Análise de Olhai os Lírios do Campo estréia

                  Quando parei junto a fila que se formara em frente ao auditório da escola Annes Dias na noite do dia 21, pensei comigo: Não estou no lugar errado! Pois de onde estava eu via o banner da CARAVANA UNICRUZ. Mas então o que havia trazido tanta gente para o teatro? A divulgação maciça por parte da universidade? Além disso o espetáculo a ser visto não seria uma comédia... Talvez então o fato de ser uma obra de Verissimo. Um escritor mundialmente conhecido sendo homenageado através da arte da interpretação, poderia muito bem ter sido o desencadeador de tal corrida ao teatro...  Dúvidas, e nunca me satisfaço se a mente continua cheia de dúvidas. A fila andou... Após pagar tão pouco pelo ingresso... pouco se comparado ao quanto os artistas merecem, muito se comparado ao pouco que algumas  famílias tem para se alimentar. Mais de seiscentas pessoas fizeram sua parte.
                 Sobre o palco um belíssimo facho de luz iluminava um jarro com Lírios, e então começou. O clima proposto era hospitalar. Freira, médicos, enfermeiros. Três praticáveis incluindo uma cama foram usados para lá e para cá auxiliando na agilidade da ação. O público silencioso tardou a compreender o que estava acontecendo, qual a ideia, quais as convenções.
                A narrativa inicia com os já conhecidos Cléber Lorenzoni e Dulce Jorge, ambos fortes, grandes, de coluna viva como o teatro pede. O espetáculo atemporal nos oferece um clima que vai dos anos 20 aos anos 40. Detalhes, muitos detalhes,  típico do trabalho de caracterização da Cia. E então mergulho, eu e provavelmente quase todas as outras seiscentas pessoas. Cenas lindas vão surgindo uma dentro da outra, com uma iluminação  belíssima e uma trilha delicadíssima. As cenas das crianças envolveram e deram um tom de leveza sempre tão presente na obra de Erico. A escolha dos atores que fizeram os pais foi significativa e culminou com o jantar, frio e tenso dos quatro personagens principais do primeiro bloco.  Dona Alzira com a bacia nas mãos naquele quarto mobiliado apenas de uma cama de altas pernas pareceu carregar vários momentos de Erico. E ao pé da cama dos meninos Bruna me lembrou Bibiana, Ana, e Maria Valeria. Um momento muito tocante.
                    Renato Casagrande e Cléber Lorenzoni triangularam com perfeição. Cléber usando o aplauso do público a seu favor, mostrando assim que o teatro deve sair do palco e ocupar todos os espaços do prédio. E o público percebeu, embarcou, comprou... Renato Casagrande nos dá um Nestinho debochado e intenso. Interessante ver como a adaptação de uma obra depende mais dos artistas envolvidos do que propriamente da ideia inicial do adaptador. Bons atores tornam os personagens tão grandes que ultrapassam a ideia inicial do escritor.
                 Douglas Maldaner e Bruna Malheiros são dois jovens atores com estilos bem distintos de interpretação. Mas é belíssimo ver como ambos rapidamente se entrosaram com a equipe do Máschara. Douglas nos da dois personagens. O primeiro vem para mostrar a clima dentro da casa dos Fontes, o segundo vem para nos mostrar como se tornou a relação entre pai e filho quando Genóca já se tornara adulto. Seu Jango estava bem, pronto para o começo de uma longa caminhada em busca de uma maturidade cênica, o segundo precisa de mais presença e volume. Mas acho que cabe ao artista perceber a confiança que lhe foi depositada com dois papéis já na estreia, aprofundar-se e amadurecer.
                Nessa altura do espetáculo já percebemos que no plano das lembranças tudo que se vê no palco tem tons de verde e branco, possivelmente algo relacionado ao clima hospitalar proposto no inicio.
              O romance iniciado na cena da formatura nos envolve rapidamente, Alessandra Souza nos oferece uma Olivia meninota, que poderia ser  mais misteriosa. A química entre o casal vai crescendo no decorrer do espetáculo. Pena que na cena em que essa relação deveria culminar, a luz prejudicou a ambos. Souza aparece muito mais madura la no final do espetáculo, mas sinto falta de um pouco de expressionismo na figura. Olivia é uma figura que sobressai às páginas do livro e com  que Erico bem poderia ter batizado a obra. O interno que a atriz construiu internamente pode vir para fora. Mas preciso elogiar essa jovem atriz que em A Serpente e agora em Olhai os Lírios do Campo, tem se revelado uma triangular interprete.
            Ricardo Fenner embora há quatorze anos nos palcos, incorpora seu primeiro grande papel dramático, está muito bem. Precisa trabalhar mais os volumes e a postura de andeor para ficar maior no palco. Também aconselharia a rever os figurinos do pai e de Seu Jango, tentar deixa-los com aparência de homens mais pobres.
            O clima do espetáculo vai pesando e o drama se estabelece de forma natural, os circunlóquios do destino são revelados através de marcantes cenas tangenciais. Não conseguimos saber quem são os interpretes dos enfermeiros. Mas cumprem muito bem sua função. Dr. Eugênio está doente!

          A morte simbólica de Olívia, contraste-se com a o casamento de Eugênio e Eunice Cintra. E é difícil a plateia não odiar a mulher que parece interferir no amor tão bonito entre os protagonistas.  Dulce Jorge baixou o volume as vezes. Mas a dicção e o trabalho corporal da personagem estavam incríveis como já se esperava da incrível interprete. A impagável Dulce Jorge é uma atriz intensa, viva, presente e é impossível não me comover vendo sua gana em cena. Prova disso foi a cena do fim da relação entre o casal. Um tour de force para qualquer atriz iniciante.
            Evaldo Goulart provou que para um ator, mesmo um personagem sem nome, ou estar sempre com um figurino que lhe cobre o rosto, não é desculpa para não prender, não interpretar com toda a garra. O jovem ator estava vivo por traz da “máschara”, havia nele um domínio de toda a narrativa. Evaldo foi ator e foi contra-regra, e merecia “parodiando” nossa antiga atriz Angélica Ertel, um céu plus. A cena do tapete andante foi sublime, mas poderia ser mais aproveitada. Palmas também para a festa na casa dos Cintra, o arroz, a agilidade, a iluminação.
       Fernanda Peres, tem a força de uma grande atriz, mas nos deu uma irmã Isolda com vários tons. A impressão é que em cada cena havia uma freira diferente. Era sutil essa diferença, mas para mim que sou plateia há anos, que observo cada gesto, cada inflexão, dava para perceber que falta lapidar essa personagem/tipo.
       As cenas finais precisam de uma revisão, um virtuosismo. Foram lindas, mas um pouco desajeitadas devido a correria de estreia.
      Cléber Lorenzoni nos dá a curva, como era de se esperar, pode vergá-la mais. Mas isso logicamente se dará com a maturidade do espetáculo e com o apoio dos coadjuvantes.  Poderia dizer que lhe foi fácil fazer novamente um papel que vai da infância a maturidade, já que já havia embarcado em outra viagem dessas em Esconderijos do Tempo. Mas só uma mente muito rasa e simplista não perceberia que Eugênio é psicológico, e que Mario é humanista.  Alessandra Souza deve se orgulhar e muito, está sendo colocada no grande grupo de atrizes do Máschara, onde já estão Simone De Dordi, Angelica Ertel, Dulce Jorge, Marcele Franco. Fabio Novello conseguiu fazer um bom trabalho, ainda que com uma iluminação tão restrita. A principiante Barbara Santos preencheu as necessidades na mesa de som. E enfim foi a mágica do Máschara de já estrear com cara de espetáculo pronto!
      Poderia falar aqui em água na bacia, cigarro aceso, dinheiro no peito de Eunice Cintra, mas isso seria rusga desnecessária. O teatro aconteceu, foi sublime. Quem não leu Olhai os Lírios do Campo, o viu sobre o palco. Quem não se emocionou durante, na certa se emocionou no final, com as palavras do diretor. Anos passam, gerações vão e vem. Erico lutou pela literatura, precisou ir embora para ter reconhecimento como escritor/artista. O Máschara luta para não precisar ir embora. A única coisa que precisamos fazer para auxiliar, é sentar na plateia e aproveitar o melhor desse grupo cheio de energia e de ideias loucas.
Parabéns atores loucos!



Cléber Lorenzoni (st. IA) (***)
Dulce Jorge (St. A) (***)
Ricardo Fenner (St. IIIA) (**)
Renato Casagrande (St. II) (***)
Alessandra Souza (St. II) (***)
Fernanda Peres (St. III) (**)
Evaldo Goulart (St. IV) (***)
Fabio Novello (St. IV) (***)
Bruna Malheiros (St. IV)(**)
Douglas Maldaner (St. IV) (**)
Barbara Santos (St.V) (**)



Arte é vida



      

         


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