Cordel com a corda toda

CORDEL COM A CORDA TODA

 (cantando com a dor do sertão, mas sem sofrimento interno)
3x-Ai meu deus, meu deus do céu, ai meu deus, me ajuuda!
(rindo muito vem chegando até o palco)
 La por traz daquele morro tem um pé de aipim      
todo mundo anda dizendo que ocês gostam de mim
(sentado massageando os pés, dando a ideia de que vem de muito longe)
 (tom) Ocês gostam de mim?   E ocê aí? gosta de mim ou não? Ôxe que cansasso, to vino de muito longe...      Você aí, florzinha de guabijuba, venha cá beija minha juba...
Ôxe, mas chega de fala de mim, vamo é fala de meus versu...
(tom) (avançando para o proscênio) La em cima daquele morro tem um pé de bananeira
 e com o cheiro desse povo, deve tudo ta uma... suadeira
(risos animalescos, sons estranhos e movimento corporais que surpreendam, para criar uma  figura que pareça fantasiosa)
                                      Pensaro que eu ia dizer palavrão num é mesmo?
                                       Mas não, oceis tem que pensar maió... Tem que pensa grande


grande, ocê óia la longe, la na frente, vai descendo la no horizonte, como o sol que vai se pondo, e da a volta la por baixo, vem la por trás e chega aqui de novo, nessa grande bola que é o mundo de nosso sinhô!
Assim como o barbante da volta no carretel, o barbante do cordel!!!
Ocês aqui sabem o que é cordel? Não? Não conhece não?
(caindo de joelhos e com o rôlo na mão, como se fosse um tesouro encontrado)
Seu dotô que é da cidade
Tem diproma e posição
E estudou derne minino
Sem perdê uma lição        
Explica agora presse povo o que é cordel meu sinhô...
(descendo do palco) Pegue esse cordão... va passando por favô
Óli para  o lado e divida esse cordel com o colega
  O melhor de nossa vida
  É paz amor união
  E em cada semelhante
  A gente vê um irmão
Meu nome é Zé do cordel
mas tenho sobrenome, pense que não
por que fui parido num fui cuspido não
tenho famia de respeito e tradição...
(voltando ao palco) sou fio de Zé pai e zé mãe
Óio o respeito zé mãe, é na verdade Maria José, minha maezinha que mora hoje la no céu ao lado do pai de todos nós...


(subindo no baú) No sertão a tarefa é muito dura/ Mas se tem a colheita, a criação/ ferramenta da roça/ a viola um baú uma cachaça/ espingarda de espoleta e um cachorro bom de caça...
Vamo la bebleléu, da oi pra esse povaréu! E agora fique aí sentadinho quetinho que vou falar com a plateia...

Esse sou eu meu povo, que vim la do nordeste pra encanta com o cordel de ilusão... Vou lhes contar a historia de minha vida, do povo sofrido, minha famía. Uma historia linda que se confunde com a do cordel.

O cordel, veio la das europa, onde eles chamavam literatura de fera, vieram de navio, de caravela, chegraram no brasil e se instalaram la no sertão do cacrirí

Ai meu Deus, meu deus do céu, ai meu deus me ajuuda...
Das  faces do ser humano, seu agir e seu pensar
O cordel é sempre escrito de forma peculiar
com rimas métrica, oração,
com canto ou declamação
Que faz rir ou emocionar.

(esticando um cordel, onde pendurará a ponta de um cordão e alguns cordéis) Centenas de historias preenchem meus cordéis...  e está tudo aqui no meu baú de historias... A historia da negra de um peito só, ela tinha duas mas a historia é só de uma mesma, A discussão de severino, A peleja de Ana Roxina, O cavalo que defecava dinheiro, ainda sinto o cheirinho característico daquele... DINHEIRO!!!!  Mas enfim vou contar mesmo é a historia de meu pai, direto do sertão do piauí-
Zé pai, era conhecido como zé pitada...

Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade

Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Porque João-mole, (meu avô) pai dela
era um velho perigoso,sempre revoltoso


Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.

Marocas respondeu:
Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Você pode ver-me as tripas,
Porém não verá carreira.
Nunca fujo de uma peleia
Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,

Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.

Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Derrubei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
Vencí até os fuzileiros

Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse:- Meu pai acordou,
E nos ouviu conversar
.
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo

Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu’stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d’uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.

Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.

Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!... eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!

Meu pai se ajoelhou e agora para vcs saberem como terminou, preciso de uma dessas frô que tão na pratéia para me ajudar.
(escolhe uma menina que recebe um buquezinho de flor)
Meu pai se ajoelhou e disse um verso dos mais bonito
Vou mostrar ao mundo inteiro
A pessoa maravilhosa que é
Desde o fio de cabelo
Ate a pontinha do pé
Maroca meu amor
amor de meu coração
perdoa esse jaguára
teu escravo de devoção...

E então, ocês perdoavam ou não, e ocê? Perdoava ou não?
Pode descer e leve cocê esse buquesinho que vai percisa mais tarde.
Uma salva de palma pra essa colega que me ajudo a conta a historia...

Meu pai e minha mãe viveram muito felizes comigo...

Ai meu Deus meu Deus do céu, Ai meu Deus me ajuda..
no sertão a vida é muita dura...
A seca Se alastra pelo sertão
E o Sol queimando tudo
Deixa a terra em exaustão
Com a fome campeando
Matando sem compaixão

Na miséria dos casebres
Padecendo o sofrimento
Sem água para beber
Sem qualquer um alimento
Crianças morrendo à míngua
Em completo desalento

Minha mãe, coitada, sofrida,
Acomoda as suas crias
Junto ao corpo emagrecido
Com as barrigas vazias
Esperando o Deus dará
Na constância dos seus dias

Meu pai
Inteiramente abatido
Vagueando a imensidão
Com o seu olhar perdido
Preso a um fio de esperança
Dentro do peito escondido

Teve então uma idéia
Como a sua salvação
Iria embora pra São Paulo
A terra da promissão
Deixando a mulher e filhos
Sob de Deus a proteção

Dessa forma, decidido,
E o coração palpitante
Chamou a mulher e disse:
— Serei mais um retirante
Vou em busca de outra vida
Numa terra mais distante.

— Não dá mais para ficar
Padecendo nesse amém
Vou, mas voltarei depois
Pra levar vocês também
Se ficar só resta a morte
Nessa terra de ninguém.

Ouvindo aquela notícia
A mulher entristeceu
Com os olhos marejando
Soluçante, respondeu:
— Não há mesmo o que fazer
Do destino que Deus deu!


Assim foi o retirante
No primeiro  caminhão
Levando além de esperança
Saudade no coração

Antes de ir embora no entanto meu pai disse um  ultimo verso para minha mãe...

Mas preciso de um amiguinho  para me ajudar...

Não vou falar da saudade
que vai arder no futuro
nem deixar que a soledade
em meu coração faça um furo
Encontros e despedidas jamais serão esquecidas...

Agora quero voltar a chamar minha amiga aqui, obrigado a esses dois amigos quero dizer que a partir de agora vc será sempre zé pai e vc zé mãe e em nome do cordel eu os considero marido e mulher.
Muito obrigado podem descer... Mas antes jogue esse buquê para as amiga...

Vamos la Ai meu Deus, meu Deus do céu, ai meu deus me ajuda...
A vida la no sertão é muito dura...
La no sertão eu vivia com meu minino...
Como era mesmo o nome do meu bacuri?
Quem Sabe?
Zé fio!!!
Tinha dias que nós num tinha nem o que comê, os bixo morria na seca do sertão e nós misturava farinha com água pra fazer um grude.
Mas quando não tinha água era pior ainda. Num dia desses vendo o sofrimento de meu minino, me deu um aperto no peito, uma dor, uma colica, que cheguei a ter um piriri...
ôxe, não é que me deu vontade de ir aos pés mesmo,,, e agora...
Já sei, aqui ,,, (pega a panela)

(Cena tangencial)
Onde é que nós tava mesmo?]
A sim... nós num tinha o que cume e era de parti o coração, que solução nós tinha?
Só sê... (olha para a panela)

Será? Faze o que? A fome deixa a gente muito louco num é? Deixa vê isso, até que o cheiro num é dos pior... Vamo prova, num é ruim não, da pro gasto...
E ocêis? Vão quere um pouquinho? Vão quere?
Pode gosta...
Ai meu Deus, Meu Deus do Céu, me ajuda...
Esse é o meu cordel ribombanbo la no céu
Nessa vida da cidade
a gente só tem aborrecimento
calor, engarrafamento,
falta tranquilidade
Hoje morro de saudade
 da vida do sertão                                                              
Ai meu Deus, meu Deus do céu, ai meu Deus, me ajuda...
Tchau meu povo diga Adeus Beleléu
e segue o cordel...
Ai Meu Deus, Meu Deus do Céu... (até sair de cena)



fim

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