6ª Matinê do Máschara -Lili Inventa o Mundo (686) tomo 104

Disciplina = Sucesso

                  Sempre que há teatro em Cruz Alta, parece que haverá um evento, talvez por que as opções de entretenimento sejam poucas. Mas o teatro não pode ser encarado como um evento, ele é apenas uma opção de entretenimento, como assistir um filme, ou ir a um recital. Quero dizer, deveria ser um hábito normal, (pegar um cineminha, ir ao teatro). No entanto moramos em uma cidade pequena, onde as opções são poucas e os lutadores pelo teatro são poucos. 
                    Ontem a tarde parti com uma amiga para o Clube Internacional, Veríamos um espetáculo infantil, inspirado na obra infantil do poeta Mario Quintana. Ora, parte do público nem ao menos sabia que Quintana escrevera uma obra infantil. 
                     Uma sala nos fundos do Clube havia sido transformada em teatro. Caixa preta, espaço caloroso, lanches a disposição. (Não gosto de lanches no teatro).  Para começar o Máschara prova que com boa vontade, qualquer espaço pode se tornar em um bom lugar para se ver teatro. 
                       Lili Inventa o Mundo passou por algumas mudanças , elenco e cenário. Uma cortina vermelha com barrado franjado, dava um clima nobre e ao mesmo tempo paradoxalmente  lembrava um circo, o que se cumpria com as palhaçadas do senhor poeta e do pequeno Malaquias. 
                         O espaço ficou praticamente lotado, o que é surpreendente para uma cidade como Cruz Alta, espero que para o bem da trupe, isso se repita nos outros três domingos. As crianças foram rapidamente envolvidas e logo nas primeiras cenas. A dobradinha Goulart e Lorenzoni é certeira, embora o primeiro estivesse um tanto avoado na apresentação. O público não deve ter percebido, logicamente, mas o que me chegou foram alguns silêncios, alguns vazios maiores do que o necessário. Um ator não pode se dar ao luxo de abrir mão de piadas que na sua ausência deixarão colegas perdidos em cena. Evaldo Goulart ainda pode rever o finalzinho do verso do M, feito no inicio do espetáculo, o trecho (gato das gatinhas) soa muito falso. E precisa rever a questão do ritmo, o tambor não pontuou as canções, e todo ator deve cumprir com  brilhantismo suas funções, principalmente quando já o faz há mais de ano.
                             O espetáculo esteve muito vivo, e nesses tempos de redes sociais, foi extremamente conectador, aliás a sala de espetáculo é o maior grupo de Whatsap possível, todo mundo visualiza ao mesmo tempo as imagens e comenta com áudio ligado. Foi delicioso ver as crianças tão conectadas, falando a seu bel prazer com o elenco e esse triangulando, respondendo sem perder o clima da narrativa. Tenho certeza que muitos levaram para casa o espirito da poesia. 
                          A iluminação precisou ser muito restrita, afinal não tínhamos barras, urdimento ou qualquer outro item do maquinário cênico. No entanto pontou a transformação, pontuou a entrada da Rainha das Rainhas e ainda ofereceu uma tridimensionalidade visual com uma luz de fundo. As duas palhacinhas de pompons cumpriram sua parte. Alessandra Souza esteve bastante entregue a personagem, embora tenha feito seus "draminhas" antes do espetáculo começar. Atores devem se desafiar e resolver e não ficar sempre encontrando problemas. Bruna Malheiros é a nova adquirição da Cia. E por sinal iniciou em Status 5 muito bem. Essa profissão é árdua. Atores não usam gravata e paletó. (ou o equivalente feminino), para trabalhar não bate ponto às oito ou as nove da manhã, não tem aquela coisa reconhecidamente respeitável que se chama consultório, e por que trabalha a noite, acorda mais tarde que gente que trabalha de dia. Tudo isso causa inveja a muita gente, mas causa também um sentimento um pouco diferente: todos aqueles, como dizia o saudoso Bernard Shaw, confundem retidão moral com desconforto físico, consideram que em vista das condições acima mencionadas, gente de teatro tem que ser encarada com muita desconfiança, como uma espécie marginal apenas ligeiramente enfeitada. Bruna tem vencido vários desafios para estar ali. E entra em cena com energia de atriz madura. A Rainha das Rainhas é mais um tipo, do que uma personagem, embora isso possa ser questionável, já que "Divindade vestida de palhacinha, falando poesia, não pareça ser um tipo conhecido". À Bruna falta técnica, o que rapidamente pode ser alcançado com disciplina.  Não gosto da malha da interprete, ela destoa dos padrões do restante do elenco, mas gosto do vestido e das cores. Bruna também precisa se ater ao volume de sua voz, ainda que estejam apresentando em um espaço pequeno.
                      Mathias e Lili conquistaram o público, embora Fernanda Peres precise recuperar sua força de interprete. Ser" atriz" é uma escolha difícil, aceitar ser atriz, aceitar esse grandioso poder que recebemos. Abrir mão da vida "segura" que as outras pessoas tem, para entregar-se de bandeja para o público. Fernanda Peres começou sua trajetória em 2010, foi, voltou, foi voltou... Ama o palco, não há dúvida, mas para ser protagonista é preciso convicção do que se quer. Lili precisa respirar mais, se acalmar mais, por exemplo: quando Mathias volta a ser menino o tempo pode ser mais longo, todos estavam concentrados no clima e então Lili falou: Mathias, você voltou a ser um menino. Funcionaria mais se esperassem mais uns 30 segundos. Se ela olhasse para ele e lentamente percebessem a transformação antes de falar. O Teatro precisa de silêncios, pausas, mesmo que seja o infantil.
                       Renato Casagrande ´um exemplo de ator preocupado com os colegas, preocupado com o todo. Talvez por isso todos se sintam tão bem em contracenar com ele, só não pode esquecer que há um diretor. Alessandra Souza perde algumas piadas e precisa estar atenta. 
                       Minha maior preocupação foi com o canto. Quando Cléber Lorenzoni baixa o volume, a musica simplesmente some. Onde estavam os outros atores nessa hora? 
                        A equipe técnica esteve de parabéns. Bárbara Santos, Dulce Jorge e Douglas Maldaner se esforçaram para preencher todas as necessidades dessa produção que teve o maior empenho de Ricardo Fenner para acontecer. Douglas e Barbara estão aprendendo o oficio, e há muito a se aprender. Por exemplo como preencher as cenas com som, sem incomodar os ouvidos do público. O que é contra-luz. Batidas de Molière. Palco Italiano e muito mais. Mas o principal, estar sempre com a mente aberta, esforçar-se em fazer o melhor e nunca achar que já se sabe tudo. 
                         Torço que nos próximos domingos haja ainda uma platéia maior no teatro, e que todos encontrem dentro de si a criança que Lili Inventa o Mundo insiste em manter. Teatro é vida.


                 A rainha
                        

Cléber Lorenzoni (status I) **
Fernanda Peres (Status III) *
Renato Casagrande (Status II) ***
Alessandra Souza (Status II) **
Evaldo Goulart (Status IV) *
Bruna Malheiros (Status V) **
Douglas Maldaner (Status V) **
Bárbara Santos (Status  V) **
Dulce Jorge (Status A) **
Ricardo Fenner (Status A) **

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