O Incidente 666- Tomo 77 /Salão nobre Unicruz

Os Mortos estão de volta. Mas por pouco tempo...

                        O mais prazeroso no teatro é ver um ator entrar para ganhar, pisar no palco com uma pitada de arrogância e prepotência. O teatro é também a arte da oratória, o ato de impor-se. Não é possível que o ator tenha medo da assistência, ou que se coloque na humilde postura de inferior. O ator deve sentir-se um pouco semideus, ele está sendo um outro, ele está saindo de sua realidade e se colocando em uma realidade subjetiva, não ocorrida, mas existente em um universo paralelo ao seu. Isto é, quando o ator esta em cena, interpretando o individuo x, ele olha para dentro de si e as lembranças do passado que vê não são as suas, mas as desse ser aqui chamado de "x". Ora, esse processo de dar espaço dentro de  seu existir, para um outro existir, é um processo de generosidade e  técnica.
                    O Incidente do Grupo Máschara não mais é um espetáculo, tem ares de performance. E aí cabe muito bem. Os sete atores estão a serviço de uma homenagem póstuma ao escritor Erico Verissimo, o público está mais interessado no visual do que na historia. O intelecto da obra chega menos do que se propõe. Não por culpa dos atores, mas pela forma como se propõe. Na obra literária os mortos aparecem depois de mais de cem páginas de leitura. O ambiente é preparado. Quando eu me deparo com eles, já estou tão interessado na corrupção daquela cidade que é na verdade um microcosmo do país da época, que os mortos passam a ter um outro efeito. Em O Incidente da Cia. Máschara, os sete mortos tomam força de personagens de um túmulo do terror. As pessoas da região, tão pouco acostumadas ao teatro, estão mais interessadas em rir das escatologias propostas e fotografar o visual marcante do que prestar atenção nas chocantes frases pronunciadas pelo elenco.
                      Cléber Lorenzoni reúne há duras penas o elenco de mortos entre sua trupe para poder manter acessa a chama tão bela de um espetáculo que já completa quase dez anos. Em cada apresentação praticamente um novo ator embarca nesse carrinho de trem fantasma. O ator da vez é Fabio Novello, que vem para dar vida à João Paz, o jovem revolucionário, que sofreu torturas inumanas durante uma semana e que foi jogado em um caixote com o ombro fora do lugar e com o rosto desfigurado. Fabio Novello faz dentro de seu pouco conhecimento da obra o suficiente para preencher o palco. Para essa pequena performance foi o suficiente, a ultima frase de seu texto conseguiu chegar bem próxima do público. Tocar-lhes as ventas, acredito que é exatamente aí que Novello deve aprofundar-se, o que lhe será útil em muitos outros trabalhos. Cuidando sempre para sua impostação não se gessar demasiado. Souza e Casagrande, as duas torres*, não alcançaram o desejado, suas interpretações ficaram aquéns, a primeira se enrolou e essa enrolação apareceu para fora do palco. A emoção foi prejudicada e o olho quase fechado não deixou a dor chegar na platéia. O Incidente é um realismo fantástico, que emprega um pouco de teatro do absurdo, interpretações expressionistas, etc... Alessandra Souza é uma atriz dedicada mas que tem como principal dificuldade a necessidade da repetição, precisa de continuidade no trabalho para manter a perfeição. 
                       Casagrande propõem-se sempre, esforça-se, mas Menandro Olinda é um homem velho, introspectivo, prostrado, frágil. Muitas características que o jovem ator ainda está forjando. Seu bife tem uma leveza de quem não passou realmente por tantas dores como a personagem, como alcançá-las? 
                           Ricardo Fenner compõe visualmente algo legal, mas Barcelona é "anarquista, atirador de bombas e subversivo", Dona Quitéria o está ofendendo com verdades. E essas verdades deveriam estar presentes, mas em cena o que vemos é algo muito próximo do Conde de Belmont e do vilão Rubenci. É preciso para sentir mais prazer no teatro, virar-se pelo avesso. Dentro de nós, há vários! Claro que a triangulação entre Barcelona e as outras personagens ocorreu, mas a perfeição deve sempre ser buscada. 
                            Chegamos à Albuquerque e Ertel. Ele longe do teatro há quase um ano. Ela longe de O Incidente há dois anos. Ainda assim, pelos mistérios que rondam o palco, foram os que mais produziram algo de encantador aos olhos. Dona Quitéria estava completamente viva, ainda que morta. Contam as observadoras línguas, que Albuquerque no camarim aprumou-se sozinho sem pedir auxílio. Que não ensaiou uma única vez e que preencheu o palco solidamente. 
                              Lorenzoni aficou aquém de seu anterior mergulho pelo universo de doutor Cícero, devia estar lá em seu lugar, em professor Menandro Olinda. Logicamente Cléber Lorenzoni triangula muito bem com a platéia e com o restante do elenco. mas a falta de ensaios da PERFORMANCE também o prejudicou. 
                            A trilha foi operada a contento e o mise en scene ocorreu. Graças aos deuses.


Angélica Ertel (***)
Cléber Lorenzoni (**)
Alessandra Souza (*)
Ricardo Fenner (*)
Renato Casagrande (*)
Fabio Novello (**)
Cristiano Albuquerque (***)
Evaldo Goullart (**)





                            A Rainha
                            
                       

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