é para o questionamento, é para o debate. 

E o Erico mudou a vida de vocês?

Olha, mudar não sei, mas já em O Incidente, lá em 2005, eu e algumas pessoas da Cia. Passamos a ver o mundo com outros olhos, sobre tudo no âmbito politico. Se hoje em dia, qualquer noticia de politica, corrupção, exagero dos poderosos me chama a atenção, me prende frente a um a tv, é graças ao Incidente em Antares. já em Lirios, eu sinto que me tornei mais amoroso, mais contente com aquilo que conquistei pelo afeto. Sem demagogia, na segunda feira, depois que estreou o espetáculo, eu me peguei várias vezes pensando, não tenho luxos, não tenho os bens materiais que gostaria de ter, mas que bom ter essas pessoas que amo! 

E isso, essa reflexão é um tipo de catarse...

Totalmente, a catarse que buscávamos com o espetáculo. 

E como é atrás das cortinas, nos camarins, corredores do teatro, durante o tempo do espetáculo?

Uma correria, uma agonia, por que o público está ali sentado, absorvendo a trama, a narrativa, teu colega está no palco, sob o holofote, e tu la atrás trocando de costume com o tempo cronometrado. Repassando maquiagem. De olho em que perna tu entra, se pela direita ou pela esquerda. É uma loucura, e quase tudo no escuro, para a claridade não vazar no palco e não atrapalhar a iluminação do espetáculo...já aconteceu por exemplo de enquanto um colega estar em cena, eu ter que sair do prédio, atravessar a rua, encontrar o motorista da vã (nosso transporte em viagens) procurar um adereço que possa substituir algo que quebrou e voltar para o palco desesperadamente. Uma loucura...

E os planos futuros?

Mil, o céu é o limite. Viajar com a caravana, matinê do Máschara, Cena às 7, vender espetáculos... Não dá para parar, por que tu vences uma batalha, mas a guerra é feita por centenas de batalhas. Tu conquistas vinte pessoas em uma nova estréia, mas já está perdendo outras vinte, para a internet, para os programas de tv, etc... Tu tens que estar sempre seduzindo, atraindo o público. Criando novas opções. Lutando com esse mundo maluco que oferece tantos prazeres, como convencer as pessoas que não tem o hábito do teatro, de que isso é bom? Estamos montando um espetáculo infantil novo com alunos da ESMATE, lutando, artesanalmente, criando para levar ao público sempre algo legal e novo. 

Muito obrigada Cléber e que vocês continuem fazendo coisas incríveis como Olhai Os Lírios do Campo.

A Rainha

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