Estreia de O Santo e a Porca -51º Cena às 7/a



Nós não vamos ao teatro nem para rir, nem para chorar, e sim para pensar, o riso e o choro são as táticas do teatro usa para nos tocar. Acredito que seja por isso que nós não encontramos  catarse quando vamos ao circo, ou aos espetáculos de dança. São lindos, são artísticos, mas a catarse está no solo sagrado do teatro. No recente filme de Meryl Streep, The Iron Lady, ela diz como Margaret Tatcher: os homens hoje em dia sentem demais, deviam pensar mais.  E foi estimulante pensar assistindo a obra de Suassuna, aliás autor esse que provavelmente nunca tenha sido apresentado em Cruz Alta.
O texto mais importante da obra desse autor é indiscutivelmente O Auto da Compadecida, mas o Máschara tem essa característica de buscar o escondido, o desconhecido e por que não dizer o mais difícil.  O Santo e a Porca tem enredo buscado em  “A comédia da Marmita” de Plauto.  Dando menos importância ao religioso como em outros obras do mesmo autor e sublevando as intrigas tão conhecidas na farsa.
E a farsa não é gênero fácil, muito pelo contrário. Requer uma extrema habilidade do autor, pois não permite soluções conciliatórias se é que o tom da farsa vai ser mantido durante o tempo todo. Nesse teste, Suassuna passa com distinção, e raramente temos visto a confusão causar riso tão espontâneo numa plateia, sem perder com isso, a medida de distância cômica de crítica que é a intenção do autor. Em todos os seus personagens cômicos e vigaristas, Ariano Suassuna é eminentemente satisfatório.  
Um espetáculo com mais de uma hora e meia é um grande arrojo do Máschara e a ceifa certeira da Cia. reestruturou o texto sem por em risco a compreensão da trama. A religiosidade e o materialismo correm lado a lado, talvez sendo necessário valorizar mais a presença do símbolo religioso já que santo e porca são os signos centrais da peça. O cenário evoca o visual nordestino e ao lado dos figurinos assinados por Cléber Lorenzoni nos permite embarcar na credibilidade do espetáculo. Embora haja certo desleixo com a unidade dos aparatos quando levam-se em conta os costumes masculinos. No entanto a acentuação dos vestidos firma a importância que a cena do troca-troca tem dentro da narrativa.
A trilha de Lorenzoni e Peres é insegura quando de sua presença e portanto parece inexistente. A iluminação executada por Gabriela Oliveira, precisa ser executada com maior precisão, quadro a quadro, cena à cena.  
Os altos cômicos e os baixo cômicos estão bem divididos embora atores deslocados carreguem personagens com status trocados. Ou seja atores de status III em personagens II e vice e versa podem por todo um espetáculo em risco.  Tive durante minha carreira muitos mestres, e uma de minhas mestras sempre me disse que a comédia tem pequenas explosões, brilhos pelo ar que vão pipocando, contagiando como uma febre que se pega pelo ar. E foi assim. O espetáculo foi chegando, foi envolvendo. Cléber Lorenzoni não pareceu fazer uma grande construção em cima de sua personagem, no entanto a verdade cênica de sua interpretação manteve o espetáculo pulsante, vivo, o domínio de suas cenas, as improvisações rápidas e certeiras, fizeram o público revolver-se nas cadeiras.  Dulce Jorge,  brilhante tão repleta de personagens dramáticos, nos deu uma Caroba intensa, verdadeira e cheia de trabalho corporal. Seu   entra e sai, e as piadas pontuais acresceram ao espetáculo um ritmo pulsante e instigante.  Um texto teatral, assim como uma canção, é escrita de acordo com a atualidade que a cerca, quando é recantada (a música) e reinterpretada a peça, ela precisa adaptar-se ao momento. Caso contrário quando alguém remontasse um Shakespare escrito no século XVI, teria apenas o objetivo de obra histórica. O Máschara trouxe para o palco detalhes contemporâneos que seduziram a plateia trazendo o público para dentro do espetáculo. Há tempos não via uma plateia tão presente e uma estreia tão pronta.
Gabriel Wink/tia Benona roubou a cena em vários momentos valorizando um dos personagens que seria  um baixo cômico, tornando-o praticamente o centro da historia. Noja, Teto divino, Abra-te sésamo, são apenas algumas das gags engraçadíssimas do ator. Ricardo/Eudoro esteve muito bem e conseguiu fugir de suas personagens anteriores, começou tímido e foi se soltando, precisa ainda apropriar-se mais e mais do espetáculo, ver e ouvir a fundo os colegas. Alessandra nos da uma Margarida moderna, menos mocinha e tola do que as mocinhas do século passado. Pouco a pouco com a reestruturação das cenas e novos textos que a equipe criou para as cenas sua margarida foi tendo uma personalidade e uma catarse mais intensa, visível. A frase “Papai, pare de ser tão preconceituoso e de julgar as pessoas pela aparência”, é perfeita e deveria ser somada a todas as novas versões de O Santo e a Porca. Luis Lara/O Pinhão, é um dos personagens que mais aprecio, pois deve trazer com ele toda a Paraíba, a terra de Suassuna. O ator Luis Fernando lara é além de generoso, humilde em cena, abraçando o jogo dos colegas, mas as vezes é muito sutil em suas construções como a atriz Dulce Jorge, precisa no entanto soltar-se mais e mais, jogar-se nas cenas. Principalmente no momento em que pensa ter ficado rico. 
Falemos agora de Renato Casagrande. Cléber Lorenzoni ao fazer a adaptação do texto, decidiu auxiliado pelo elenco e por mentes criativas de seus atores, optar por dar vida a um Dodó que para enganar Eurico, se finge de homossexual afeminado e não de homem feio e desengonçado. Essa opção pode ser divertidíssima e muito mais inteligente, no entanto pode também ser perigosíssima para o espetáculo.  A intenção do elenco era a de questionar o preconceito, abrindo margem para que o público visse por exemplo que não há  nada de errado na homossexualidade e que covardia e criminalidade sim,  seriam defeitos a serem julgados pela sociedade. Há porém algumas pessoas que costumam criticar a presença de personagens cheios de trejeitos em ficções por acharem que isso de alguma forma debocha da homossexualidade, fica a dica, se se há de respeitar a diversidade, há de se respeitar as formas de se contar uma historia. Discutir a diversidade é sempre uma forma de melhorar como cidadãos.  Renato Casagrande é um ótimo ator, com noção de espaço e tempos.
Há também o caso da maquiagem, muito bem concebida, um tanto escura demais em Caroba, o que pode ser uma proposta sim, no entanto há uma discrepância. É uma farsa e compreendo que o rosto moreno, com grandes bochechas rosadas venha equivaler ao rosto branco da comédia Tartufo que o grupo montou em 2001. Se assim for, perfeito. No entanto pescoços, pernas, pés e braços maquiados são falsos demais, ora, sabemos que os atores tem pele branca e alguns chegam  a alvura. Não enganem o público, dê-lhes sua leitura e ela fica ótima no rosto, artística, e não lambuzadas pelos figurinos e perna abaixo.
Depois de uma hora e quarenta e cinco minutos, O santo e a Porca chegou ao fim, mas o público não viu o tempo passar, pois a curva dramática foi perfeita. O Máschara montou dois espetáculos esse ano e dois em 2011, o trabalho é cansativo e cheio de barreiras, no entanto mal posso esperar por mais uma estreia.

Ficha técnica
O Santo e a Porca
Texto: Ariano Suassuna
Direção: Cléber lorenzoni
Elenco: Cléber Lorenzoni (***)
              Dulce Jorge (***)
              Gabriel Wink (***)
             Ricardo Fenner (***)
              Renato Casagrande (***)
             Alessandra Souza (***)
              Luis Lara (***)
Trilha Sonora: Cléber lorenzoni   Execução: Fernanda Peres (**)
Iluminação: Cléber Lorenzoni    Execução : Gabriela Oliveira(**)
Cenário: Cléber Lorenzoni, Dulce Jorge e Luis Lara
Maquiagem: Cléber Lorenzoni e Gabriel Wink
Figurinos: Cléber Lorenzoni
Produção visual: Gabriel Wink
Divulgação: Cléber Lorenzoni, Alessandra Souza e Ricardo Fenner
Recepção e Bilheteria: Nádia Furian e Angela Fréres Jacques
Produção: Script Produtora
Patrocinadores: Lojas Becker, Ponto do Livro, Lavagens V8, Kecoo Stúdio, Odontoclínica, Ópticas Orion, Cooplantio, Confeitaria Kituti’s, Imagens Produções, BicBanco, Lojas Tevah, Linke Supermercados, Pampa Turismo, Casa das Linhas, Academia Alta Frequência, Marcos Gruum.
                            


A Rainha

              

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